sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Botinada: acervo do punk paulista


DVD Botinada reúne a turma do punk paulista para fazer justiça ao movimento musical no Brasil


O DVD "Botinada - A Origem do Punk no Brasil", de Gastão Moreira, que conta a história do punk em São Paulo, chega num momento em que se completa 30 anos do nascimento da música punk. Isto é, se considerar o surgimento da banda inglesa Sex Pistols, em 1976, como início do gênero. Por aqui, sendo o assunto restrito a poucas imagens e livros publicados, o documentário faz justiça ao movimento nascido na periferia paulistana e comprova que o punk foi uma articulosa ação entre amigos.

Do Clemente, da Vila Carolina, que conheceu Redson, do Capão Redondo que, juntos, começaram a manter contato com Ariel e Robson. Todos das regiões periféricas de São Paulo, desempregados e pobres por excelência. Em comum também há o fato de todos eles, quando adolescentes, terem vivido um rito de passagem no final dos anos 1970 com a descoberta das bandas punks inglesas. Quando se percebeu, esses amigos já eram uma pequena multidão estilizada de preto, alfinetes e correntes pelo corpo que freqüentavam a Galeria do Rock, o Largo São Bento e organizavam pequenos shows nos salões da periferia.
Numa época em que a troca de informação, a gravação de discos e a divulgação estavam longe de atingir as facilidades encontradas por qualquer banda que surge hoje em dia, o movimento punk paulista foi, preponderantemente, dependente da coletividade. O "faça você mesmo" dos jovens suburbanos era organizado em uma espécie de cooperativa que ajudava a multiplicar discos raros em fitinhas cassetes. Da primeira coletânea da revista POP, em 1977 ("A Revista POP apresenta o Punk Rock"), dos discos importados vendidos na loja Wob-Bop, até as primeiras bandas Restos do Nada, AI-5, Condutores de Cadáveres e Cólera.

O inimigo comum era, obviamente, o rock complicado do progressivo, os solos intermináveis do Led Zeppelin e a onda da discoteca que tomava conta das casas noturnas no final dos anos 70, além da famigerada MPB. Num manifesto de repúdio à música brasileira, Clemente, do Inocentes, atacou numa paulada só Luiz Gonzaga, Adoniran Barbosa e os ícones da música de protesto brasileira: Chico Buarque e Vandré. "Nós estamos aqui para revolucionar a MPB. Para pintar de negro a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar nas flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer", diz ele em um trecho do documentário.

Assim como lá fora, os parcos acordes, o inconformismo e as críticas a uma sociedade alienada e burguesa (combinados com um visual rebelde), reuniram ingredientes necessários para um grito primal musical e estético. Se o Sex Pistols teve Malcolm McLaren a frente do marketing da banda, o Brasil contava com seus impulsionadores, como Fábio, da loja e seIo independente New Face e da loja Punk Rock Discos; o escritor Antônio Bivar, autor do seminal livro "O que é Punk?", e Kid Vinil, que trazia as novidades do gênero em seu programa na rádio Excelsior.

Se já era difícil para aqueles jovens comprar um instrumento - muitos nem sabiam tocar - imagine gravar um disco. A saída foi, mais uma vez, usar o espírito de coletividade para quebrar essa barreira, com a gravação da coletânea "Grito Suburbano", em 1982. Esse primeiro registro reuniu as bandas Inocentes, Cólera e Olho Seco. Outras localidades esboçaram seus pequenos movimentos punks. O Grupo da Colina, de Brasília, capitaneado pelo Aborto Elétrico, a polêmica Camisa de Vênus, bahiana e liderada por Marcelo Nova, que já no fim dos anos 70 veiculava, em seu programa na FM Aratu, músicas de Sex Pistols.
Além do mérito de reunir os remanescentes do punk paulista, o documentário de Gastão Moreira garimpou imagens raríssimas das primeiras apresentações. Como a da banda Cólera num programa de calouros da TV Tupi e o inusitado show do Inocentes no sofisticado reduto burguês Gallery, até desembocar no festival que marcou aquela geração - "O Começo do Fim do Mundo", no Sesc Pompéia. Momento em que o punk paulista encontrou sua dispersão. A rivalidade entre os punks da capital e do ABC, na Grande São Paulo, as brigas de gangues e a o próprio fim da inocência daqueles jovens ajudou a desestabilizar o movimento.

Levar botinada, ser preso e ter seus shows interrompidos pela polícia já era rotina dos seus adeptos. Rotulado de violento e marginal, demonizado por uma parcela da mídia e pela classe média, o punk paulista se auto-imolou. A excursão de Clemente pelas delegacias inspirou a música "Maldita polícia", do Inocentes ("São nossos inimigos ou não/Não posso confiar em quem tem uma arma na mão"). Muitas bandas sobrevivem até hoje, mas sem a união que as caracterizaram. O final de 1982 e o ano seguinte marcariam o início de uma outra fase com a ascensão de outras bandas. Era o rock brasileiro que abriria os cofres do mercado fonográfico para músicos com caras de bonzinhos e letras mais acessíveis. Ficou a lição de uma causa, da vontade em desenvolver suas próprias idéias e de um estilo musical que ainda alimenta o som dos jovens roqueiros brasileiros.


"Botinada - A origem do Punk no Brasil"
(BRA/2006 110 minutos)
Direção: Gastão Moreira
Com depoimentos de Clemente, Ariel, Índio, Redson, Tina, Vladi, Wander Wildner, João Gordo, Marcelo Nova, Kid Vinil, Fábio, Antonio Bivar, entre outros
Lançamento ST2 Vídeo
Legenda: Português / Inglês / Espanhol
Preço médio: R$ 50