sábado, 16 de agosto de 2008

O COMEÇO DO FIM DO MUNDO



23 de Dezembro de 2005 a 10 de janeiro de 2006


O COMEÇO DO FIM DO MUNDO Trinta anos depois do desencadeamento do punk, o ideal anárquico do movimento ainda pode ser percebido em diversas frentes da cultura por Luiz Rebinski Junior ( mailto:jrrebinski@yahoo.com.br)
punk, aclamado como o último grande movimento jovem de contracultura, virou trintão. Novembro de 1975 é considerado o marco zero do irmão rebelde do rock. A data remete ao primeiro show dos Sex Pistols, realizado na St. Martins Art School, em Londres.
Ainda que bandas norte-americanas como Television, Stooges e Ramones já estivessem fazendo o punk rock – como gênero musical – acontecer antes do movimento tomar de assalto a Grã-Bretanha, foi com os Pistols e o The Clash que o “ do it yourself ”, lema máximo do punk, ganhou corpo e se alastrou pelo mundo, angariando adeptos em diversas expressões da arte, como literatura, cinema e moda.
Considerado a maior farsa do rock' n' roll, o Sex Pistols foi idealizado pela dupla Vivienne Westwood, uma estilista maluquete dona de uma loja de roupas com tendências fetichistas no centro de Londres, e Malcolm McLaren, um empresário canastrão cheio de “boas intenções”. Para divulgar a loja da esposa, McLaren, que tinha tido uma experiência como agenciador da banda New York Dolls, resolveu cooptar alguns jovens desocupados que viviam perambulando próximo ao estabelecimento de Westwood para a sua mais engenhosa criação: uma banda de rock. Assim nascia o Sex Pistols, um grupo de músicos que não eram músicos, apenas vagabundos que queriam subverter a ordem dominante da Inglaterra de Thatcher. Com tal espírito e totalmente desprovidos de habilidades musicais, o grupo criou um tipo de som rudimentar e cru que remetia, de imediato, às bandas garageiras dos anos 60.
Opondo-se totalmente ao virtuosismo que dominava o rock na década de 70 – o vocalista dos Pistols andava com uma camiseta onde se lia “eu odeio o Pink Floyd” –, os pupilos de McLaren – Johnny “Rotten” Lydon (vocalista), Steve Jones (Guitarrista), Paul Cook (Baterista) e Glen Matlock (baixista), mais tarde Sid Vicious – formavam a verdadeira legião da má vontade. Esqueça o make love not war e o flower power . Os punks, em geral filhos de operários vindos dos subúrbios ingleses e sem voz ativa na sociedade, queriam mesmo é bagunçar o coreto, fazer sua própria arte e não mais esperar pelos benefícios que o capitalismo nunca lhes trouxe. Desencantados com o mundo, os Pistols e seu público surgiam como contraponto ao bom-mocismo dos hippies.
O som era mais do que básico. Três acordes, tocados em velocidade máxima acompanhando letras que falavam em no future e anticristo. Tudo isso adornado por um visual radical, que incluía alfinetes, calças jeans apertadas, camisetas surradas, tênis rasgados, jaquetas de couro e cabelos coloridos. Um verdadeiro escândalo para a sociedade de então. O choque dos conservadores ante o aspecto bizarro daqueles jovens garantiu a visibilidade do movimento nascente. Portanto a moda punk, creditada em muito a Vivienne Westwood, foi um importante instrumento para a divulgação da niilista e anárquica ideologia que surgia – ainda que tal ideologia não fosse tão clara e consistente em seus argumentos e reivindicações.
O visual agressivo era o diferencial entre os conformados e os rebeldes, àqueles que não se dobravam e ao mesmo tempo desdenhavam a industria da moda e do consumo fácil. Dessa maneira, o binômio música tosca e indumentária rebelde deu o tom do punk; e os dois nunca mais se separaram.
O fato do primeiro disco dos Sex Pistols, Never mind the bollocks – Here's the Sex Pistols , ter sido lançado quando a banda já estava praticamente desfeita, reforça a idéia de que o punk, como fenômeno sociocultural de resistência, sempre teve mais relevância do que a cena musical que se formou em sua volta. Ou seja, é bem provável que mesmo sem os Pistols e o Clash, o punk nasceria e se espalharia pelo mundo. Isso não quer dizer que a música não foi importante. A principio é impossível dissociar o gênero musical do movimento social. Prova disso são os petardos “God save the queen”, “Anarchy in the U.K.”, “Problems” e “EMI”, faixas do clássico disco de estréia da banda que ainda ecoam nos aparelhos de som do mundo inteiro.
Porém o que prevalece é a aura e o espírito contestador dos primeiros anos do punk. Em uma análise sociológica do que representou a mobilização dos jovens ingleses, pode-se dizer que a atitude defendida pelo “faça você mesmo” foi mais importante do que os fabulosos acordes mal tocados dos Pistols. O engajamento político de tendências socialistas, mais tarde intensificado com a militância do The Clash, também ajudou a moldar o punk. Conforme o chavão mais repetido entre seus adeptos, o “punk é um estilo de vida” e não apenas um tipo de música rebelde e intransigente.
Punk de Butique
Mas hoje, três décadas após o início da baderna desencadeada pelos garotos de Londres, à luz dos fatos e da história, é inevitável a discussão a respeito de como os preceitos do punk vêm sendo encarados na sociedade contemporânea – tanto por aqueles que têm a missão de levar à frente os seus conceitos, como pelo establishment de um modo geral.
