quinta-feira, 12 de março de 2009

MEU CONTO DE HORROR


O FLUIDO ELÉTRICO


Nelson Silva

Este relato teve lugar em um hotel de Fortaleza, situado no Centro Antigo, região acinzentada da cidade, com seus casarões repletos de fantasmas de escravos, ainda atormentados pela crueldade a que foram submetidos por seus senhores, à época de tão lamentável passagem histórica.
O tapete negro da noite já estava devidamente estendido acima da cabeça dos homens esbaforidos, que corriam de um lado para o outro, em busca de suas conduções noturnas e a metrópole ainda gania de forma tonitruante, sob a tirania do clamor diário.
Explica-se: o dia, esvaindo-se, desferia-lhe os últimos golpes, causando assim breves e pontiagudas estocadas na alma de pedra de seus portentosos edifícios.
Tal dia em particular correra de forma especialmente difícil, na acepção verdadeira da palavra.
E Abimael estava cansado.
Afinal, rondara por todo o extenuante dia, perambulando entre as ruas e avenidas de sua amada Capital, naquele sábado, cujo aspecto apresentara-se sombrio desde o momento em que os rouxinóis anunciavam o luzir de sua aurora com sua elegância prateada.
Abimael chegara à conclusão de que não suportaria realizar a desgastante viagem até ao remoto subúrbio onde morava, nos confins dos limites urbanos. Em razão disso, decidiu então pernoitar em um hotel, decisão que o marcaria, decerto, pelo resto de seus dias frugais.
Eis que encontrou um simpático e agradável recanto, no que ficou extraordinariamente impressionado pela mobília antiquada, com a marca de um passado acontecido, sem sombra de dúvida, em um século distante, ao qual, entretanto, ele não soube precisar.
Parecendo entrar em outro mundo e não dando muita importância ao fato, Abimael foi ao chuveiro e logo em seguida deitou-se na cama macia.
Uma luz inquietante bruxuleava entre as cortinas.
Havia no ar uma atmosfera sobrenatural, lembraria ele mais tarde, como se uma banshee, o espírito feminino irlandês, que emerge das profundezas para noticiar a morte de um parente, segundo a lenda daquele país bretão, estivesse a esgueirar-se por entre os móveis gastos do quarto, confundindo-se com a poeira dos tempos.
O clima revelava-se, portanto, amedrontador. O ambiente estava terrivelmente carregado de um frio glacial.
A despeito da horrível sensação, Abimael adormeceu, vencido pelo jogo bruto do cansaço.
O que viria a seguir não fica devendo aos casos notórios que um certo escritor de Baltimore legou para a posteridade.
Senão vejamos:
No meio da madrugada, Abimael despertou apreendido de um incrível pavor, enregelado e selvagemente asfixiado por uma força descomunal que o possuía ardentemente.
Ele não sabe explicar o tétrico episódio até hoje, todavia, colhe em suas indefinidas lembranças, detalhes enlouquecedores da assombrosa experiência.
Segundo me foi confiado por nosso infeliz protagonista, viu-se ele preso por braços e pernas, como se estivesse oprimido por grilhões, sendo empurrado violentamente para baixo, por um peso incomensurável que o afundava na cama, a ponto de esta ranger como um moinho de vento da velha Escócia.

Ao que lhe parece, parecia estar sendo submetido a uma relação sexual forçada.
Todo o seu corpo emanava calafrios. Ele não conseguia gritar, pois havia uma espécie de mordaça que o sufocava, como se uma poderosa mão apertasse sua garganta, impedindo-o de emitir até mesmo um reles grunhido de socorro que o salvasse da medonha situação.
Uma confusão mental opunha-se a que ele raciocinasse, acercando-se de sua mente, como um exército sitia um inimigo.
Banhado em suor, vertia grossas gotas, que inundavam os lençóis.
O instinto de sobrevivência, porém, vencera o medo e Abimael então, decidiu lutar contra seu adversário implacável.
Tentou desvencilhar-se do gigante, abatendo-se em letais convulsões.
Ainda segundo o seu testemunho, ele sentiu estranhamente que a entidade de poder descomunal cedera repentinamente aos seu apelos e sua fúria excessiva aos poucos foi-se retirando, libertando-o de seus tentáculos, dando a entender que conseguira seu objetivo, por mais absurdo que viesse a ser.
Ao fitar, ainda que em uma fração de segundo, o rosto da coisa, ele perdeu os sentidos, tão repulsiva e indescritível era a tenebrosa face.
O vulto esvaneceu-se como em um passe de mágica.
Abimael acordou com batidas na porta.
Chegara ao fim a noite do pesadelo.
Mais assustador do que o sofrimento a que se lhe havia infligido, foi, entretanto, o desfecho desta historieta.
Quando foi pagar pela noite alucinante, o proprietário deixou-lhe a par de um fato no mínimo intrigante.
Uma fabulosa dama, de hábitos, cores, trajes e beleza das mulheres arianas anglo-saxãs, exalando uma fragância de especiarias das primaveras medievais já havia pago por sua estada, tão logo que os primeiros raios de um sol ainda opaco despontaram no horizonte violeta da cidade sonolenta.
- Parecia bastante satisfeita – riu, entredentes, o proprietário.


MAR/09