sexta-feira, 22 de maio de 2009

Raymond Chandler, um mestre do clima noir

Há 50 anos, no dia 26 de março de 1959, em Los Angeles, morreu, aos 71 anos, Raymond Thorton Chandler, um dos maiores escritores norte-americanos de todos os tempos e um dos inventores do gênero que a partir dos anos 40 estabeleceria um marco de qualidade e originalidade na literatura de língua inglesa: o policial noir. Considerado inicialmente como autor de pulp fiction (literaturatura policial barata), aos poucos elevou-se do gênero policial para fundar com Dashiel Hammett, David Goodis e Chester Himes o novo estilo, menos popular, mas mais refinado. Ao contrário do policial tradicional, criado por Edgar Allan Poe (inspetor Dupin), Conan Doyle (Sherlock Holmes), Agatha Christie (inspetor Poirot e Miss Marple), Chester Himes (Padre Brown), entre outros, que privilegiavam o mistério e a solução de crimes complicadíssimo através da argúcia e do raciocínio lógico, Hammett e Chandler fizeram literatura no mais alto nível. Seus detetives, muito menos do que geniais descobridores de criminosos, eram personagens contraditórios, cínicos, que transitavam pelas mansões de Bervelly Hills e por sórdidos bares da periferia de Los Angels tentando ganhar a vida, trabalhando em casos geralmente banais, seguindo algum marido traído, ou um perigoso gangster por 25 dólares por dia, mais despesas. Sam Spade e Philipe Marlowe, respectivamente os personagens da maioria dos romances de Dashiell Hammet e Raymond Chandler, fascinam o leitor pelo ceticismo e o cinismo diante da vida numa época em que os Estados Unidos tentava penosamente levantar-se da queda provocada pela profunda recessão dos anos 30. Estes detetives são frutos deste país em crise, onde a construção da futura maior nação capitalista do mundo convivia com hordas de desempregados e aventureiros lutando pela vida. São homens da cidade, habituados as tensões e à violência. A expressão "looser" (perdedor) é recorrente nestes autores e, se por um lado eram homens "durões", que agüentavam porrada, toda a sorte de enrascadas, no fundo, eram uns sentimentais. E, além disso, conviviam mal com os tiras que estavam sempre no seu pé. Aliás o magnífico O longo adeus, de Chandler – sua obra-prima –, finaliza dizendo que "só os tiras não dizem adeus". Eles estão sempre lá, raramente a favor, mas quase sempre prontos para impedir ou prejudicar as investigações privadas. Tiras não gostam de detetives particulares.
Este fascinante Philip Marlowe figurou em oito romances como protagonista de tramas complicadas. Parafraseando Nelson Rodrigues, pode-se dizer que nestes romances está "a vida como ela é". Os crimes, quando existem, são tão factíveis que nos dão a impressão de que são tirados dos tablóides populares. Ou seja, são fruto do lado obscuro do cotidiano em que vivemos. E os personagens andam no limiar daquilo que é legalmente aceitável. No caso de Chandler, temos um interessante retrato da Califórnia em meados do século XX. Los Angeles já é a meca do cinema, e freqüentemente atores de segunda categoria, produtores fracassados, convivem com gângsters, prostitutas de luxo, tiras corruptos, atrizes decadentes e figurões em busca de uma oportunidade para ganhar um bom dinheiro, seja limpo ou não. Se em O longo adeus temos um inesquecível livro sobre a amizade e a lealdade, em Adeus minha adorada, A dama do lago e A irmãzinha, temos mulheres que acenam com histórias impossíveis, mas que geralmente balançam o melancólico Marlowe, homem de coração endurecido e esperanças roubadas pelas vicissitudes da vida. Sempre há uma mansão em Palm Beach, ou Malibu. Sempre há um cliente recusado que volta uma, duas vezes, até que convence o sentimental Marlowe a aceitar o caso. E ele sempre pensa "eu não devia fazer isso". E sempre acaba se arrependendo. Irônico, homem de poucas palavras, como convém a um tough guy, o cínico Marlowe vai recolhendo material para desacreditar o gênero humano. E o fascinante é que ele sempre tem uma recaída. Chandler consegue deixar uma fresta de humanismo que faz com que seu detetive cure a ressaca de gimlet ou bourbon e a contra gosto faça a barba e volte para seu poeirento e antiquado escritório onde o telefone toca muito raramente.
Raymond Chandler nasceu em Illinois, em 1888. Depois do divórcio dos pais, em 1896, foi morar com a mãe em Londres. Jamais voltou a ver o pai. Criado na Inglaterra, seguiu sendo cidadão americano, embora sua mãe tenha se naturalizado inglesa. Voltou para os EUA em 1912 e na Primeira Grande Guerra serviu nas forças canadenses e na britânica Royal Air Force. Tentou ser jornalista, empresário, detetive e até executivo de uma companhia de petróleo. Desenvolveu o gosto pela literatura e devorou livros durante a vida inteira. Em 1933, com 45 anos, conseguiu publicar seu primeiro conto na célebre revista Black Mask, da qual Dashiell Hammet era um dos donos. Imediatamente foi considerado um bom escritor, e seus contos passaram a fazer muito sucesso entre os iniciados na literatura “noir”. Seu primeiro livro “solo”, O sono eterno, só foi publicado em 1939 quando ele tinha 51 anos. O protagonista já era Philip Marlowe, cujo caráter e personalidade foram desenvolvidos sob várias identidades em seus contos anteriores. A seguir publicou os romances Adeus minha adorada (1940), Uma janela para a morte (1942), A dama do lago (1943), A irmãzinha (1949), O longo adeus (1953) e Playback (1958). Deixou inacabada a novela Amor e morte em Poodle Springs, que foi concluída pelo escritor Robert Parker com a permissão da família e publicada em 1989. Seus contos foram recolhidos e publicados em dois grandes volumes Simples arte de matar e Assassino na chuva.
Escreveu roteiros para Hollywood e teve todos os seus livros adaptados para o cinema, em filmes nos quais trabalharam grandes astros e estrelas de Hollywood, como Humphrey Bogart, Lauren Bacall, Robert Mitchum, Charlotte Rampling, James Stewart, Robert Montgomery, James Gardner, Elliot Gould, entre muitos outros. Tornou-se alcoólatra após a morte de sua mulher, em 1956, e morreu em Los Angeles em 1959, consagrado com um dos maiores escritores de língua inglesa.

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