sábado, 25 de outubro de 2008

CONTO DESTAQUE VENCEDOR DO XI PRÊMIO DE LITERATURA IDEAL CLUBE 2008

Na foto acima, o escritor laureado ao lado do Secretário de Cultura do Estado do Ceará, professor Auto Filho, que estava representando o governador Cid Gomes no evento.


CITIES IN THE SKY
Nelson Silva

Por essa época, todos os conflitos militares entre nações haviam cessado completamente nos quatro cantos da Terra. Embora atentados terroristas continuassem a sacudir grandes cidades da Europa e dos Estados Unidos sem retaliação aparente, guerras travadas por estados devidamente constituídos era coisa que não se ouvia falar haviam duas dúzias de anos.
Sob este prisma, como se poderia supor, o mundo definitivamente achava-se desfrutando de um período sem precedentes em sua história. Uma era em que, finalmente, o insólito astro azul não se encontrava empapado em sangue.
Tal convicção não soaria absurda de todo, uma vez que os orçamentos militares das superpotências haviam sido suprimidos drasticamente. Gastos com armamentos simplesmente desapareceram da mesa de negociações de governantes declaradamente belicistas.
Inimigos ancestrais - políticos e religiosos - selavam a paz e assinavam acordos de cooperação mútua onde antes só havia ódio e intolerância milenares.
Restavam combates étnicos isolados e homens-bomba que efetivamente explodiam aqui e ali, mas já nem mesmo eles sabiam bem porque estavam indo pelos ares.
A estranha ausência de hostilidades acabou convencendo até aos analistas mais céticos, defensores da teoria do ovo da serpente, aquele que eclode em ‘inocentes’ períodos de paz, como sucedera na Paz Armada antes do primeiro conflito e no entreguerras de 18-39.
Circunstâncias históricas à parte, a nova era mostrava-se promissora, uma vez que as fabulosas quantias que nutriam a máquina da guerra poderiam enfim ser empregadas em causas bem mais nobres, negligenciadas que foram pelos incontáveis mensageiros da morte que conduziram a civilização humana em sua tenebrosa trajetória através dos tempos.
O axiological dream world de Morus, a sociedade equilibrada e perfeita aparentemente tornara-se palpável para a maioria da população terrestre.
Foi então que passou-se a exigir do G-7 investimentos maciços em produção de alimentos, construção de moradias e escolas, pesquisa e fabricação de remédios empregando os bilhões de dólares que antes financiavam o aparelho bélico e irrigavam as veias dos vampiros das trevas que insistiam em sujar de sangue as páginas da história.
Falava-se mesmo em erradicação da fome, da miséria e de muitas doenças, do controle eficaz de todas as epidemias e da igualdade social entre os povos como algo perfeitamente possível de se realizar e em um intervalo de tempo relativamente curto.
Curioso pois, era observar a misteriosa apatia dos líderes que conduziam os países mais abastados, em nítido contraste com o entusiasmo global. Também requeria um traço de suspeição se fossem levadas em conta suas constantes evasivas quando interpelados sobre a aplicação dos formidáveis recursos em um plano de paz mundial tão ansiosamente aspirado.
O mundo não tardaria a descobrir, contudo, o que estava por trás das enigmáticas fisionomias de reis, presidentes, ditadores, primeiros-ministros, cardeais, senhores do capitalismo e chefes de religiões.
Reunidos em uma assembléia na ONU e sob protestos veementes dos representantes das nações mais pobres, eles surpreenderam a humanidade ao revelar um segredo de estado que estava sendo gestado há anos: um gigantesco projeto que iria consumir bem mais do que apenas o orçamento de suas forças armadas, dizimando completamente toda aquela fábula de sociedade perfeita.
Uma espetacular estação espacial com dimensões estapafúrdias de centenas de quilômetros em fase final de construção há tempos pairava sobre o planeta, naquela que seria a maior aventura tecnológica da espécie.
A novidade causou alvoroço e incredulidade nos outrora entusiasmados articuladores do chamado “Really Peace”, que era como o movimento em prol da nova era ficou conhecido.
Todos os grandes conglomerados industriais concentraram seus esforços para suprir as necessidades do voraz monstro espacial, suspenso na estratosfera, a doze mil quilômetros de altitude.
Visível a olho nu, a estrela metálica, com seu arrogante brilho prateado, remetia a um cometa portador de mau agouro, conforme acreditavam os anciãos das tribos primitivas desde o princípio da civilização. E, como se sabe, corpos celestes travestidos de deuses sempre exigiam rituais de sacrifício humano.
Logo, tudo o que o mundo produziria a partir dali embarcaria nos foguetes que partiam, céleres, para a estranha estrutura cósmica. O projeto inicial há muito fora expandido e os limites da estação pareciam convergir aos confins do universo.
Paralelamente às rotineiras decolagens das aeronaves, fatos intrigantes se desenrolavam na superfície.
Os estados há muito haviam abdicado de seus intrínsecos papeis fundamentais. O poder constituído isolara-se em torno de si e uma feroz instituição policial foi implantada, protegendo os governos e punindo com a morte toda e qualquer insurreição popular.
Uma grande parcela de trabalhadores fora aglutinada em áreas fechadas ou em campos de trabalhos forçados – que em muito lembravam a política do Gulag soviético – com o fim de produzir alimentos e um sem-número dos mais variados artigos, que eram rapidamente levados à NASA e às bases do Casaquistão, de onde embarcavam em ônibus espaciais em direção ao arranha-céu estelar, a essa altura já habitado por centenas de pessoas.
Um enorme elevador espacial – um cabo feito de fibra de nanotubos de carbono com uma força de tensão essencialmente alta – estendia-se por mais de vinte e cinco mil quilômetros espaço adentro, fixado em satélites geoestacionários, permitia que carregamentos, passageiros, contêineres e cargueiros de provisões contendo sementes de plantas, árvores e gêneros alimentícios desenvolvidos sob medida pela engenharia genética fossem içados para fora da gravidade terrestre com energia fornecida do solo. O resto da viagem era realizado por um foguete nuclear de baixa propulsão até o desembarque final no inacreditável aparato sideral.
Com a informação sob controle não era possível saber o que raios estava acontecendo. Comentava-se que os cientistas haviam descoberto uma nova forma de sobrevivência no espaço e, para viabilizar as pesquisas, estavam convidando os poderosos e a elite mundial para vivenciar a extravagante experiência, desde que desembolsassem, obviamente, uma quantia de muitos milhões de dólares.
À medida que reis, rainhas, presidentes e magnatas citados na Forbes começaram a ascender aos céus em vôos espaciais diários, a mentira oficial começou a ruir como um castelo de cartas.
Apesar da tenaz repressão aos órgãos de comunicação, sobretudo na rede mundial de computadores, alguns heróis mártires – como aqueles que se opuseram ao Führer na aurora do III Reich – conseguiram denunciar a farsa e suas imagens clandestinas não deixavam dúvidas de que havia uma fuga em andamento, embora muitos deles tivessem que pagar com a própria vida a descoberta sem precedentes nos anais de nossa epopéia.
De que fugiam afinal, os dirigentes mundiais? Era a retumbante pergunta que o mundo fazia.
Os semblantes aparvalhados dos desertores, metidos em ridículas roupas de cosmonautas lembravam condenados subindo ao patíbulo, revelando sua notória apreensão, como se não tivessem certeza do seu destino, os olhos esbugalhados.
Quando o Papa e seu séqüito tomaram assento em um desses veículos espaciais, ficara evidente que um perigo iminente rondava a Terra.
As miseráveis criaturas repudiadas estabeleceram, cá embaixo, um sistema em que prevaleciam saques, linchamentos, suicídios e um amplo leque de atrocidades. Não foram capazes de se organizar como sociedade tendo em vista o risco de um fim tão próximo.
Há muito haviam sido julgados por seus líderes. Restava agora saber de que forma de morte morreriam. E se existia alguma chance de sobrevivência.
Por enquanto, estavam absorvendo o choque da forma mais humana possível: a da guerra contra o seu semelhante.
No alto, a estrela artificial cintilava, patética e reluzente.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

