quarta-feira, 18 de março de 2009

Assombrações de Diamantina






Relatos sobre fantasmas e aparições eram tão comuns na cidade mineira, na virada do século XIX para o século XX, que chegaram a virar notícia em vários jornais locais. Embora sejam fantásticas, as lendas revelam a cultura e a história da região.
Os garimpeiros de Diamantina acreditavam que espíritos iriam aparecer e dizer onde estavam exatamente as pepitas de ouro e os diamantes. Mas para que isso acontecesse, era preciso que o minerador tivesse o coração puro
Muitos diamantinenses acreditam que o atraso da região do Alto Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais, deve-se aos fantasmas de escravos que vagam por ali. De tanto sofrerem violências nas lavras de ouro e diamantes, as almas desses homens exerceriam uma espécie de maldição que impede o desenvolvimento econômico regional. As brutalidades do passado, sobretudo porque ainda não foram devidamente expiadas, teriam lançado Diamantina e as cidades vizinhas em uma condenação inelutável. A pobreza que assola aquelas terras seria a conseqüência da lenta reparação moral e religiosa necessária para pacificar uma multidão de espíritos que perambulam por aqueles confins.
Casos de aparições, eventos sobrenaturais e lugares mal-assombrados são comuns em qualquer ponto da Serra de Santo Antônio. Pertencem à tradição oral das comunidades, tanto rurais quanto dos núcleos urbanos regionais, chegando a entreter a imaginação dos turistas mais curiosos que visitam Diamantina.
Os contos fantásticos são meios para entender como os homens viam e pensavam o mundo
É comum na religiosidade popular os devotos fazerem “negócios” com os santos, exigindo bens e vantagens concretas em troca de orações e outras promessas
Em Diamantina, memorialistas escreveram sobre almas penadas que percorriam ruas, becos e caminhos situados nas alturas do Espinhaço Central. Narrativas fantásticas estão presentes nas obras de Helena Morley, Cyro Arno e Aires da Mata Machado Filho, escritas entre os anos de 1893 e 1945. A imprensa local também registrou números significativos de histórias de fantasmas e de eventos sobrenaturais ocorridos na região. Essas lendas apareceram em diversos jornais, ligados ou não à Igreja Católica, no final do século 19 e início do século 20. Um exame nas coleções de periódicos antigos, guardados na Biblioteca Antônio Torres, em Diamantina, revela um dado interessante: registros desse de assombrações concentraram-se nas primeiras décadas do século 20 e, em seguida, cessam-se rapidamente. Tal fato deixa algumas perguntas no ar: teriam sido os homens e mulheres diamantinenses do fim do século 19 e do início do 20 mais supersticiosos que os das décadas posteriores ou anteriores? Por que a elite letrada, que produzia os jornais, deu tamanha visibilidade para as histórias de fantasmas naquela época? Seria uma simples questão de simpatia pelos relatos populares?
Os historiadores da cultura local desconfiam que existe algo mais por trás dessa súbita e intensa atenção dos jornais e dos memorialistas pelas aparições de fantasmas em Diamantina. Além de tratar essas narrativas como documentos, os historiadores entendem que o insólito lança luz sobre os desejos, os temores, as angústias, os valores morais e as esperanças que movem os grupos sociais e as comunidades. Ao contrário de Afonso d’Escragnolle-Taunay, autor da conhecida obra Monstros e monstrengos do Brasil, o historiador de hoje não pretende distinguir o verdadeiro do falso. Atualmente, a preocupação é outra, e os contos fantásticos são vistos como meios para entender como os homens viam e pensavam o mundo. Lugares mal-assombrados, fantasmas, monstros, deformações, magia e malefícios integravam o mundo dos homens do passado, como ainda hoje têm presença no mundo atual, e representam estruturas mentais que moldam a cultura da região.

