quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Quem é McCain?


Eleito, pela primeira vez, para o Senado em 1986, John McCain tem mandato até 2010.
Nasceu a 29 de Agosto de 1936 na base aérea de Colo Solo na zona controlada pelos Estados Unidos do Canal do Panamá. Reside, actualmente, em Phoenix e é casado com Cindy Hensley.
O Senador do Arizona é o que de mais próximo a um herói nacional se pode encontrar no cenário político norte-americano. Filho e neto de oficiais da Marinha, foi um piloto condecorado, abatido no Vietname, passando cinco anos nas prisões comunistas do regime de Hanoi. Regressado aos Estados Unidos em Março de 1973, a sua última função na Marinha foi a de assegurar as boas relações entre esta e o Senado dos EUA. Em 1980, retira-se para o Arizona, Estado-natal da sua esposa. Em 1982, concorre para um lugar em aberto na Câmara de Representantes. Atacado como um outsider respondeu “The longest place I ever lived in was Hanoi”. Venceu e, em 1986 concorreu ao Senado, vencendo facilmente.
Nos seus primeiros anos no Senado, McCain manteve-se discreto. O seu primeiro assunto foi o que se pode considerar a sua especialidade: o Vietname. Com o democrata John Kerry incentivou a criação de um comité para investigar eventuais prisioneiros de guerra que continuassem detidos no Vietname. Não encontraram provas. Incentivou, também com o democrata Kerry, o restabelecimento de relações diplomáticas com Hanoi e o fim do embargo comercial. No Comité de Serviços Armados insistiu num aumento da despesa com a defesa e defendeu que todas as intervenções militares deviam ser destinadas a obter a vitória. Criticou a administração Clinton por não usar toda a força necessária na questão do Kosovo.
O outro comité onde John McCain se empenhou foi o Comércio. O seu impulso levou-o a optar por soluções que conduzissem à desregulação. Defende que os membros do Congresso, tal como os militares, devem servir apenas o interesse nacional. Não aprecia o que considera gastos que se destinam exclusivamente a ganhar votos, desta forma tentou impedir iniciativas que fossem nessa direcção.
O assunto com que mais se identifica prende-se com o regulamento do financiamento às campanhas. Viu-se incluído num escândalo em que ficou conhecido como um dos cinco senadores Keating, investigado por se encontrar com lobbyists da Charles Keating’s Arizona savings and loan. Mais tarde, foi absolvido, chegando-se à conclusão de que o seu nome apenas tinha sido usado para tornar o escândalo bipartidário. Fruto deste envolvimento, começou a desenvolver trabalho com o Democrata Russ Feingold. Em 1998, apresentaram uma série de propostas no sentido de limitar as contribuições aos partidos. Foi rejeitado. Em Setembro de 1999, McCain e Feingold tentaram de novo, mas sem sucesso. Não obstante, McCain não deixou de continuar a considerar que o sistema era propenso à corrupção.
O seu trabalho na tentativa do sistema de financiamento e as credenciais do Vietname providenciaram justas aspirações à sua corrida pela nomeação republicana em 2000. Evitou a exposição mediática no Iowa e apostou tudo em New Hampshire, utilizando o já famoso “Straight Talk Express” sob o lema “I’ll never tell you a lie”, apostou nos temas concernentes às questões de defesa e política externa. No entanto, não obteve muitos apoios. Apenas os Senadores Jon Kyl, Chuck Hagel, Fred Thompson e Mike DeWine demonstraram o seu apoio. Venceu as primárias de New Hampshire por uns impressionantes 49% - 31%.
Seguidamente, a campanha tornou-se mais dura e subiu de tom. Começou a ser atacado por grande parte dos republicanos. As suas aspirações para a reforma do financiamento eleitoral e o facto de ser contra os cortes nos impostos propostos na campanha por Bush por serem benéficos apenas para os “ricos” levou-o a ganhar apoios nos independentes mas a perder a base de apoio republicana que era, na essência, o que estava em jogo. Os ataques aos religiosos fervorosos, ainda que sarcásticos, também em nada ajudaram. Perdeu a eleição na Carolina do Sul. Sendo-lhe favoráveis os Estados do Arizona e Michigan. Na Super Terça-Feira, perdeu os decisivos Estados: Nova Iorque, Ohio e Califórnia. Desistiu da sua campanha a 9 de Março. Rejeitou a vice-presidência ou ter qualquer lugar na administração Bush.