CONTO VENCEDOR DO XI PRÊMIO IDEAL CLUBE DE LITERATURA 2008


CITIES IN THE SKY
Nelson Silva

Por essa época, todos os conflitos militares entre nações haviam cessado completamente nos quatro cantos da Terra. Embora atentados terroristas continuassem a sacudir grandes cidades da Europa e dos Estados Unidos sem retaliação aparente, guerras travadas por estados devidamente constituídos era coisa que não se ouvia falar haviam duas dúzias de anos.
Sob este prisma, como se poderia supor, o mundo definitivamente achava-se desfrutando de um período sem precedentes em sua história. Uma era em que, finalmente, o insólito astro azul não se encontrava empapado em sangue.
Tal convicção não soaria absurda de todo, uma vez que os orçamentos militares das superpotências haviam sido suprimidos drasticamente. Gastos com armamentos simplesmente desapareceram da mesa de negociações de governantes declaradamente belicistas.
Inimigos ancestrais - políticos e religiosos - selavam a paz e assinavam acordos de cooperação mútua onde antes só havia ódio e intolerância milenares.
Restavam combates étnicos isolados e homens-bomba que efetivamente explodiam aqui e ali, mas já nem mesmo eles sabiam bem porque estavam indo pelos ares.
A estranha ausência de hostilidades acabou convencendo até aos analistas mais céticos, defensores da teoria do ovo da serpente, aquele que eclode em ‘inocentes’ períodos de paz, como sucedera na Paz Armada antes do primeiro conflito e no entreguerras de 18-39.
Circunstâncias históricas à parte, a nova era mostrava-se promissora, uma vez que as fabulosas quantias que nutriam a máquina da guerra poderiam enfim ser empregadas em causas bem mais nobres, negligenciadas que foram pelos incontáveis mensageiros da morte que conduziram a civilização humana em sua tenebrosa trajetória através dos tempos.
O axiological dream world de Morus, a sociedade equilibrada e perfeita aparentemente tornara-se palpável para a maioria da população terrestre.
Foi então que passou-se a exigir do G-7 investimentos maciços em produção de alimentos, construção de moradias e escolas, pesquisa e fabricação de remédios empregando os bilhões de dólares que antes financiavam o aparelho bélico e irrigavam as veias dos vampiros das trevas que insistiam em sujar de sangue as páginas da história.
Falava-se mesmo em erradicação da fome, da miséria e de muitas doenças, do controle eficaz de todas as epidemias e da igualdade social entre os povos como algo perfeitamente possível de se realizar e em um intervalo de tempo relativamente curto.
Curioso pois, era observar a misteriosa apatia dos líderes que conduziam os países mais abastados, em nítido contraste com o entusiasmo global. Também requeria um traço de suspeição se fossem levadas em conta suas constantes evasivas quando interpelados sobre a aplicação dos formidáveis recursos em um plano de paz mundial tão ansiosamente aspirado.
O mundo não tardaria a descobrir, contudo, o que estava por trás das enigmáticas fisionomias de reis, presidentes, ditadores, primeiros-ministros, cardeais, senhores do capitalismo e chefes de religiões.
Reunidos em uma assembléia na ONU e sob protestos veementes dos representantes das nações mais pobres, eles surpreenderam a humanidade ao revelar um segredo de estado que estava sendo gestado há anos: um gigantesco projeto que iria consumir bem mais do que apenas o orçamento de suas forças armadas, dizimando completamente toda aquela fábula de sociedade perfeita.
Uma espetacular estação espacial com dimensões estapafúrdias de centenas de quilômetros em fase final de construção há tempos pairava sobre o planeta, naquela que seria a maior aventura tecnológica da espécie.
A novidade causou alvoroço e incredulidade nos outrora entusiasmados articuladores do chamado “Really Peace”, que era como o movimento em prol da nova era ficou conhecido.
Todos os grandes conglomerados industriais concentraram seus esforços para suprir as necessidades do voraz monstro espacial, suspenso na estratosfera, a doze mil quilômetros de altitude.
Visível a olho nu, a estrela metálica, com seu arrogante brilho prateado, remetia a um cometa portador de mau agouro, conforme acreditavam os anciãos das tribos primitivas desde o princípio da civilização. E, como se sabe, corpos celestes travestidos de deuses sempre exigiam rituais de sacrifício humano.
Logo, tudo o que o mundo produziria a partir dali embarcaria nos foguetes que partiam, céleres, para a estranha estrutura cósmica. O projeto inicial há muito fora expandido e os limites da estação pareciam convergir aos confins do universo.
Paralelamente às rotineiras decolagens das aeronaves, fatos intrigantes se desenrolavam na superfície.
Os estados há muito haviam abdicado de seus intrínsecos papeis fundamentais. O poder constituído isolara-se em torno de si e uma feroz instituição policial foi implantada, protegendo os governos e punindo com a morte toda e qualquer insurreição popular.
Uma grande parcela de trabalhadores fora aglutinada em áreas fechadas ou em campos de trabalhos forçados – que em muito lembravam a política do Gulag soviético – com o fim de produzir alimentos e um sem-número dos mais variados artigos, que eram rapidamente levados à NASA e às bases do Casaquistão, de onde embarcavam em ônibus espaciais em direção ao arranha-céu estelar, a essa altura já habitado por centenas de pessoas.
Um enorme elevador espacial – um cabo feito de fibra de nanotubos de carbono com uma força de tensão essencialmente alta – estendia-se por mais de vinte e cinco mil quilômetros espaço adentro, fixado em satélites geoestacionários, permitia que carregamentos, passageiros, contêineres e cargueiros de provisões contendo sementes de plantas, árvores e gêneros alimentícios desenvolvidos sob medida pela engenharia genética fossem içados para fora da gravidade terrestre com energia fornecida do solo. O resto da viagem era realizado por um foguete nuclear de baixa propulsão até o desembarque final no inacreditável aparato sideral.
Com a informação sob controle não era possível saber o que raios estava acontecendo. Comentava-se que os cientistas haviam descoberto uma nova forma de sobrevivência no espaço e, para viabilizar as pesquisas, estavam convidando os poderosos e a elite mundial para vivenciar a extravagante experiência, desde que desembolsassem, obviamente, uma quantia de muitos milhões de dólares.
À medida que reis, rainhas, presidentes e magnatas citados na Forbes começaram a ascender aos céus em vôos espaciais diários, a mentira oficial começou a ruir como um castelo de cartas.
Apesar da tenaz repressão aos órgãos de comunicação, sobretudo na rede mundial de computadores, alguns heróis mártires – como aqueles que se opuseram ao Führer na aurora do III Reich – conseguiram denunciar a farsa e suas imagens clandestinas não deixavam dúvidas de que havia uma fuga em andamento, embora muitos deles tivessem que pagar com a própria vida a descoberta sem precedentes nos anais de nossa epopéia.
De que fugiam afinal, os dirigentes mundiais? Era a retumbante pergunta que o mundo fazia.
Os semblantes aparvalhados dos desertores, metidos em ridículas roupas de cosmonautas lembravam condenados subindo ao patíbulo, revelando sua notória apreensão, como se não tivessem certeza do seu destino, os olhos esbugalhados.
Quando o Papa e seu séqüito tomaram assento em um desses veículos espaciais, ficara evidente que um perigo iminente rondava a Terra.
As miseráveis criaturas repudiadas estabeleceram, cá embaixo, um sistema em que prevaleciam saques, linchamentos, suicídios e um amplo leque de atrocidades. Não foram capazes de se organizar como sociedade tendo em vista o risco de um fim tão próximo.
Há muito haviam sido julgados por seus líderes. Restava agora saber de que forma de morte morreriam. E se existia alguma chance de sobrevivência.
Por enquanto, estavam absorvendo o choque da forma mais humana possível: a da guerra contra o seu semelhante.
No alto, a estrela artificial cintilava, patética e reluzente.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Meu personagem RADKANA estréia


EU VI O CÉU DE N.Y.



Eu vi o céu de Nova York

no filme do horário nobre

tocando rock na metrópole

um bluesman no Village People.


Fazia frio chovia forte

é tão vazio

eu tive sorte

e vi a morte no meio do caminho.


Baby, eu me lembro de você mais jovem

me dando o toque que tinha se perdido

baby, eu já sei pra onde todos fogem

e as flores são fotos, corações partidos.