OS MORTOS NA CULTURA REGIONAL Nas áreas mineradoras de Diamantina, como em todo o Brasil escravista, uma religiosidade popular bastante típica resiste aos séculos. Ela parece, de um lado, querer humanizar Deus e os santos, tornando-os partícipes da vida dos devotos. Nesses lugares, era comum para essa gente fazer “negócios” com Jesus, Nossa Senhora e os santos, demandando bens e vantagens concretas. Quando o fiel julgava não ter sido atendido pelos céus, insultava, agredia e intimidava as imagens sagradas. Por outro lado, também havia espaço para o diabo, uma vez que as pessoas costumavam invocar o demônio para alcançar fins torpes. Dessa forma, na religiosidade popular de agricultores e mineradores, os santos e os demônios, que podiam ser chamados por palavras encantadas, estavam em toda parte. Feiticeiros, benzedores, rezadeiras e adivinhos espalhavam-se pelas vilas e povoados de Minas Gerais. Eram procurados pelas pessoas brancas e de cor, ricas e pobres. As mandingas e os calundus, tão comuns no século 18, realizados ao som dos atabaques, pandeiros e canzás, envolviam adivinhações, sortilégios, possessões, curas e folguedos.

A religiosidade popular nas áreas mineradoras, sob o impacto das contribuições culturais africanas, resultou na crença de que a alma dos mortos permanece próxima dos vivos. Entre o mundo incognoscível e a Terra, a fronteira não seria intransponível. Para os mineiros do passado, os mortos deveriam ser evocados pelos vivos e os espíritos dos mortos poderiam interferir no mundo cotidiano, o que freqüentemente ocorreria. Um exemplo dessa crença eram os “anjinhos”, as crianças que morriam antes de completar 7 anos. Acredita-se que as almas dessas crianças se transformam em anjos, que viram protetores dos familiares e amigos. Outro exemplo da influência dos espíritos sobre os vivos eram os exorcismos, como o caso da jovem possessa Mariana, ocorrido por volta de 1695, no Maranhão. E, é claro, havia os espíritos errantes dos mortos, as visagens que surgiam do nada. Nas áreas de mineração, circulavam inúmeras narrativas sobre almas penadas de pessoas que morreram em conseqüência de violências, traições ou que tiveram a vida marcada por sofrimentos, injustiças e humilhações. Eram espíritos atormentados em busca de reparações que abrissem as portas dos céus para eles.
A MOÇA E A VELAO conto de terror da “moça e a vela” é um dos mais famosos de Diamantina.
MISTÉRIOS DE FUNDO MORAL Um dos contos de terror mais famosos de Diamantina é o caso da “moça e a vela”. Certa vez, à meia-noite, uma moça que sempre passava as noites debruçada na janela, fitando a rua, foi abordada por um desconhecido trajando hábito branco e com uma vela acessa na mão. O homem saudou a moça, apagou a vela e entregou a ela, pedindo que guardasse até sua volta. A moça recebeu a vela, colocou- a sobre a cama e voltou para a janela. Ás duas horas da madrugada, o desconhecido retornou e pediu a vela. A moça foi buscá-la na cama, mas deparou com um esqueleto estendido. A caveira se ergueu e saiu voando pela janela, como se fosse uma pluma, diante dos olhos apavorados da moça.
Esse “conto religioso”, como denomina o historiador Câmara Cascudo, contém uma carga moral evidente. Mas há outras narrativas de fantasmas nas quais as mensagens morais são menos explícitas, como a da procissão de escravos, que ainda hoje circula entre moradores mais velhos de Diamantina. Eles contam a história de uma procissão de escravos e escravas, arrastando ruidosamente pesadas correntes, que sobe a Rua das Mercês até se dissolver na altura da igreja. Os moradores podem ouvir o som da estranha caminhada, porém somente vêem o cortejo das almas as pessoas que morrerão naquele mesmo ano.

Os diamantinenses sempre tomaram cuidado diante das forças sobrenaturais e temeram as aparições de fantasmas (ver box 2). Pelo sim pelo não, procuravam ser cautelosos com os fenômenos. Conforme registrou a escritora Helena Morley, menina de descendência inglesa que morava em Diamantina no fim do século 19: “Desde pequena sofri com a superstição de todos os modos. Se estivéssemos sentados à mesa em treze pessoas, sempre eu é que tinha de sair. Pentear o cabelo de noite, em nenhuma hipótese, pois se manda a mãe para o inferno. Varrer a casa à noite faz a vida desandar. Quebrar espelho traz desdita. Esfregar um pé no outro, andar de costas e outras coisas que não me lembro agora, tudo faz mal. O engraçado é que todos sabem que superstição é pecado, mas preferem levar o pecado ao confessionário a fazerem uma coisa que alguém diz que faz mal”.