Uma das críticas recorrentes ao movimento – mas não só a ele – é que suas bravatas já foram completamente assimiladas pela onipresente industria cultural, transformando o punk em mais um dos subprodutos do capitalismo. Em outras palavras, a anarquia virou mercadoria.
Um livro lançado recentemente, cujo título é bastante sugestivo e irônico – The Rebel Sell [algo como A Rebeldia Fajuta ] –, defende que em vez de funcionar como força de oposição à economia de mercado, a contracultura é, nada mais nada menos, seu combustível.
Segundo os filósofos canadenses Andrews Potter e Joseph Heath, autores do livro, os símbolos da rebeldia não são apenas cooptados pelo mainstream , mas é a própria contracultura que impulsiona o crescimento do capitalismo, gerando competição entre os consumidores das novas bricolagens e adereços.
Daí surgem os conceitos de “hippie chique” e “punk de butique”. Nesse sentido, a imagem de Ernesto “Che” Guevara estampada em camisetas, broches e jaquetas, é um dos exemplos mais fáceis. A moda do piercing , antecipada pelos grossos alfinetes que os garotos ingleses enfiavam em seus narizes é outro caso exemplar.
A estética punk, vislumbrada por Vivienne Westwood, foi tão bem sucedida que lhe rendeu a alcunha de Rainha Punk. A linguagem de suas roupas, escandalosa para as pessoas que viviam nos anos 70, é totalmente aceita na sociedade de hoje, permanecendo viva na moda de estilistas famosos como Jean-Paul Gaultier. As calças baixas e rasgadas, os adereços de metal e os tênis All Star – imortalizados por figuras como Joey Ramone – estão em todas as partes, vendidos inclusive em butiques famosas e em shoppings.
Daí pode-se concluir que a linha divisória entre a contracultura e a cultura de massa é bastante tênue. Em geral, o que está na moda hoje é o que foi alternativo ontem. Tal processo de transformação, do cult para o mainstream , segundo os filósofos canadenses autores de The Rebel Sell , é impulsionado pelos próprios atores que constituem o “sistema”. Funciona mais ou menos assim: quando as pessoas começam a imitar o estilo de um ícone rebelde, o rebelado precisa encontrar outra forma de se rebelar, já que o seu antigo costume não é mais singular. Portanto, sempre que um comportamento rebelde é popularizado, ele se torna inútil como forma de expressão, pois virou mainstream . Então é necessário criar outro meio de diferenciação, de ser diferente e cool .
A idéia parece radical, mas faz bastante sentido quando a análise é direcionada à cena musical independente de rock. É bastante comum se ouvir que dado grupo “se vendeu” para o sistema porque assinou contrato com uma grande gravadora – uma major na linguagem da indústria fonográfica. A partir do momento que uma banda do underground passa a fazer sucesso fora dos domínios do meio independente – clubes e lojas de discos –, ela já não é mais “pura”, autêntica e, principalmente, rebelde.
O próprio Sex Pistols provou do veneno maniqueísta do underground ao ser repudiado pelos fãs quando se reuniu para fazer uma turnê assumidamente caça-níquel chamada “A excursão do lucro imundo”. Caso parecido ocorreu com o The Clash, quando teve um de seus hits usados como fundo musical para um comercial da marca Levi's.
Mas ainda que o punk tenha sucumbido em seus próprios desígnios e conceitos, é fato que sua influência ainda é bastante presente. Na música, após o final dos anos 70, uma leva de boas bandas surgiu aproveitando o que de melhor os rapazes de cabelos espetados tinham feito. The Cure, Echo and the Bunnymem e Joy Division adicionaram uma dose de desesperança e alguns acordes ao som básico de seus predecessores, inaugurando a Era Pós-punk, que se caracterizou como uma tentativa de organizar margens alternativas de produção e divulgação da musica pop. É fato que depois disto o gênero se desdobrou em mil segmentos e perdeu a veia pulsante dos primeiros anos.
Já em outras esferas da cultura, ainda que velado, “o faça você mesmo” está bastante presente hoje. Pode ser percebido, por exemplo, no modo de confecção de discos desprendido por músicos independentes. Aliados à tecnologia, grupos desconhecidos não precisam mais esperar por um contrato com uma gravadora para terem suas criações registradas. A popularização dos meios de produção fonográfica endossou e tornou novamente em voga o preceito mais conhecido do movimento punk – não espere pelos outros, grave você mesmo seu som. Artistas assumindo o controle de sua própria arte – desde a escolha do repertório e tipo de som até o modo de divulgação – não é mais um sonho utópico e distante. Há ainda a cibercultura punk, espécie de cruzada contra o monopólio das grandes redes de informática. Neste ramo, a troca de músicas pela Internet talvez seja um dos exemplos mais emblemáticos.
Porém, é preciso admitir que o punk, desde seu nascedouro, sempre foi um movimento despretensioso. Foi meio sem querer que um maluco chamado Malcolm McLaren achou um grupo de rapazes mais maluco ainda e formou uma banda que tinha tudo para dar errado – e não deu. Seu alastramento mundo afora foi um processo natural que, pouco a pouco, tomou corpo. E foi exatamente a falta de “objetivos claros” que fez o punk chegar aos mais remotos lugares do planeta. Foi justamente através da forma anárquica de organização que o movimento se organizou e deixou rastros em áreas que vão da previsível moda à era digital.

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