Nelson Silva

1989

domingo, 19 de outubro de 2008

A SEGUNDA VINDA DE JESUS É CERTA


Muitas são as promessas registradas na Bíblia, mas com toda segurança, a mais lembrada e esperada nos últimos dois mil anos pelos cristãos do mundo inteiro é a seguinte:
"Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim eu vo-lo teria dito, pois vou preparar-vos lugar. E, se eu for e vos preparar lugar, virei outra vez e vos levarei para mim mesmo, para que, onde eu estiver estejais vós também" (João 14:1-3). [a]
Jesus Cristo, depois de sua morte e ressurreição no ano 31 de nossa era, subiu aos céus prometendo que voltaria para destruir a maldade e instaurar seu reino onde a paz e a felicidade eternas serão estabelecidas. [b] Será possível conhecer a data deste evento? O próprio Jesus responde:
"Porém daquele Dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, mas unicamente meu Pai... Mas considerai isto: se o pai de família soubesse a que vigília da noite havia de vir o ladrão, vigiaria e não deixaria que fosse arrombada a sua casa. Por isso, estai vós apercebidos também, porque o Filho do Homem há de vir à hora em que não penseis"(Mateus 24:36,43,44).
É por esta razão que não devemos nos deter em especulações quanto às datas, que Deus não revelou. Jesus nos disse que vigiemos, mas sem fixar uma data definida. Não podemos nos assegurar que Jesus regressará dentro de um, dois ou cinco anos, nem tampouco devemos atrasar sua vinda dizendo que talvez não se produza nem em dez, nem em vinte anos [c]
Contudo é claro que nenhum ser humano sabe o momento exato da vinda de cristo, Deus o sabe e não permitira que este acontecimento chegue sem aviso para aqueles que o estejam esperando:
"Porque vós mesmos sabeis muito bem que o Dia do Senhor virá como o ladrão de noite. Pois que, quando disserem: Há paz e segurança, então, lhes sobrevirá repentina destruição, como as dores de parto àquela que está grávida; de modo nenhum escaparão. Mas vós, irmãos, já não estais em trevas, para que aquele Dia vos surpreenda como ladrão"(1 Tessalonicenses 5:2-4).
Por quê razão este grupo não permanece em trevas? O que lhes permite conhecer o que o resto do mundo ignora?
"E temos, mui firme, a palavra dos profetas, a qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que alumia em lugar escuro..." (2 Pedro 1:19).
Segundo o ensinado pelo Senhor Jesus Cristo, estar atento à palavra dos profetas é o que nos permitirá conhecer quão perto se encontra o dia de seu segundo advento:
"Aprendei, pois, esta parábola da figueira: quando já os seus ramos se tornam tenros e brotam folhas, sabeis que está próximo o verão. Igualmente, quando virdes todas essas coisas, sabei que ele está próximo, às portas" (Mateus 24:32-33).
Que coisas? Há aproximadamente dois mil anos os discípulos preocupados com este mesmo assunto consultaram a seu mestre, que lhe revelou as mais importantes. Esta conversa está registrada na Bíblia para nosso conhecimento.
"E, estando assentado no monte das Oliveiras, chegaram-se a ele os seus discípulos, em particular, dizendo: Dize-nos quando serão essas coisas e que sinal haverá da tua vinda e do fim do mundo? E Jesus, respondendo, disse-lhes: Acautelai-vos, que ninguém vos engane, porque muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo; e enganarão a muitos. E ouvireis de guerras e rumores de guerras; olhai, não vos assusteis, porque é mister que isso tudo aconteça, mas ainda não é o fim. Porquanto se levantará nação contra nação, e reino contra reino, e haverá fomes, e pestes, e terremotos em vários lugares. Mas todas essas coisas são o princípio das dores" (Mateus 24 3-8).
Se você é daquelas pessoas que gostam de estar em dia com as notícias certamente verá nesta declaração de Jesus Cristo, uma impressionante descrição do que está acontecendo agora mesmo no mundo. Se você comprar o jornal de hoje é muito provável que encontre informações acerca de `seres iluminados' que asseguram que são a encarnação de Cristo e que vieram para salvar o mundo. Também lerá sobre as últimas guerras suscitadas no Oriente Médio e outras zonas de conflito. Lerá acerca dos últimos rumores de guerras anunciadas por astrólogos lendários como Nostradamus ou outros videntes modernos, se inteirará dos milhares de mortos e milhões de feridos deixados pelo último terremoto em algum lugar do planeta, se informará da última epidemia coletiva nos países europeus e do novo vírus letal criado por acidente em um laboratório de prestigio em manipulação genética. Tomará consciência da desolação na Etiópia, onde seus habitantes morrem por falta de alimentos. Lerá sobre a crise econômica mundial e da terrível taxa de desemprego que está fazendo que cada vez mais pessoas tenham fome, mesmo nos países mais industrializados.
Apesar do incrível cumprimento das palavras de Cristo, devemos levar em conta que embora elas anunciem que Ele vem, estes sinais não são os últimos nem os definitivos. Se leres esta passagem com cuidado notarás que Jesus Cristo disse: "mas ainda não é o fim" e "tudo isto é só o princípios das dores". [d] Isto mostra que ainda faltam algumas coisas por vir, quais são? Leia com atenção a continuação do sermão pregado pelo Senhor Jesus aos discípulos:
"Então, vos hão de entregar para serdes atormentados e matar-vos-ão; e sereis odiados de todas as gentes por causa do meu nome. Nesse tempo, muitos serão escandalizados, e trair-se-ão uns aos outros, e uns aos outros se aborrecerão. E surgirão muitos falsos profetas e enganarão a muitos. E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor de muitos se esfriará. Mas aquele que perseverar até o fim será salvo. E este evangelho do Reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as gentes, e então virá o fim" (Mateus 24:9-14).
Observe a diferença da primeira parte de seu sermão, neste trecho Jesus faz alusão direta aos eventos que devem acontecer pouco antes do fim do tempo, pois termina com as palavras "e então vira o fim". Resumamos estes eventos:
O povo de Deus será entregue à tribulação. Se levantará um ódio generalizado contra eles e lhes perseguirão até a morte.
Os homens odiarão uns aos outros, a maldade multiplicará e o amor de muitos se esfriará.
Falsos profetas se levantarão e enganarão a muitos.
O evangelho do Reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as nações.
Embora muitos intérpretes citem estes quatros pontos como se tratassem de fatos isolados, o contexto mostra que eles na realidade, fazem parte de uma mesma profecia, pois o ódio e o desamor dos habitantes da terra, somados à obra dos falsos profetas darão como resultado a perseguição e morte daqueles que se levantam para pregar o evangelho do Reino de Deus. Esta conclusão é completamente confirmada por Jesus no livro de Apocalipse:
Advertência: O que é descrito na passagem seguinte não é literal em todos os seus aspectos. Apenas mostra, por meio de símbolos, os personagens e os eventos implicados no grande conflito que se desencadeará antes da vinda de Cristo.
"6 E vi outro anjo voar pelo meio do céu, e tinha o evangelho eterno, para o proclamar aos que habitam sobre a terra, e a toda nação, e tribo, e língua, e povo, 7 dizendo com grande voz: Temei a Deus e dai-lhe glória, porque vinda é a hora do seu juízo. E adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas. 8 E outro anjo seguiu, dizendo: Caiu! Caiu babilônia, aquela grande cidade que a todas as nações deu a beber do vinho da ira da sua prostituição! 9 E os seguiu o terceiro anjo, dizendo com grande voz: se alguém adorar a besta e a sua imagem e receber o sinal na testa ou na mão, 10 também o tal beberá do vinho da ira de Deus, que se deitou, não misturado, no cálice da sua ira, e será atormentado com fogo e enxofre diante dos santos anjos e diante do Cordeiro. 11 E a fumaça do seu tormento sobe para todo o sempre; e não têm repouso, nem de dia de noite, os que adoram a besta e a sua imagem e aquele que receber o sinal do seu nome. 12 Aqui está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus. 13 E ouvi uma voz do céu, que dizia: Escreve: Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem dos seus trabalhos, e as suas obras os sigam. 14 E olhei, e eis uma nuvem branca e, assentado sobre a nuvem, um semelhante ao Filho do Homem, que tinha sobre a cabeça uma coroa de ouro e, na mão, uma foice aguda. 15 E outro anjo saiu do templo, clamando com grande voz ao que estava assentado sobre a nuvem: Lança a tua foice e sega! É já vinda a hora de segar, porque a seara da terra está madura! 16 E aquele que estava assentado sobre a nuvem meteu a sua foice à terra, e a terra foi segada" (Apocalipse 14:6-16).
Note que esta passagem de Apocalipse menciona os mesmos elementos de Mateus 24 com uma semelhança impressionante. Comparemos em detalhes as duas passagens:
Mateus 24:9 diz: "então os entregarão à tribulação, os matarão, e sereis odiados por todos por causa do meu nome" e Apocalipse 14: 12,13. Refere-se aos que tem a fé de Jesus. "Aqui está a paciência dos santos... Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor". A causa de sua morte tem relação direta com a adoração da "imagem" do versículo 9, pois segundo Apocalipse 13:15 a esta haveria de permitir que falasse e fizesse matar a todo o que não a adorasse.
Mateus 24:9,12 assegura que para esta época se haverá "multiplicado a iniqüidade" e que o povo de Deus será odiado por "todos". Apocalipse 14:9 fala de uma entidade chamada "a besta", a qual aparece em Apocalipse 13:6-8 "blasfemando contra Deus" e fazendo "guerra contra os santos". E embora pareça inacreditável, "todos os habitantes da terra" chegarão a estar de acordo com ela (vs. 8).
Mateus 24:11 diz que "muitos falsos profetas se levantarão e enganarão a muitos." Apocalipse 14:9 fala acerca da imposição da "marca da besta" e da adoração a esta entidade "e a sua imagem" fatos que precisamente terão sua origem na obra de um falso profeta: "... o falso profeta, que, diante dela, fizera os sinais com que enganou os que receberam o sinal da besta e adoraram a sua imagem"(Apocalipse 19:20).
Mateus 24:13 diz que "o que perseverar até o fim será salvo". Apocalipse 14:12, falando do povo de Deus diz: "Aqui está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus".
Mateus 24:14 falando da pregação da última mensagem de misericórdia, diz: "E este evangelho do Reino será pregado em todo o mundo". Apocalipse 14:6 diz: "... o evangelho eterno, para o proclamar aos que habitam sobre a terra, e a toda nação, e tribo e língua, e povo".
Mateus 24:14 diz que imediatamente depois de pregar-se o Evangelho a todas as nações "virá o fim". Apocalipse 14:16 apresenta esta mesma verdade ao dizer "... e a terra foi segada"; pois o Senhor Jesus ensinou em Mateus 13:39 que "a ceifa é o fim do mundo".
Todo o anterior confirma que Apocalipse é, em si mesmo uma extraordinária ampliação dos eventos expostos pelo Senhor Jesus em Mateus 24:9-14 e que na realidade são uma mesma profecia, por meio da qual podemos saber com exatidão quão perto ou quão distante se encontra o "fim do mundo".
É importante ressaltar que apesar da vinda de Jesus estar muito perto, ainda não está "às portas". Somente quando o mundo inteiro se unir contra o povo de Deus, quando se decrete a morte sobre os que se negam prestar adoração a besta e a sua imagem (lembre que são símbolos), poderemos saber com certeza que a vinda de Cristo é iminente.
Amigo leitor, não permita que seu coração se angustie e desanime com o que diz esta profecia. É certo que os que se neguem a adorar a besta e a sua imagem serão perseguidos até as últimas conseqüências, mas também é certo que Deus é nosso Pai, nos ama e não nos deixará sozinhos na prova:
"Dizei aos turbados de coração: Esforçai-vos e não temais; eis que o vosso Deus virá com vingança, com recompensa de Deus; Ele virá e vos salvará." (Isaías 35:4).
Ainda se necessário fosse dar a vida por causa da pregação do evangelho, ou se nosso corpo sofresse dor, e aflição nosso coração, tão pouco devemos temer, pois se cultivamos nossa amizade com Jesus e fazemos dele o centro de nossas vidas, finalmente venceremos:
"Porque qualquer um que quiser salvar a sua vida perdê-la-á, mas qualquer que perder a sua vida por amor de mim e do evangelho esse a salvará" (Marcos 8:35).
"Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim nunca morrerá. Crês tu nisso? (João 11:25,26).
A Bíblia nos diz, também, que não será necessário que todos os filhos de Deus percam a vida, pois haverá um grande número deles que serão protegidos durante este tempo e verão Cristo voltar sem terem conhecido a morte. O apóstolo Paulo descreve esta verdade de modo que nos anima a colocar nossa esperança no glorioso destino que espera aos que permaneçam firmes e constantes:
"Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor. Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras" (1 Tessalonicenses 4:16-18).
• Os personagens que intervirão no conflito final já estão presentes e apenas esperam a oportunidade para tomar seu papel no último grande drama da história deste mundo. É importante que todo aquele que crê na palavra bíblica como única regra de fé e prática, investigue com diligência a quê ou a quem se referia Jesus Cristo nas passagens proféticas de Mateus 24 e Apocalipse.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

POESIAS INÉDITAS DE NELSON SILVA


DO CÉU DO PORTO
Os velhos acadêmicos da poesia estão errados
Poesia é um velho passeando de bicicleta
Não algo tão formal quanto um soneto.

Uma barca subindo a cebeceira do rio
Uma velha comprando alimentos.

Poesia não são compêndios, datas
Rótulos em talentos
Nem aldrava gigantesa na porta gasta do tempo.

É o próprio tempo.

É o que me ensinaram meus avós
A respeito dos quatro elementos.

Quando da chuva em fuga
Brotava um sol pequeno, sem brilho, sem gás
Mas ainda assim mesmo imenso.

Poesia é o cair do pano preto da noite
Furado de estrelas e de corpos, algures, resplandecentes.

É o amor novo
Brotando do sexo da semente.

Poesia não é um professor cansado
Um mestre em desalento
Que sabe decifrar Lusíadas mas não sabe dar conta do vento.

Invisível e sardônico vento.
Os velhos acadêmicos da poesia estão todos ferrados!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

POESIAS INÉDITAS DE NELSON SILVA


TEMPO VELHO
O tempo velho está passando
Carcomido, lança um libelo
Contra o arrebol do novo acontecimento.

O tempo velho
Unge um mar de mistério
Faz-se perpétuo
Embora não viceje em mais do que um inverno
Na fúria pulsante do advento.

Ademais, o que é o tempo
Esse velho senhor
Sentado em seu templo
Invisível no ar
Sábio em seu intento:
Levar flores às pradarias
Neve e ranger de portas aos conventos
Sem grandes constrangimentos.

Que horror infligiu, sutil,
Em outras eras, às primaveras
E ao remanso das tardes quentes.

Poderia ser calmaria
Tornou-se porém, valente.

O tempo velho se esquiva
E viva o velho tempo.