A derrota na corrida para a nomeação presidencial deu-lhe força para ainda mais iniciativas legislativas. A sua prioridade foi a reforma do financiamento das campanhas. Para obter os apoios dos congressistas, começou por apoiá-los nas suas próprias campanhas. Com os apoios de individualidades como Fred Thompson, McCain e Feingold conseguiram fazer passar a sua legislação, apesar de esta sofrer algumas emendas. De realçar ainda, foi o conflito que manteve com a administração Bush, por esta não querer indicar o Democrata Tom Daschle para um lugar na Federal Election Comission.
Após alinhar com os Democratas em vários projectos de lei, chegou a ser apontado por jornais como o The Washington Monthly e o The New Republic, como um forte candidato à nomeação presidencial do Partido Democrata. Rejeitou tudo, e acabou por alinhar com George W. Bush e a maioria dos Republicanos em várias propostas.
Apoiou decisivamente os esforços de Bush na guerra ao terrorismo depois do 11 de Setembro; e, em Dezembro de 2001, foi um dos dez membros do Congresso a afirmar que o Iraque deveria ser o próximo alvo. Chamou a atenção para a prioridade que se deveria dar à segurança aérea. Pediu a criação de uma comissão para investigar as falhas no sistema de informação antes do 11 de Setembro.
Em 2002, McCain voltou a ser nomeado presidente do comité de Comércio. Juntamente com Joseph Lieberman, seu apoiante nesta campanha presidencial, começou a trabalhar um projecto de lei para reduzir as emissões de dióxido de carbono. Continuou a intentar iniciativas legislativas no sentido de alargar o exército e as tropas estacionadas no Iraque. Em Dezembro de 2004, retirou a confiança ao Secretário da Defesa Rumsfeld. Opôs-se à emenda constitucional que tencionava banir o casamento entre indivíduos do mesmo sexo.
Na campanha presidencial de 2004, após a nomeação do candidato democrata John Kerry, começaram a surgir boatos no sentido de sugerir de que John McCain concorreria como vice-presidente ao lado de Kerry. Depressa McCain rejeitou os boatos. Desta forma, em Junho de 2004, McCain apareceu ao lado de Bush a prestar-lhe o seu endorsement com o seguinte comentário sobre o agora cessante presidente: “He has been tested and has risen to the most important challenge of our time, and I salute him.“
Sobre a imigração McCain diz que o reforço das fronteiras não funcionará sozinho, opondo-se ao corte dos benefícios sociais para imigrantes ilegais, argumentando que iria atrasar uma solução. John McCain trabalhou ainda com Bush nas suas reformas na Segurança Social e mudanças nos impostos.
O Senador do Arizona tem óbvias vantagens como candidato presidencial republicano mas, no entanto, também algumas limitações. Em vários assuntos, alinha com a base conservadora do Partido Republicano, mas não gosta de os enfatizar; o seu apelo aos independentes e democratas é maior do que o de Bush e a sua popularidade na imprensa é muito maior. Mas isto pode mudar, assim que McCain alcance a nomeação. A sua idade avançada, por exemplo, não joga a seu favor, sendo que ele é apenas um ano mais novo do que Reagan quando venceu a sua segunda eleição presidencial. Mas, para rebater este argumento, McCain costuma aparecer em vários eventos com a sua mãe, Roberta McCain, de 96 anos de idade.