No universo do garimpo, atividade dinâmica da economia do Alto Jequitinhonha, o sobrenatural possuía papel destacado. Os garimpeiros acreditavam que o sortilégio era o elemento essencial do ofício da mineração. Para determinar o lugar da boa cata, o garimpeiro lidava com sinais sobrenaturais, adivinhações e sonhos. Compreender o “jogo do rio” – a variação dos lugares por onde passou o leito do rio no passado geológico – era tão importante quanto interpretar corretamente os sinais oferecidos por sonhos e visagens. Espíritos de mortos diriam a pessoas humildes o lugar exato onde se escondiam ouro e diamantes. O diamante teria força energética sobre os homens: quanto mais farra o garimpeiro fizesse, mais pedras ele acharia. Para tirar diamante, seria preciso o minerador estar com o coração limpo. Do contrário, o diamante poderia estar ao lado da pessoa, mas ela cavaria no lugar errado. Os grandes diamantes também teriam dono certo, de maneira que não poderiam ser garimpados por mais ninguém. E, por fim, o que o diamante dava, ele tirava. É nesse pano de fundo de crenças seculares que os registros dos memorialistas e da imprensa de Diamantina devem ser analisados.
Nas áreas de mineração, circulavam inúmeras lendas sobre almas penas e espíritos atormentados, que entravam em contato com os vivos em busca de reparações
O LADRÃO QUE VIRAVA VASSOURA A escritora Helena Morley registrou em seu diário, no dia 29 de janeiro de 1893, o medo que os moradores da região sentiam por causa dos feitos de uma criatura tida como sobrenatural: “Está correndo na Boa Vista que anda por aí um ladrão muito malvado, que passou em Diamantina e os soldados não puderam pegar. Ele mata para roubar, e quando os soldados chegam, se é em casa, ele vira vassoura, cadeira ou outra coisa; se é no mato, ele vira cupim. Todos vivem apavorados”
Para retirar-se em paz desse mundo, o espírito do morto deveria dispor de tempo para acertar seus negócios terrenos
Em 14 de março do mesmo ano, Helena Morley voltou a escrever sobre esse misterioso ladrão, contando como ele havia escapado do povo do Rio Grande, transformando-se em cupim perto do Glória. Segundo a menina, o povo acreditava que o malfeitor deveria ter parte com o diabo. Mais do que isso, deveria se tratar de um espírito mal.
Outra manifestação sobrenatural envolvendo pessoas de Diamantina, foi o caso de um filho de Antônio Felício dos Santos, negociante de diamantes, industrial e primeiro presidente da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional. O rapaz, que falecera repentinamente em Diamantina, no mesmo dia e hora tocou a campainha da casa da família em Botafogo, no Rio de Janeiro. Apareceu para sua mãe e despediu-se dela. Assustada, a senhora desmaiou no mesmo momento. Fato semelhante ocorreu com um estudante diamantinense no Caraça. O moço faleceu no colégio e, enquanto seu corpo estava depositado na capela, apareceu ao superior, que no momento participava aos parentes sua morte, e fez recomendações. Essa aparição teria sido testemunhada por dom Viçoso, bispo de Mariana, e narrada por dom Francisco de Paula e Silva. Outro contato de fantasma teria acontecido na Festa do Rosário, de 1889. Uma voz que não a do celebrante entoou “glória”, sendo seguida pelo coro. A voz era do vigário falecido, o cônego Joaquim Alves de Campos.