Nelson Silva

terça-feira, 14 de outubro de 2008

NO CALDEIRÃO DA IDOLATRIA


Não fareis para vós outros ídolos, nem vos levantareis imagem de escultura nem coluna, nem poreis pedra com figuras na vossa terra, para vos inclinardes a ela; porque eu sou o SENHOR, vosso Deus" (Levítico 26.1).


Enquanto estacionávamos nosso carro ao lado do hotel, na cidade do Juazeiro do Norte, observávamos que apesar das fortes chuvas de janeiro que tinham caído nos últimos dias, o céu azul-anil com nuvens brancas não tardou em reaparecer no Cariri cearense. Após o check-in, subimos para o primeiro andar e, ainda no corredor, caminhando em direção ao nosso apartamento, pude avistá-la ao longe, branquinha, lá no topo da Serra do Horto: era a estátua do renomado padre cuja vida estudei nas últimas quarenta madrugadas. Esse homem foi o motivo de minha esposa e eu termos viajado 615 quilômetros, do Recife até o Juazeiro do Norte, onde passamos quatro dias pesquisando junto aos seus romeiros e investigando in loco um pouco mais sobre a vida desse "santo padre do Juazeiro".
Esse sacerdote católico era de baixa estatura, pele clara, olhos azuis, acompanhado sempre de seu cajado, usava uma batina preta e um chapéu redondo da mesma cor. "Foi detentor de um fortíssimo carisma, sobre as massas populares".[1]
Quem é esse homem-ídolo? Ninguém menos do que o padre Cícero Romão Batista (1844-1934), mais conhecido por estas paragens como o "Meu Padrinho Padre Cícero", carinhosamente chamado de Padim Ciço, uma das pessoas que mais marcaram a história e a vida do povo nordestino.
Juazeiro do Norte: Santuário da Idolatria ao Padre Cícero
"Viveu menino pobre às margens do rio salgadinho, cresceu na ribanceira o homem santo de Cristo. Seu nome percorre veredas no sertão pernambucano, Alagoas, Paraíba, Sergipe e Bahia. O Ceará exalta o nome do seu filho mais querido. No altar dos santos divinos é um deus-menino jamais esquecido. E quem é ele? E quem é ele? É o padre Cícero Romão, do Juazeiro do Norte, meu padim, sua bênção!". (Trecho da canção "Deus Menino", Chico Silva).
Localizada a cerca de 540 quilômetros ao sul de Fortaleza, Juazeiro do Norte é a segunda maior cidade do Ceará, com cerca de 250 mil habitantes. Sustenta-se do turismo religioso que atrai centenas de milhares de fiéis do "santificado" Padre Cícero. Durante algumas épocas festivas, a cidade chega a receber dois milhões de romeiros, vindos de todo o Brasil, e alguns do exterior, só para ver, fazer um pedido ou adorar esse mito nordestino.
Na residência que foi do Padim Ciço, hoje transformada em Museu Padre Cícero, nossa guia turística contou-nos que o pároco costumava relatar para seus amigos mais íntimos que a cidade do Juazeiro do Norte era santa e enfeitiçada. Dizia que, caso houvesse uma guerra, um manto cobriria toda a cidade, deixando-a invisível aos olhos dos inimigos que nunca conseguiriam atacá-la. Pensei: Puxa, essa coisa de manto deixando objetos e pessoas invisíveis é típico da série Harry Potter.
Diariamente, igrejas, monumentos, praças, procissões, novenas, peregrinações e missas louvam, agradam e idolatram o "Meu Padim Padre Ciço."
Apesar da Igreja Católica não considerar o Padre Cícero Romão Batista um santo, ela não censura os milhões de devotos que o consideram um santo homem de Deus. Baseado nas missas que assisti, posso afirmar que a Igreja Católica em Juazeiro não apenas apóia, mas incentiva os romeiros a venerarem o Padrinho. Qualquer político que ousar dizer que o Padre Cícero não é santo, dificilmente será bem votado na região do Cariri.
As romarias ao Padre Cícero são vantajosas para todos. A Igreja Católica, os empresários, os políticos e todos os setores da sociedade juazeirense são beneficiados pelo grande fluxo de dinheiro trazido pelos consumidores desse sacerdote que literalmente abarrotam as ruas e praças dessa cidade.
A imagem do Padim Ciço é reverenciada e está à venda em cada esquina, seja em suvenires, fotografias, chaveiros, chapéus, esteiras, chinelos, jarros, pôsteres, cerâmicas, talhas, bolsas, broches e muitas outras bugigangas. O artesanato é uma das principais atividades do Juazeiro e também gira em torno do Padre Cícero. Encontra-se imagens do padre em miniaturas e até em tamanho natural. Elas estão em pé ao lado das portas de entrada de centenas de residências e de muitas lojas, sem mencionar as de cera no Museu Vivo.
Até os telefones públicos têm um formato de um cajado com um chapéu redondo preto. Certa noite, durante o jantar, um dos gerentes do hotel nos revelou que naquele estabelecimento havia sessenta funcionários fixos e quase trinta porcento deles tinham como seu primeiro nome Cícero ou Cícera.
Em Juazeiro do Norte até os telefones públicos lembram o seu "santo padre".
O Padre Cícero está presente em cada recôndito desta cidade, semelhante a O Grande Irmão, do clássico 1984, de George Orwell, a observar todos os habitantes.
Também vimos algumas estátuas do Padrinho Ciço espalhadas pela cidade: no alto da Serra do Horto há uma monumental, toda em concreto, de 25 metros de altura, sendo 17 metros de estátua e 8 metros de pedestal. Na então Praça Almirante Alexandrino de Alencar, hoje Praça Padre Cícero, na região central da cidade, há uma em bronze em tamanho natural (inaugurada pelo próprio Padre Cícero em 1925).[2] Na frente da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, onde o pároco está sepultado, há mais uma protegida por uma caixa de alvenaria com vidro na frente. No jardim diante do edifício Balcão SEBRAE há mais outra em tamanho natural...
Estátua do Padre Cícero em bronze, na Praça Padre Cícero. No quesito de monumento à sua própria pessoa, o Padre Cícero é o Saparmurad Niazov do Cariri.
No quesito de quantidade de monumentos a uma só pessoa, Juazeiro do Norte é a Ashgabat* brasileira e o Padre Cícero Romão Batista é o Saparmurad Niazov do Cariri. E no quesito de devoção cega ao seu líder espiritual, Juazeiro do Norte é a Teerã nordestina.
Vendo a cidade entregue à idolatria, pudemos sentir um pouquinho do incômodo que o apóstolo Paulo sentiu ao visitar Atenas (Atos 17.16).
As Romarias ao Juazeiro do Norte
"Do mundo inteiro vão pro Juazeiro milhares de romeiros fazer sua oração. Vão pulsar em fé e ajoelhar aos pés do Padre Cícero Romão. [...] Meu Padim Ciço, meu Padim Ciço, somos romeiros pedindo a sua bênção. Meu Padim Ciço, meu Padim Ciço, somos romeiros sofredores do sertão". (Trecho da canção "A Bênção do Padre Cícero", J. Farias e Banda e do poeta compositor João Caetano).
São várias as romarias feitas a essa "Meca" nordestina durante o ano, porém o maior fluxo de romeiros concentra-se nos meses de fevereiro, setembro e novembro. A grande leva de romeiros chega a Juazeiro de ônibus ou de caminhão pau-de-arara. Os miseráveis vêm a pé mesmo, pelas estradas esburacadas, engolindo poeira e sendo escaldados pelo sol quente do sertão. Durante as romarias, os fiéis alugam "ranchos", que são pequenos quartos com banheiro em que cabem duas pequenas camas.
Uma parte de uma das "salas de promessas". Devotos deixam objetos como gratidão ao Padrinho por bênçãos alcançadas.
A quase totalidade dos romeiros e dos juazeirenses é composta de um povo pobre e economicamente sofrido, mas que acredita que dias melhores virão e, baseado nessa esperança, continua vivendo. Esperam um milagre do Padrinho. Muitos deixam tudo o que lhes resta aos pés do Padre Cícero. "A Casa dos Milagres", ao lado da Igreja do Perpétuo Socorro, e as "Salas das Promessas" no Museu Padre Cícero são alguns dos pontos turísticos da cidade. Lá observei vários objetos e centenas de retratos deixados pelos devotos como agradecimento por supostas bênçãos alcançadas através do Padre Cícero Romão.
Muitos foram ao Juazeiro e decidiram nunca mais retornar para suas casas. Vivem hoje amontoados em barracos nas periferias dessa cidade, mas felizes por estarem próximos do seu "santo padre". Muitos humildes retornam para seus lares famintos. Dentro de suas geladeiras quebradas encontram-se caçarolas vazias, sobre os fogões a lenha apenas panelas de feijão requentado, e seus filhos estão desnutridos. Mas no próximo semestre retornarão ao Juazeiro. São esses fiéis ingênuos que alimentam e enchem os bolsos daqueles que promovem a "indústria" de Padre Cícero.
A Romaria a Nossa Senhora das Candeias
"Bendita e louvada seja a luz que mais alumeia. Valei-me meu Padrinho Ciço e a Mãe de Deus das Candeias. [...] os romeiros vão chegando e é noite de lua cheia". (Trecho da canção "Bendita e Louvada Seja", Clemilda).
Estivemos em Juazeiro durante as festividades e a romaria de Nossa Senhora das Candeias (também conhecida como Nossa Senhora da Purificação).
Uma mulher coloca temporariamente seu chapéu na cabeça de uma estátua do Padre Cícero. A outra coloca flores na mão da estátua.
A tradição judaica ensina que o filho varão deveria ser levado ao templo quarenta dias após o seu nascimento. Já a mãe, por ser considerada impura após o parto, tinha de passar por uma cerimônia de purificação. Nas procissões católicas, o povo leva candeias ou luzeiros ou velas acesas para supostamente iluminar esse trajeto de Maria levando Jesus ao templo.
Na verdade, essa história de candeias acompanhando a procissão tem sua origem na mitologia romana, mas foi incorporada à celebração da Purificação de Maria pelo Papa Gelásio I (que foi papa de 492 a 496).
A mitologia romana relata que Proserpina, filha de Ceres, foi raptada por Plutão para ser sua companheira no império dos mortos (inferno). O povo romano da Antigüidade recordava essa cena levando luzeiros para supostamente acompanhar o sofrimento da Mãe Ceres até às portas do inferno.