Direto do Observatório do Instituto Transatlântico Democrático sobre as eleições Presidenciais Norte-Americanas de 2008

Obama, um inventor de si mesmo


Seus pais e avós fugiram de qualquer identidade cultural. Então o candidato democrata teve de criar a sua própria
Em março, quando os primeiros sermões raivosos do homem que foi seu pastor por tantos anos começaram a aparecer na televisão, Barack Obama se pôs perante as câmeras para fazer aquele que é hoje considerado o discurso mais importante desta campanha. O discurso sobre raça foi proferido com veemência e elegância durante quase 40 minutos. Obama é o candidato dos discursos, das palavras bem colocadas, entonação perfeita e carisma ímpar. Conseguiu transformar um discurso político de 40 minutos no campeão de audiência do YouTube por uma semana.Para alguns analistas, aí está a marca do demagogo: palavras bonitas que conquistam o eleitorado pelo coração. Mas quem presta atenção nas palavras percebe que o estilo não é o de falar aquilo que o público quer ouvir. “Quando brancos sabem que um afro-americano conseguiu uma vaga na universidade por causa de uma injustiça cometida em gerações passadas, quando brancos são acusados de racismo por conta de seus medos concretos da criminalidade urbana, é natural que surja ressentimento”, disse a seus eleitores negros naquele discurso. Para falar das feridas criadas pela questão racial nos EUA, não desculpou ninguém. Esse tipo de desafio a quem o ouve é comum em Obama.Para um grupo de exilados cubanos em Miami, no último dia 23, Obama relatou que planejava reativar os canais de diplomacia com o governo de Raúl Castro, cogitando até o fim do embargo em troca da liberação de prisioneiros políticos. “Sei que não é o que vocês querem ouvir.” A um grupo de plantadores de milho no interior de seu Estado, disse que como senador poderia até lutar pelo subsídio que os protege, mas isso não adiantaria por muito tempo. “O problema é que o etanol brasileiro é muito mais barato que o nosso”, explicou. “Vocês terão que encontrar opções mais eficientes.”No mundo que Barack Obama vê e descreve há desafios para todos. Essa sua visão nasce de sua história pessoal - uma história que começa com fugas.Seu avô paterno foi criado no interior do Quênia durante o Império Britânico. Viveu entre a estrutura tribal de sua pequena comunidade e o desejo de ser ocidental, descreve Obama em seu primeiro livro, A Origem dos meus Sonhos. Abandonou as roupas coloridas da tradição e vestiu a dos europeus. Serviu como cozinheiro em um navio da Marinha britânica durante a 2ª Guerra. Seu filho Barack Hussein Obama Sr, pai do candidato, foi mais longe: descobriu-se ateu, abandonou o islamismo de seu clã e mudou-se para o Havaí, onde conheceu uma moça branca com quem casou. Formou-se em economia por Harvard. Divorciou-se. De volta a seu país, serviu na alta hierarquia do governo sem jamais conseguir modernizar a estrutura social do Quênia como queria. Alcoólatra, sofreu de problemas de circulação que lhe custaram uma das pernas antes de sua morte prematura, em 1982, aos 46 anos.Também o avô materno de Obama buscava algum tipo de transformação íntima. Natural do Kansas, seguiu o sonho americano de uma nova vida em direção ao Oeste. Veterano da 2ª Guerra, pingou de emprego em emprego com mulher e filha, primeiro no Texas, depois Califórnia, Estado de Washington e, finalmente, Havaí. Sua filha, Ann Dunham, manteve essa busca por uma reinvenção pessoal. O primeiro marido foi um queniano, pai de Obama, que a abandonou. O segundo era da Indonésia, para onde Ann se mudou com o filho Barack muito menino. Separada novamente, Ann morreu de câncer, aos 52 anos.Criança, Obama viveu com a mãe na Indonésia, estudando numa escola internacional católica, depois numa islâmica. Ann não ligava para religião. Mas aí, com 13 anos, Obama quis estabilidade: adolescente, foi morar com os avós no Havaí. Para os colegas americanos, era, como se descreveria anos depois, “um menino magrelo com o nome engraçado”. Em seu livro, descreveu um envolvimento autodestrutivo com drogas - maconha, depois cocaína. À imprensa, os amigos do tempo disseram que Obama fumou, cheirou, mas não foi nada sério. Bom aluno, ganhou uma bolsa para a Universidade Colúmbia, em Nova York, onde estudou ciência política e relações internacionais. E, quando foi procurar emprego, escolheu um de assistente social em Chicago, no lado sul da cidade, conhecido pela influente comunidade negra.Aos 22 anos, Barack Hussein Obama sentia-se