A noção popular de justiça surge em narrativas de aparições associadas ao sucesso na mineração
Conforme os memorialistas e a imprensa de Diamantina, os espíritos manifestaram-se para o povo, tanto nas ruas como no campo, nas casas de famílias e nas igrejas, ora gerando pânico – como no caso anotado por Helena Morley –, ora deixando no ar doce mistério, sinal do poder do amor filial ou da vontade dos santos. Os casos das aparições dos moços repentinamente mortos longe de seus familiares indicam o valor que a sociedade de Diamantina atribuía à noção tradicional de “boa morte”. Para retirar-se em paz desse mundo, o espírito do morto deveria dispor de tempo para acertar seus negócios terrenos, cercar-se dos parentes e amigos nos momentos finais da vida, ser velado por muita gente após o falecimento, e ter missas rezadas por sua alma. Quando tais circunstâncias não ocorriam, o morto poderia reaparecer para os vivos e fazer recomendações ou assombrá-los.
Corria a lenda em Diamantina e nas cidades vizinhas que um ladrão que matava as suas vítimas nunca era pego pela polícia porqur tinha o dom de se transformar em certos objetos, como vassouras e cadeiras. Alguns acreditavam que ele tinha feito um pacto com o diabo; outros achavam que o malfeitor era um espírito mal
JUSTIÇA, MESMO QUE SEJA PÓSTUMA Uma notícia que reforça a crença de “boa morte” foi publicada pelo jornal A Idea Nova, em 29 de novembro de 1908. Intitulada “Alma do outro mundo. Si non é vero...”, a nota conta o caso que aconteceu em um lugar chamado Chácara das Bicas, célebre porque lá Joaquim Felício dos Santos escreveu o projeto do Código Civil. Em 1892, ocorreu ali um crime e, em 1896, a Câmara Municipal adquiriu aquela casa para abrigar pacientes portadores de varíola, sendo que alguns deles foram enterrados na horta da chácara. O jornal conta que, na época da notícia, essa casa era habitada por José Bastos, que relatou que quando ele saiu de casa às 19 horas, uma mulher de estatura baixa apareceu, disse que se chamava Maria, que morreu “de bexiga”, e havia sido enterrada naquele lugar. A mulher pediu a José Bastos que ele mandasse rezar uma missa por ela.
A aparição contada por José Bastos reitera que as pessoas que tiveram vida sofrida, ou que experimentaram enormes humilhações, corriam o risco de virar almas penadas. Os diamantinenses acreditavam que a salvação dessas almas dependia da influência dos vivos, da comiseração dos cristãos em mandar oficiar missas e novenas em intenção desses espíritos atormentados. A aparição da mulher também sugere a idéia de um senso tradicional de justiça que clama por reparações, mesmo que sejam póstumas, para indivíduos pobres, arrancados do convívio de suas comunidades, separados das redes de solidariedade que davam coesão e minoravam a dureza do cotidiano dos grupos sociais populares.
Essa noção popular de justiça surge também em narrativas de aparições associadas ao sucesso na mineração. Trata-se da crença de que Deus recompensa pessoas simples, religiosas e trabalhadoras, com a descoberta de tesouros. Assim, em maio de 1909, uma aparição teria agitado Diamantina. O registro feito pelo historiador José Teixeira Neves conta que “o padre Brasão apareceu para uma lenheira. Queria mostrar-lhe onde estava enterrado o tesouro, mas disse para ela não olhar para trás. Voltando-se, a mulher viu um esqueleto que logo desapareceu”. Aires da Mata Machado Filho, filólogo e memorialista diamantinense, narrou outra história de fantasma que indicava tesouros, recolhida na tradição oral da cidade de Diamantina, no início do século 20: “Um dia, certa mulher apareceu a uma beata do Beco dos Beréns. Vinha para indicar com precisão o lugar onde estava enterrada uma garrafa cheia de diamantes. É o que dizem. Muita gente andou cavando com ansiedade, não só nesse lugar, mas na casa de Chica da Silva e muitos outros pontos”.