O dia de Nossa Senhora das Candeias é apenas mais uma festividade pagã adotada pela Igreja Católica Romana. Outros chamados "dias santos" para os católicos também têm origens pagãs, a saber: "o dia de todos os santos" e o de "finados", entre outros. Mas isso é uma outra história. Voltemos ao Padre Cícero, do Juazeiro.
Em se tratando do Juazeiro do Norte, independente do santo ou da santa conduzidos no andor, o grande homenageado acaba sempre sendo o "Meu Padim Padre Ciço".
Aos Pés da Estátua no Alto do Horto
"Olha lá, no Alto do Horto! Ele está vivo, Padim não está morto! Olha lá, no Alto do Horto! Ele está vivo, Padim não está morto! Viva meu Padim, Viva meu Padim, Ciço Romão". (Trecho da canção "Viva Meu Padim", Luiz Gonzaga).
Enquanto nos aproximávamos do início da ladeira do Horto, notamos que no cume da montanha pequenos raios surgiam com certa freqüência próximos à estátua mais famosa do Padre Cícero (no Brasil, apenas a do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, e a do Frei Damião, em Guarabira, Paraíba, são mais altas do que ela).
"Que coisa estranha! E nem está chovendo!", comentei com minha esposa.
O autor subindo a Serra do Horto. Ao fundo a maior estátua do Padre Cícero.
Ao chegarmos ao estacionamento do topo, fomos rapidamente cercados por vendedores de fogos. Observamos que o que pensávamos ser raios, eram na verdade fogos:
– "O senhor tem de soltar seis fogos antes de fazer seu pedido ao santo e mais seis quando estiver indo embora", falou-me um entusiasmado vendedor enquanto nos mostrava alguns rojões de fogos.
– "Não obrigado", disse rapidamente.
– "Se o senhor desejar ou se tiver medo, pode comprar e eu solto os fogos pelo senhor. No momento dos estouros dos fogos o senhor pensa nos seus pedidos", disse-me um outro solícito vendedor.
– "Não precisa. Não quero. Muito obrigado", repliquei enquanto subia a rampa de acesso à estátua.
Algumas pessoas trajavam batinas pretas semelhantes às do Padre Cícero. Perguntei a uma delas se fazia parte de algum movimento eclesiástico ou de alguma seita. Ela me olhou estranhamente e disse que estava apenas pagando promessa.
Muitas barracas vendendo vários suvenires estavam nos dois lados da rampa que ia lotando de romeiros à medida que progredíamos. Em muitas delas eram vendidos CDs e fitas cassetes piratas com músicas de romarias e benditos, além de blusas e artesanato. O som alto das músicas, os gritos dos vendedores, o cheiro forte de frituras e rapaduras permeavam a rampa e davam um toque bem regional.
Aos pés da estátua do Padre Cícero. Fiéis dando três voltinhas ao redor do cajado da estátua.
Subimos os degraus e nos posicionamos aos pés da estátua que estava lotada de romeiros. Pessoas demonstravam sua devoção: algumas senhoras se esfregavam com as costas na parte inferior da estátua pedindo que o Padim curasse suas dores lombares. Outras suspendiam seus bebês em direção à estátua e os forçavam para que a beijassem. Muitos escreviam seus nomes na estátua enquanto choravam. Alguns rezavam ou cantavam cânticos de louvores ao Padrinho. Entre o cajado e a batina do Padre há um espaço que dá para passar uma pessoa de cada vez. O romeiro emocionado dá três voltas em torno do cajado enquanto faz seu pedido (havia uma fila enorme esperando para realizar esse ritual).
Imaginei Moisés retornando do Monte Sinai com as tábuas dos Dez Mandamentos e vendo o povo adorando um bezerro de ouro. Aquela multidão em Juazeiro e aquele povo de Israel no deserto estavam tão próximos de Deus e simultaneamente tão longe dEle. Tinham a Luz ao seu alcance, mas optaram por rituais das trevas.
Ali, aos pés da estátua não me contive e chorei discretamente para que ninguém percebesse. Enquanto isso, alguns metros adiante, havia um palanque armado onde um sacerdote católico com chapéu de palha (para se identificar melhor com os romeiros) fazia algumas colocações absurdas comparando o Padre Ciço com Jesus Cristo.
Dei a volta por trás do palanque e adentrei o Museu Vivo onde existem algumas imagens do Padim em cera, em tamanho natural, retratando cenas do seu cotidiano.
Uma sala dentro do Museu Vivo me chamou mais a atenção. Lá havia aproximadamente oito filtros de barro, com alturas que variavam de um metro a um metro e meio, e várias canecas de alumínio penduradas em um fio no teto. Muitos romeiros acreditam que a água é milagrosa e, sem qualquer receio de contrair alguma doença, pegam as canecas, enchem-nas com água do filtro, bebem e se banham com roupa e tudo. Alguns, mais criteriosos passam água nas regiões do corpo que necessitam de cura. Ao meu lado, um senhor idoso e de aparência bem humilde derramou um pouco d’água dentro da calça enquanto murmurava baixinho: "É minha próstata, Padim! É minha próstata, Padim!" Falei para ele que quando retornasse para sua cidade deveria se consultar com um bom urologista. Ele apenas me olhou abusado.
Minha esposa estava ficando bastante enauseada com tudo que viu, ouviu e cheirou. Por isso, resolvemos descer o morro e retornamos à cidade.
O Padre Cícero e o Milagre do Juazeiro
"Meu Padim Cícero, do Juazeiro, tão milagreiro, sou romeiro do sertão. Meu Padim Cícero, do Juazeiro, tão milagreiro, a minha grande devoção". (Trecho da canção "Canção de Fé", José Idelfino).
Mas, qual foi o fato que transformou um simples pároco de um pequeno povoado do interior do Nordeste em uma celebridade internacional? O "milagre" que transformou esse padre, natural do Crato, em um dos brasileiros mais biografados e comentados, aconteceu quando o mesmo tinha 45 anos.
Havia uma beata juazeirense, analfabeta e costureira de profissão, chamada Maria Madalena do Espírito Santo de Araújo,[3] mas conhecida como Maria de Araújo. "Foi acometida de meningite infantil (espasmo), sofria de ataques de epilepsia, e levava uma vida de jejum, oração e trabalho humilde. Havendo bem cedo perdido os pais, foi morar ainda menina, na casa do Padre Cícero".[4]
Em uma manhã de março de 1889, quando o Padre Cícero Romão Batista pôs a hóstia na sua boca, Maria de Araújo teve um transe tão intenso que sangrou a língua e a hóstia ficou avermelhada de sangue. Esse fato se repetiu outras vezes no período de dois anos e a população local começou a espalhar a notícia de que se tratava do "derramamento do sangue de Jesus", portanto, de um milagre.
O próprio Padre Cícero comentou acerca do que ocorreu naquele dia:
"Quando dei à beata Maria de Araújo a Sagrada Forma, logo que a depositei na boca, imediatamente transformou-se em porção de sangue, que uma parte engoliu, servindo-lhe de comunhão, e outra correu pela toalha, caindo algum no chão; eu não esperava e, vexado para continuar com as confissões interrompidas que eram muitas ainda, não prestei atenção e por isso não apreendi o fato na ocasião em que se deu; porém, depois que depositei a âmbula no sacrário e vou descendo, ela vem entender-se comigo, cheia de aflição e vexame de morte, trazendo a toalha dobrada, para que não vissem, e levantava a mão esquerda, onde nas costas havia caído um pouco e corria um fio pelo braço, e ela com temor de tocar com a outra mão naquele sangue, como certa de que era a mesma hóstia, conservava um certo equilíbrio para não gotejar sangue no chão".[5]
Dentro do Museu Vivo, as estátuas em cera do Padre Cícero e da beata Maria de Araújo.
Na verdade, a beata pode ter mordido consciente ou inconscientemente a língua ou a mucosa oral e provocado o sangramento. Ou, quem sabe, ter tido uma crise convulsiva (bem provável, uma vez que tinha epilepsia) e mordido a língua? Ou uma discreta hemorragia digestiva?
É prudente deixar registrado que em outras cidades nordestinas, envolvendo personagens diferentes dos do Juazeiro, aconteceram fatos semelhantes onde a hóstia se transformou em sangue.[6] Graças a Deus, esses outros padres não tornaram-se também milagreiros e nem objetos de adoração.
Fico meditando... todo o Novo Testamento insiste em afirmar que Jesus Cristo ofereceu o Seu corpo como sacrifício e derramou o Seu sangue remissor apenas uma vez e para sempre (veja Hebreus, capítulos 9 e 10). Essa história de "vários derramamentos do sangue de Jesus Cristo" através da beata Maria de Araújo está diametralmente oposta às Escrituras Sagradas. Ou os devotos do Padre Cícero estão enganados, ou a Bíblia está errada.
Bem, o fato é que o reboliço foi tanto que o pequeno povoado transformou-se em lugar de romaria.
O bispo cearense Dom Joaquim José Vieira e até o Papa Leão XIII, em Roma, tiveram de investigar o fenômeno do Juazeiro. O Padrinho chegou a ser recebido pelo papa no Vaticano. Outros padres foram enviados ao Juazeiro e entregaram a hóstia a Maria de Araújo e nada de anormal ocorreu. O bispo cearense e o papa não reconheceram o milagre e o Padre Cícero Romão foi punido com uma suspensão.
Assim, o Padim Ciço tornou-se um santo milagreiro. Apesar de proibido de celebrar missas, sua residência passou a ser freqüentada por romeiros e por várias autoridades.
Aproveitando-se do seu prestígio, aliou-se aos grandes fazendeiros cearenses e, apoiado por eles, tornou-se prefeito do Juazeiro em 1911 e, posteriormente, vice-presidente do Ceará.
As Atuações Ambíguas do Padre Cícero Romão
"Foi a ele que muitas vezes, Lampião se ajoelhou, aos seus pés contou histórias, pediu perdão e chorou. Bendito seja o romeiro que na fé e na oração, exalta o santo padroeiro no samba, no coco, no xote e no baião". (Trecho da canção "Deus Menino", Chico Silva).
a) Amizade Com o Coronelismo
O Padim Ciço realizou boas ações para a população menos favorecida. Organizou mutirões e conseguiu construir pequenos postos de saúde, escolas e orfanatos, além de reformar e construir algumas igrejas católicas.