um fruto de famílias em fuga que rejeitavam o passado. A seus olhos, nem os pais nem os avós foram felizes. E lá estava ele, um rapaz negro criado por brancos, chegando a um lugar novo. De volta ao Meio Oeste que seu avô abandonara, ele buscaria uma raiz, uma tradição. E duas pessoas o apresentaram a ela.O primeiro foi Jeremiah Wright, pastor da Trinity United Church of Christ. Wright o ensinou sobre ser negro nos EUA, ofereceu uma base religiosa, apresentou Obama à comunidade e o influenciou na maneira de falar em público. A segunda pessoa foi sua mulher, Michelle. Com ela e os sogros, ele conheceu a vida de uma típica família estável da classe média negra. Já era este seu mundo quando se formou em direito, em 91, pela Universidade Harvard, considerada a melhor do mundo.Quando, anos mais tarde, condenou a Guerra do Iraque, ele argumentaria com base nas conclusões que tirou da vida. Seus pais tentaram se reinventar abandonando as tradições e, no processo, perderam a própria identidade. A tradição é o que dá liga à sociedade. Perante a mudança, a tradição sempre resiste. Mudança, na história, vem a passos lentos. Para ele, há ingenuidade no ideal do sonho americano de que idéias, por si, causam grandes mudanças. Idéias não bastam. Barack Obama, como o descreveu Larissa MacFarquhar num perfil para a revista The New Yorker, “é profundamente conservador”. Democracia não seria simplesmente imposta num país onde ela jamais existira.Obama é conservador na maneira de ver o mundo e a sociedade, mas um político que segue fielmente a tradição social da esquerda americana. Eleito em 1996 para o Senado Estadual de Illinois, propôs 233 leis sobre saúde pública (incluindo a tentativa de implantar um sistema universal, que foi rejeitado), 125 dedicando recursos para assistência social e 112 tratando de criminalidade, como programas de reintegração à sociedade, o alívio de penas para certos crimes e maior controle na venda de armas. Nas 823 leis que apresentou, mais da metade se inclui nesses três grupos.No Senado dos EUA, onde atua desde 2005, se mostrou protecionista - vem de um Estado agrícola - e favorável a facilitar a vida dos imigrantes, mesmo os ilegais. É a favor do aborto, mas não rejeita de todo a pena de morte, que considera justa para os casos mais brutais, que choquem a sociedade. Votou a favor de planos de educação sexual e distribuição de contraceptivos para adolescentes, quer um projeto agressivo para cortar a emissão de carbono e deseja retirar as forças americanas do Iraque para investir na luta contra a Al-Qaeda no Afeganistão e Paquistão.A campanha presidencial apenas começou. Não foi sem dor que ele renegou seu pastor, quase uma figura paterna, há um mês. Seu adversário republicano, John McCain, o atacará em sua disposição de negociar com ditadores, explorará sua pouca experiência em política exterior e tentará mostrar que, hábil com as palavras, Obama seduz sem substância. Também deve apresentá-lo como um radical da política negra. A proximidade com o pastor Wright torna a insinuação crível. A amizade com o casal Bernardine Dohrn e William Ayers, terroristas de esquerda nos anos 60, reforça a tese. Não bastasse, ainda há o fantasma de Tony Rezko, um de seus primeiros financiadores políticos, condenado em maio por corrupção.A campanha presidencial de Obama é conduzida por um ex-repórter da editoria de política do jornal The Chicago Tribune, David Axelrod. Ele pretende driblar a discussão contando e recontando a história pessoal do candidato. Ao New York Times, explicou que “a história de Barack é a personificação de sua mensagem para o país, a de que com tenacidade podemos vencer as barreiras que nos dividem”. A candidatura, segundo Axelrod, é essencialmente uma aposta de que, mesmo lentamente, a história caminha para a frente e os EUA são, sim, capazes de eleger um presidente negro.É só com sutileza que Obama trará a questão racial para a campanha. Tão logo ficou claro que seria o candidato, McCain o convidou para uma série de debates informais, ao vivo, perante grupos de eleitores em todo o país, como haviam combinado de fazer, em 1963, John Kennedy e Barry Goldwater. Obama disse que gostou da idéia, mas sugeriu que seguissem o modelo estabelecido, antes da Guerra Civil, por Abraham Lincoln e Stephen Douglas. Na verdade, são modelos iguais. Mas Lincoln foi o libertador dos escravos nos EUA. E um político de Illinois. Obama sublinha a idéia de ser sucessor natural do velho presidente.

Pedro Doria (O Estado de São Paulo)