Embora os tesouros do padre Brasão e da beata do Beco dos Beréns não tenham sido encontrados, permanece a teimosa esperança de que chegará o dia em que alguém vai descobri-los. Ainda hoje garimpeiros do Alto Jequitinhonha acreditam nisso. A crença não é totalmente desprovida de fundamento, já que, em 1969, para citar somente um caso, operários que trabalhavam no alargamento de um muro, no Arraial dos Forros, acharam uma quantidade enorme de moedas antigas de ouro e de prata. Na ocasião, o então prefeito de Diamantina, Sílvio Felício dos Santos, deixou com os trabalhadores as moedas que eles haviam encontrado.
A SUPERSTIÇÃO VIRA NOTÍCIA Até mesmo a mais alta autoridade eclesiástica do norte de Minas relatou uma aparição de fantasma. Em visitas pastorais, no ano de 1902, o Bispo Coadjutor de Diamantina, dom Joaquim Silvério de Souza, passou pela paróquia de São Sebastião de Água Vermelha. Lá, realizou 78 crismas, 260 confissões e celebrou 7 casamentos de amasiados. No dia 11 de junho, registrou no seu diário o seguinte caso: “Apresentou-se a nós um pai de família que se queixava de estar sua casa sob ação diabólica. A vítima principal era uma filha de 14 anos. Ela ouvia sempre frases de convite para sair de casa, e pessoas de fora viam cair pedras na sala, objetos caindo das paredes no chão, machados, facas, ferros de coador de café, torrões de terra atirados nas pessoas. Quando a mocinha não estava em casa, tudo cessava. O homem nos contou que o povo dizia que o invisível era um tal de Romãozinho. O menino, a mandato do pai, foi buscar uma chibata ou taca para bater na mãe, que lhe rogou uma praga de não ir para o céu nem para o inferno. Ele ficou vagando pela terra, a bolir ora com um, ora com outro. O tal Romãozinho é muito falado por este norte, e já pelos lados de Lençóis e Montes Claros ouvimos falar de suas proezas. Procurei descobrir se não seria algum tratante, brincador, que atirava as pedras, mas o homem afirmava sempre que não era possível ser pessoa viva, porque tudo examinava bem com muitos outros. Na casa desse pai, o Romão tem quebrado panelas e pratos”. Para acalmar o pai de família, dom Joaquim Silvério de Souza visitou a casa assombrada por Romãozinho e rezou com os moradores e vizinhos.
ROMÃOZINHOSegundo a lenda do fantasma do menino Romãozinho, a mãe do garoto havia rogado uma praga para que o espírito dele não fosse para o céu nem para o inferno. Por isso, a alma de Romãozinho vaga por Minas Gerais até hoje, quebrando panelas e derrubando ferramentas nas casas de família
Ocorrência semelhante foi noticiada pelo jornal A Idea Nova, na edição de 15 de maio de 1910, em uma matéria intitulada “O Diabo em Uberaba: um caso a estudar”. O diário relatava fatos extraordinários ocorridos na fazenda do capitão Gustavo do Nascimento, onde um invisível atirava pedras, virava e quebrava móveis e utensílios, a ponto de causar a retirada da família. Por meio de uma sessão espírita, o dono da casa teria descoberto que o invisível seria uma mulher que abandonara uma filhinha raquítica, que o capitão Gustavo havia tomado para criar. Um padre fora chamado para exorcizar a fazenda, mas o mal espírito seguiu atormentando a família.
Em comum, Romãozinho e a mulher que assombrava a fazenda do capitão Gustavo do Nascimento tinham ofendido em vida a justa “ordem moral” do mundo: o primeiro pecara contra a própria mãe, a segunda abandonara a filha doente. Não fosse o valor intrínseco dessas idéias e a repercussão que encontravam no público diamantinense, por que o jornal A Idea Nova publicaria com destaque notícias como as citadas anteriormente, de comprovação absolutamente impossível?
AS TRANSFORMAÇÕES DE DIAMANTINA As assombrações ocuparam lugar de destaque nas páginas dos jornais e dos memorialistas de Diamantina justamente na virada do século 19 para o século 20. Esse período foi de grandes mudanças na história da região. Mudanças econômicas, sociais e culturais atingiam a sociedade. A euforia da belle époque contagiou toda a cidade. Para algumas camadas da população, era tempo de modernização, de progresso, de civilização e de riqueza. Tempo de novas esperanças e de confiança no futuro. Porém, para outra parcela do povo, talvez a grande maioria, a época era perturbadora, de crise profunda das tradições regionais.
Diamantina continuava a ter na extração e no comércio de diamantes seus negócios mais expressivos. Entretanto, os modos antigos de minerar, herdados do período colonial, baseados no trabalho braçal, em saberes tradicionais e no sistema de praças e “meia-praças” (trabalhadores informais entre os mineradores) entraram em retração. A chegada de companhias nacionais e estrangeiras, que usavam máquinas modernas e energia elétrica, deu início a um processo de concentração das terras minerais, da produção e dos lucros na atividade, além de fornecer um modelo alternativo para o empreendimento minerador – o trabalho assalariado. As comunidades garimpeiras começaram a desesperar, vendo sua sobrevivência e modo de vida ameaçados.



POR MARCOS LOBATO MARTINS