Por outro lado, ele era amigo do peito de vários latifundiários da região, conhecidos como "os coronéis". Esses senhores ilustres eram opressores dos pobres, marginalizavam os sertanejos, excluindo-os do direito à saúde, aos alimentos e até à vida. Pasme, o Padim Ciço pertencia a essa espécie de liga de coronéis do Ceará e a defendia . O Padim chegou a estimular seus devotos a serem mão-de-obra barata na construção de açudes e na colheita de algodão nas terras da família Acioly, a mais poderosa do Ceará.[7]
O "coronelismo" era a política exercida pelos latifundiários com prestígio político local, que tinham notável poder, mandavam na região e nos seus eleitores, que eram tratados como gado. Suas zonas eleitorais eram conhecidas como "currais eleitorais" e ai do eleitor que ousasse votar contra o candidato do "coronel".
Quando Hermes da Fonseca, então presidente da República, enviou interventores ao Ceará e depôs as oligarquias repressoras lideradas por esses coronéis, o Padre Cícero ficou irado.
Rapidamente o clero católico promoveu e assinou o chamado "pacto dos coronéis" com dezessete dos principais chefes políticos da região do Cariri, objetivando assegurar a permanência da família Acioly no governo cearense. E mais: esses fazendeiros armaram centenas de sertanejos e os enviaram à capital, porém foram detidos pelas forças federais. Esse episódio ficou conhecido na história como a "Revolta do Juazeiro".
O Padim Ciço só aquietou-se quando a velha oligarquia da família Acioly foi restabelecida ao poder. O Padre Cícero Romão foi, sem dúvida, um exemplo de fidelidade às oligarquias poderosas do Ceará.
b) Negociata com Lampião
Enquanto o Padim Ciço destacava-se no Ceará com sua influência político-religiosa, o cangaceiro Lampião e seu bando amedrontavam os poderosos dos sertões nordestinos.
O sertanejo pernambucano Virgulino Ferreira da Silva (1897-1938), vulgo Lampião, era também um personagem controvertido. Para muitos, era visto como um bandido que incendiava vilarejos, torturava, estuprava e matava pessoas. Para outros, era um justiceiro que tirava dos ricos para doar aos flagelados da seca. Em 1931, o jornal The New York Times chegou a chamá-lo de Robin Hood do sertão.
O "Rei do Cangaço" era devoto do Padre Cícero, do Juazeiro, e às vezes usava uma foto desse sacerdote no seu peito. A religiosidade de Lampião era alicerçada nas orações de corpo-fechado, nos santos da Igreja Católica e no Padre Cícero. No livro, Lampião, o Rei dos Cangaceiros, Chandler relata "que a vida da mulher de um policial de Jatobá, em Pernambuco, foi salva quando um velho pegou um retrato do padre do Juazeiro e o colocou entre a faca soerguida de Lampião e o seio da mulher. Lampião levava sempre consigo seus livrinhos de orações, guardava santinhos em sua carteira de dinheiro, e pregava retratos do Padre Cícero em sua roupa".[8] Isso mostra o respeito e a devoção que Lampião nutria por esse padre.
Em companhia do seu bando, Lampião costumava recitar algumas orações para, supostamente, fechar o corpo. O escritor Piragibe de Lucena, no seu livro Lampião, Lendas e Fatos, descreve algumas dessas orações. Leia um pequeno trecho de uma delas e analise a importância do Padre Cícero na vida desse cangaceiro:
"Justo juiz de Nazaré, filho da Virgem Maria, que em Belém fostes nascido entre as idolatrias. Eu vos peço senhor, pelo vosso sexto dia, e pelo amor do meu padrinho Pe. Cícero que meu corpo não seja preso, nem ferido, nem morto, nem nas mãos da justiça em volta.
Pax tecum, pax tecum, pax tecum. Cristo assim disse: aos seus inimigos, se vierem para prender-me terão olhos, não me verão, terão ouvidos, não me ouvirão. Com as armas de São Jorge, serei armado. Com a espada de Abraão, serei coberto. Com o leite da Virgem Maria, serei borrifado.
Na arca de Noé, serei arrecadado. Com a chave de São Pedro serei fechado, onde não me possam vê, nem ferir, nem matar, nem sangue do meu corpo tirar. [...]"[9]
O Padre Cícero articulou para que o cangaceiro Lampião recebesse a patente de capitão dos Batalhões Patrióticos.
Por volta de 1926, Padre Ciço já era mais político do que religioso, sendo anti-comunista de carteirinha. Aproveitando a fidelidade do bandoleiro à sua pessoa, o pároco juntou-se com seus amigos fazendeiros e doaram armas e munição para o cangaceiro e seu bando atacarem "o revoltoso" Luiz Carlos Prestes e sua famosa "Coluna". Padim Ciço também articulou para que o agrônomo Pedro de Albuquerque Uchôa, que era inspetor agrícola do Ministério da Agricultura, entregasse a Lampião a patente de Capitão das Forças Patrióticas.[10],[11] Lampião não atacou a "Coluna Prestes", preferiu manter suas erranças pela caatinga. Dizem que essa foi a única vez que Lampião desobedeceu ao "santo" Padre do Juazeiro. Uma coisa é certa: Lampião ostentou com muito orgulho o título de Capitão enquanto viveu.
O curioso é que (dizem que a pedido do próprio Padim Ciço) Lampião nunca atacou os coiteiros ricos, os fazendeiros safados e os políticos corruptos do Ceará. Isso é que é amizade fiel!
Apesar da amizade do Padim Ciço com o coronelismo cearense e suas negociatas com Lampião estarem registradas em vários livros, biografias, documentários, teses e filmes, existem alguns devotos do Padrinho que negam que isso tenha acontecido. Movidos mais pela emoção do que pela razão, declaram que essas atuações ambíguas do Padre Cícero não passam de calúnias.
Convenhamos: sob o ponto de vista mundano, isso é que é saber viver! O Padim Ciço vivia de mãos dadas com Satanás e pretendia morrer nos braços de Jesus! Como se diz por estas bandas sertanejas: Eita Cabra esperto!
Padim Padre Ciço: Um Ídolo do Lar
"[...] não vos desvieis de seguir o Senhor, mas servi ao Senhor de todo o vosso coração. Não vos desvieis; pois seguiríeis coisas vãs, que nada aproveitam e tampouco vos podem livrar, porque vaidade são" (1 Samuel 12.20-21).
Ser contra a idolatria é uma unanimidade não apenas entre as igrejas cristãs genuínas, mas também ao longo de toda a Bíblia Sagrada. Todas as denominações tradicionalmente evangélicas são contra a idolatria. O judaísmo também não suporta a idolatria. Já o catolicismo prega a não-adoração a ídolos e imagens, mas na prática o que se vê é um descompasso entre o que se faz e o que se fala. Infelizmente, não é preciso ir ao Juazeiro do Norte para se constatar que a igreja do papado é verdadeiramente idólatra.
Fiéis cantam e choram ao redor de uma das camas usadas pelo Padim Ciço.
O Padim Ciço, do Juazeiro do Norte, é um ídolo nos lares de milhões de católicos. Em algumas casas, ele está presente no móvel da sala-de-estar, na penteadeira do quarto, na parede do corredor e em cima do refrigerador da cozinha. Para sermos mais honestos, o Padim Ciço, o "Santo Antônio", o "São Jorge", a "Ave Maria" e o Frei Damião (veja o artigo Misericórdia! Querem Canonizar o Frei Damião) são parte do imenso esquadrão de supostas divindades católicas presentes em milhões de residências brasileiras.
"Ídolos do lar" são coisas antigas e são mencionados logo no primeiro livro da Bíblia (Gênesis 31.19 e 30). Eles eram de vários tamanhos e alguns deles, quando colocados deitados na cama e cobertos por um manto, passavam por uma pessoa dormindo (1 Samuel 19.13). A esses ídolos, chamados em hebraico de terafins, confiava-se a guarda das casas e dos bens.
Acreditar que um "ídolo do lar" possa proteger sua família é muita presunção. Veja a história do rei Saul:
Feitiçaria e idolatria foram as gotas d’água para que Deus rejeitasse o rei Saul. O profeta Samuel sentenciou ao monarca: "Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e a obstinação é como a idolatria e culto a ídolos do lar. Visto que rejeitaste a palavra do SENHOR, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei" (1 Samuel 15.23). Na Edição Revista e Corrigida, lê-se o nome "porfia", no lugar de "obstinação". Na Bíblia de Jerusalém (católica), "presunção" substitui "obstinação". Parafraseando esse texto, diria: a obstinação, a porfia, o orgulho, a presunção, a teima, a cabeça-dura é como a idolatria e o culto a ídolos do lar. A idolatria está incluída entre as obras da carne e não no fruto do Espírito (Gálatas 5.20).
No Velho Testamento, o primeiro e o segundo mandamentos são um "não" à idolatria (Êxodo 20.3-6). E mais: o idólatra deveria ser morto (Deuteronômio 17.1-7). Já no Novo Testamento, a punição é a morte eterna: "Quanto, porém, [...] aos idólatras [...] a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte" (Apocalipse 21.8). Entre aqueles que ficarão fora da Cidade Celestial estão os idólatras (Apocalipse 22.15).
Sem dúvida, ao nos despedirmos do Juazeiro do Norte, vendo a cidade se distanciando pelo retrovisor, pudemos entender que a idolatria é uma cegueira espiritual, mas sobretudo uma tentação bastante sedutora. A Bíblia nos alerta a resistir ao Diabo, mas também a fugir dessa tentação: "Portanto, meus amados, fugi da idolatria" (1 Coríntios 10.14).
Padre Cícero Romão Batista (1844-1934). Um dos ídolos dos lares católicos nordestinos.
Concluímos nossa visita ao Cariri cearense com os olhos marejados e uma mistura de sentimentos paradoxais: tristeza e alegria. A insatisfação é a imagem dos milhões de católicos que ainda precisam ser alcançados pela única Verdade, Jesus Cristo. A satisfação é que vimos templos de algumas denominações evangélicas nessa cidade. Esses irmãos em Cristo são como sal em uma terra espiritualmente insossa: levam a única Luz do mundo a um povo submerso nas trevas espirituais.
Irmãos, assimilemos o mesmo consolo e a mesma recomendação contida no final da Primeira Epístola de João: "Também sabemos que o Filho de Deus é vindo e nos tem dado entendimento para reconhecermos o verdadeiro; e estamos no verdadeiro, em seu Filho, Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna. Filhinhos, guardai-vos dos ídolos" (1 João 5.20-21).


Roberto Menescal fala dos 50 anos de Bossa Nova









Nós éramos um grupo de jovens que procurava uma identidade musical, pois o que se tocava no Brasil no final dos anos 60, apesar de ser uma música bonita, bem feita, não era em absoluto uma realidade de uma geração mais solta, mais alegre, mais ligada à natureza do que a geração anterior que curtia a noite, as boates, os amores sofridos e cuja música refletia essas situações de seu dia-a-dia.Ouvíamos e tocávamos sambas-canções que diziam: "Sei que falam de mim, sei que zombam de mim, ó Deus, como sou infeliz", ou "Se eu morresse amanhã de manhã, não faria falta a ninguém", ou "Garçom apague essa luz que eu quero ficar sozinho, garçom me deixe comigo que a mágoa que eu tenho é só minha".Imaginem nós, com 20 anos de idade, cantando todo esse sofrimento!Passamos então a criar um outro universo mais leve e mais otimista na maioria das vezes, como: "Era uma vez um lobo mau que resolveu jantar alguém", ou "Se todos fossem iguais a você, que maravilha viver", ou "Dia de luz, festa de sol, e um barquinho a deslizar no macio azul do mar". Todas essas mensagens vinham acompanhadas de uma música que era uma fusão de tudo que ouvíamos, como samba-canção, samba, bolero, jazz e muito musical norte-americano que passava sempre nos cinemas Metro. Essa fusão de melodias e harmonias veio embalada por uma batida que ficou famosa como "a batida da Bossa Nova" que todo mundo queria aprender, aliás, todo "O Mundo".Nossa música, que sofreu essas influências que enumerei, viria, pouco mais tarde, a influenciar compositores, músicos e arranjadores do mundo inteiro.Para mim, música é isso, uma coisa em eterna transformação, mutante e recebendo influências (boas) de todos os lados, pois se ela tentar se manter totalmente fiel às suas origens, tenderá a se extingüir, dando lugar a outras formas. A Bossa Nova está aí há 50 anos com sua forte personalidade, mas com novas harmonias, melodias mais arrojadas, e até a célebre batida da Bossa Nova hoje tem uma série de variações.Poucos anos atrás, ou seja, no final do século passado, na Europa e Japão, principalmente, começou um movimento de uma música mais dançante, ligado à Bossa Nova, fazendo uma fusão com a música eletrônica e DJs. Com isto, compositores vários da Bossa, como Joyce, Marcos Valle, Jobim, etc., tiveram suas músicas regravadas e lançadas nessa nova onda, fazendo com que milhões de jovens saíssem dançando e cantando canções compostas há mais de 40 anos, como se fossem feitas para eles hoje em dia. Claro que tem muita coisa ruim sendo feita para aproveitar essa "onda", mas também tem muita coisa legal.Bebel Gilberto, filha de Miúcha e João Gilberto, fez sucesso mundial com sua Nova Bossa, Marcos Valle e Joyce têm feito shows pelo mundo inteiro com suas Bossas revalorizadas, eu mesmo participei de algumas viagens com o grupo Bossa Cuca Nova fazendo shows em festivais com público de mais de 200 mil pessoas, coisa que a Bossa Nova tradicional nunca poderia ter alcançando com a intimidade de sua música.Hoje podemos ter uma convivência pacífica entre a Bossa tradicional e a atual e acho isso super benéfico para as duas formas.Não tínhamos a menor noção de que nossa música, nascida no final dos anos de 1950, continuasse com o vigor que tem hoje, 50 anos depois...E se a deixarmos caminhar por aí se juntando às boas coisas que forem aparecendo, garanto que ela chegará a mais 50 anos. Quem sabe a gente ainda verá isso acontecer!

Texto gentilmente cedido pelo autor, originalmente publicado no Livro-agenda 2008 ― 50 anos de Bossa Nova.Roberto Menescal

Rio de Janeiro, 24/12/2007

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

CENTENÁRIO DE CARTOLA


Angenor de Oliveira, assim com "n" mesmo, nasceu no bairro do Catete, no Rio, fruto de uma família de classe média baixa. Sebastião Joaquim de Oliveira e Aída Gomes de Oliveira tinham sete filhos para sustentar, e Angenor era o quarto deles. Aos 11 anos teve seu primeiro contato com o morro - por problemas financeiros a família se mudou para a favela da Mangueira. Angenor adorava carnaval e futebol - torcia fervorosamente pelo Fluminense. Essa poderia ser a vida de qualquer cidadão comum, mas, nesse caso, é a história de Cartola, o primeiro grande compositor de samba carioca, que completaria 100 anos neste sábado (11).
Ao contrário do que muitos pensam, o samba de Cartola nasceu no asfalto. Desde criança já escrevia poesias, mesmo tendo estudado apenas até o primário. Cartola jamais conseguiu se integrar ao mercado de trabalho, e passou sua vida trabalhando em bicos, como pintor de paredes, lavador de carros e vigia de prédio.
A imagem do sambista malandro tem origem curiosa: o chapéu não foi incorporado à imagem de Cartola somente por charme. Quando o artista, que sempre foi muito vaidoso, ainda era desconhecido, trabalhava como pedreiro e se irritava com a presença do cimento em seus cabelos. Por isso passou a usar sempre o adereço e ganhou o apelido famoso de seus amigos.
No início da carreira, Cartola vendia sambas, muitos em parceria com o até então também desconhecido, Noel Rosa. O primeiro samba da parceria, "Que infeliz sorte" (1927), arrematou trezentos contos de réis e foi gravado pelo cantor de sucesso da época, Francisco Alves.
Uma carreira de altos e baixos
A trajetória artística de Cartola foi marcada por épocas de glória e ostracismo. Ao mesmo tempo em que o sambista lançou seu disco "Cartola", em 1974, e sua fama atingiu o auge, também terminou seus dias pobre, morando em uma casa doada pela prefeitura. Os altos e baixos foram normalmente determinados por fatores pessoais, como desilusões amorosas ou brigas com a escola de samba que ele ajudou a fundar em 1928: A Estação Primeira de Mangueira.
A escola foi criada em uma reunião de amigos. Além de Cartola, estavam também figuras que se tornariam lendárias no samba, como Heitor dos Prazeres, o mano Heitor; Pedro Caim, o Pedro Paquetá; e Marcelino José Claudino, o Massu. Cartola era diretor de harmonia e um dos compositores dos sambas escola.
O amor, uma inspiração
Como é possível perceber nas letras de Cartola, o sambista era romântico. O grande amor de sua vida foi Dona Zica, posteriormente mais conhecida como Dona Zica da Mangueira, figura ilustre na escola de samba. Foi ao lado dela que Cartola compôs alguns de seus sambas mais conhecidos, como o homônimo "As Rosas Não Falam", e "Nós Dois", que conta a trajetória dos dois ao altar: "Nada mais nos interessa/ Sejamos indiferentes/ Só nós dois, apenas dois/ Eternamente", escreveu o sambista.
Cartola morreu aos 72 anos, em 30 de outubro de 1980, por culpa de um câncer. Nas palavras do também sambista da Mangueira, Nelson Sargento, "Cartola não morreu, foi um sonho que a gente teve".

sábado, 11 de outubro de 2008

20 Anos do Show que mudou o rock brasileiro


Uma semana após um desagradável incidente no show em São Paulo onde, durante a primeira música "Que País É Este", Marcelo Bonfá foi atingido por uma garrafa, a Legião estava de volta a Brasília para uma única apresentação. O clima, a princípio, era de festa. Os luminosos do ginásio exibiam "GDF - Governo do Distrito Federal - Bem Vindos de volta a Brasília Jovens do Legião Urbana".
O show começa, por recomendações, com atraso (vide adiante) com cumprimentos de Renato seguida da canção título do 3° álbum da banda. O show prossegue em clima até amigável, com Renato bem humorado fazendo brincadeiras com a platéia.
Durante a quarta música, "Conexão Amazônica", uma canção anti-drogas, Renato relata o que aconteceu com alguns garotos viciados em drogas que formavam o Clube Da Criança Junkie. No saldo, relata: "-Um morreu, dois pararam, três passaram no vestibular e se casaram. Mas teve um que não morreu. Ele ficou assim ó (estiliza um esquizofrênico)". Neste momento, um suposto doente mental fura o cerco da segurança e agarra Renato pelo pescoço como se quisesse estrangulá-lo. Renato tenta livrar-se dele a golpes de microfone.
O show e a música prosseguem num clima sombrio. Durante o solo de "Ainda É Cedo", Renato se irrita com um segurança que estava agredindo uma pessoa da platéia: "Para agora, solta ele! Tu levas um microfone na cabeça meu irmão. Sacanagem, tem que segurar numa boa, eu vi dando mão na cara.". Já nestas alturas, Renato, bastante irritado, reclama: "É por isso que gente só volta aqui de ano e meio em ano e meio. Não dá pra se divertir!".

A música continua com as tradicionais músicas incidentais até uma bomba estourar no palco. Renato dá outra bronca na platéia, corta três músicas e pede cumplicidade: "Vocês então que falem pra quem está atacando coisa. Se o cara estiver do teu lado, dá esporro. Eu não tenho nada a ver com isso."
Após "Será", a banda deixa o palco antes do planejado (e antes que alguém se machucasse). Começa o caos: a platéia lança mais bombas, garrafas, coquetéis molotov, começa um grande quebra-quebra pelo estádio. Resultado: 385 atendimentos médicos e um processo movido pelo governo do Distrito Federal.

As Músicas: (na sequência)
Que País É Este
Eu Sei
Quase Sem Querer
Conexão Amazônica
O Reggae
A Dança
Daniel Na Cova Dos Leões
Ainda É Cedo
Faroeste Caboclo
Tempo Perdido
(???)
Será


Noite de Som e FúriaCorreio Braziliense (14-06-1997)
A Volta da Legião Urbana à Brasília para o lançamento do disco Que País É Este: 1978/1987 foi planejada meticulosamente durante cinco meses. Mas falhas no esquema de segurança contribuíram para o surgimento de tumultos antes, durante e depois da apresentação da banda.
A idéia surgiu durante uma festa estranha , "um reveillon meio maluco", segundo o anfitrião, o empresário e produtor de shows Fernando Artigas. Em um apartamento na 312 sul , no primeiro dia de 1988, Artigas e Renato Russo decidiram repetir a parceria que tinha possibilitado a realização do, até então, maior da Legião Urbana em sua cidade, no ginásio de esportes, em dezembro de 1986.
"Eu quero fazer muito, mas no ginásio não dá, é pequeno", disse Artigas, ciente da popularidade vertiginosa que a banda brasiliense experimentava depois do lançamento do terceiro disco: Que País É Este: 1978/1987. "Então vamos para o estádio (Mané Garrincha), definiu Renato que fez uma exigência: Esse vai ser o show da minha vida, por isso quero que embrulhe pra presente, que nem Bon Jovi", comparou o vocalista, referindo-se à mega estrutura das apresentações da banda americana.
Não era uma empreitada fácil. O último show da Legião na capital, para lançar o segundo disco (Dois), foi atribulado.
Houve superlotação no ginásio Nilson Nelson e muitas pessoas se machucaram ao pular da arquibancada para a pista. Além disso a excursão de lançamento do Que País É Este estava lotando ginásios pelo Brasil, mas ainda não havia sido levada a um estádio de futebol. "Era uma empreitada difícil. Eu temia um show no estádio " , reconhece Rafael Borges, empresário da banda desde setembro de 1987.
Por causa dos laços- afetivos e profissionais- anteriores, a produção do show foi entregue à empresa brasiliense Agora Eles, de Fernando Artigas e dos irmãos Rodrigo e Marcelo Amaral. Mesmo com a resistência de Rafael. " Eu teria optado em fazer com produtores mais experientes, como a WTR, com quem tínhamos trabalhado antes. Mas os próprios legionários pediram para eu dar atenção especial à proposta do pessoal de Brasília, que estava muito entusiasmado", lembra o empresário.
O "pessoal de Brasília" estava tão entusiasmado que contratou 500 seguranças particulares- o maior contingente já contratado para um único evento realizado na cidade. Também fez questão de fazer seguidas reuniões com representantes do poder público e outras entidades- Secretaria de Segurança Pública , Defer (administrador do estádio ), Defesa Civil, Cruz Vermelha e etc. Tudo para garantir a segurança do público. Tanta preparação não evitou que fossem cometidos erros primários. Como a altura do palco, por exemplo, apenas 2m10 separavam o tablado de madeira do gramado do estádio. "Foi um pedido do Renato que não queria ficar distante do público", argumenta Artigas. "Se foi pedido não passou pelo escritório, não era pra ficar 30 metros acima, mas tinha que ser proporcional ao estádio e não podia interferir na comunicação do artista com o público", rebate Rafael que fez inspeção rápida no palco e o achou um pouco vulnerável".
Na passagem de som o clima não era muito tranqüilo. Renato Russo reencontrou artigas e comentou:" Realmente o estádio está embrulhado para presente, mas tenho medo que possa virar Gimme Shelter", numa referência à música dos Stones que diz: "(...) uma tempestade ameaça minha vida". O clima ruim se dissipou quando os amigos saíram do estádio. Os dois , mais a irmã de Renato (Carmem Tereza) e uma amiga em comum jantaram no Piantella em clima de comemoração antecipada do que o vocalista chamava de " o show dos meus sonhos". "Ele estava superfeliz", garante Artigas.
No Sábado, dia 18 de junho, a banda passou quase o dia inteiro no hotel Saint Paul. Enquanto isso o clima começava a pesar, ônibus chegavam com os vidros quebrados . Longas e desorganizadas filas formavam-se em frente ao estádio. Na tentativa atrabalhoada de organizar a confusão, a polícia agiu com energia dentro e fora do estádio. Cães e cavalos foram usados para intimidar o público, estimado em 50 mil pessoas.
O tumulto na entrada obrigou os produtores a pedirem que a Legião atrasasse o início de sua apresentação, marcada para às 21:30- não havia banda de abertura . " Em dezembro de 86, o show começou impreterivelmente na hora e o pessoal estourou as catracas do ginásio. Foi por uma questão de segurança que atrasamos", justifica o empresário. O atraso de quase uma hora irritou a banda e o público, já incomodado com a ação enérgica da polícia e dos seguranças. Mesmo que Renato tenha começado o show perguntando se todos estavam ali para se divertir, já estava aceso o estopim para os tumultos ocorridos durante os inesquecíveis 58 minutos de som e fúria.

Por que a Legião parou ?
Dado Villa-Lobos sentiu um nó na garganta ao passar pelo estádio Mané Garrincha, em Setembro de 1997. Convidado pelos Paralamas do Sucesso para um show no ginásio Nilson Nelson, nove anos depois da última apresentação da Legião Urbana em Brasília, o guitarrista voltou à cidade apreensivo, sem saber o que poderia acontecer.
À tarde ele ficou andando perto do estádio , relembrando o tumultuado show de junho de 1988. À noite, no palco, foi recebido pela platéia como nos bons tempos, com gritos de "É Legião! É Legião!". Saiu emocionado, com a alma lavada." - Foi a redenção.
Marcelo Bonfá sentiu o mesmo no Tributo a Renato Russo, realizado no dia 2 de Dezembro de 1996. "Foi muito legal, muito positivo", diz o baterista. "Mas nunca tive problema nenhum com a cidade . Foi em Brasília que tudo aconteceu . Foi uma fase ótima, mágica, que não volta mais. A gente só não tocou mais em Brasília porque não tocava em lugar nenhum", garante.
Meio desligado, Bonfá lembra pouco do show do Mané Garrincha. Lembra do rapaz que grudou no pescoço do Renato, dos gritos antes do show ("É Legião! É Legião!), do clima de festa, de euforia. "Queríamos fazer uma festa, estávamos muito empolgados, mas a coisa se desvirtuou".
"Era um show intenso e quando é assim anda mais rápido", comenta o baterista. Com uma música atrás da outra, sem respirar, você pode tocar mais de uma hora que as pessoas acham que foi 15 minutos. Ali quatro horas não seriam suficientes".
O baterista ficou mais chateado porque as pessoas não entenderam o que havia acontecido. " Até meus pais falaram: 'Pô vocês não podiam Ter feito isso!'. Ninguém entendeu. A gente não quis voltar porque disseram que estavam quebrando tudo."
"As coisas estavam fora de controle", afirma Dado Villa-Lobos. "O palco era daqueles de encaixe seria mais fácil passar por baixo do que pular. E essa grade estava passando de mão em mão... os ônibus já chegaram depredados, as pessoas chegaram com esse estímulo, com essa energia. Ficou insustentável. Faltou estrutura dos organizadores. O palco era baixo e a segurança falha, não esperavam tanta gente". Segundo Renato Russo em entrevista ao Correio Dois em junho de 1996, " era tanta gente que parecia que estava vazio" . Para Marcelo Bonfá, era tanta gente que a vontade de tocar já não era a mesma. "Sabe quando passa a hora do almoço e você não tem vontade de comer ?", diz o baterista. " Foi assim, tinha gente demais".
E foi nesse show que Dado Villa-Lobos se viu numa " grande banda de rock". " Foi nesse dia que materializei, pela primeira vez, que as coisas tinham mudado", diz o guitarrista. " No começo a Legião Urbana era só uma forma de expressão artística, musical, e a partir desse dia virou 'carreira'. Descobri que, finalmente éramos uma grande banda de rock, que supostamente se presta a isso também".

Tristeza no dia seguinte
Mutismo absoluto. Foi essa a atitude tomada por Renato Russo desde o momento em que deixou o estádio Mané Garrincha até a hora em que deixou o apartamento da família , na SQS 303, no final da tarde de Domingo, seguindo para o Aeroporto Internacional , onde embarcou para o Rio.
Com a irmã Carmem Tereza Manfredini só conversou o necessário, assim como com as amigas Ana Paula Camarinha e Cíntia Paixão. Abriu exceção apenas para Celso Araújo, à época, repórter do Correio Brasiliense, para quem deu entrevista.
"Saímos juntos do estádio e o Júnior manteve-se calado, mas era visível sua tristeza. Ao chegar tomou banho, relaxou e foi dormir na cama dos nossos pais que estavam passando uma temporada no Rio". Contou Carmem.
A irmã lembra que Renato não fez qualquer comentário, mesmo depois de tomar conhecimento das pichações feitas em paredes de prédios da quadra. " Ele ficou arrasado, mas não se manifestou e nós preferimos respeitar o silêncio dele".
"Isso (as pichações) marcou demais, tocou muito o Renato, principalmente porque ele gostava muito de Brasília, nunca deixava passar em branco um ataque à cidade", confirma o empresário da banda, Rafael Borges.
Carmem revela que além das pichações, aconteceram vários telefonemas, "de pessoas que faziam ameaças".
Certamente foi por isso que Fernado Artigas, um dos produtores do show, convocou o judoca Murilão Azevedo, amigo de Renato desde a época do movimento punk, ao apartamento.
Murilão afirmou que chegou à 303 sul Domingo pela manhã, acompanhando o vocalista ao aeroporto. "na garagem descobrimos uma garota debaixo do carro que levaria Renato ao aeroporto. A menina queria um autógrafo. Ao chegar ao aeroporto fomos direto para a sala Vip, onde Renato evitou contato com qualquer pessoa.
Quando se encontrou com a mãe Maria do Carmo, no Rio, Renato falou de sua decepção e tristeza por não ter conseguido fazer o "show dos seus sonhos". Ela acredita que se o vocalista não tivesse morrido, a Legião voltaria a fazer show em Brasília. "Para todo mundo, o Júnior dizia que a Legião não tocaria mais na cidade. Tempos depois, porém, conversando comigo, o pai, e a Carmem deixava em aberto essa possibilidade". É o que acha também Rafael Borges: " muito tempo depois, ele me olhou com um ar meio maroto e perguntou: "e se a gente voltasse a Brasília ?".

A Imprensa
Os jornalistas falso-moralistas de plantão tiveram esses episódios como uma benção para suas matérias. Na época, a cantora e compositora Araci de Almeida havia falecido. Não faltaram comentários de radialistas do tipo "Nosso país perde uma grande artista enquanto nossos jovens são levados pela violência do grupo Legião Urbana".
Poucos foram as matérias que mostraram o que realmente ocorreu. Foi um prato cheio para abafar fatos como a violência no futebol e os recentes episódios violentos ocorridos durante o Show da Xuxa em 30 de junho de 1988 e no show dos Menudos. Destruir a imagem foi a solução encontrada para abalar o prestígio de uma banda que pôs em cheque a máquina, as instituições e o governo. Afinal, "rock é isso mesmo" como, até hoje, alguns dizem.
Em entrevista ao Fantástico, uma semana depois do ocorrido, Renato responde ao repórter:
"Eu acredito que existe uma maldade muito grande por parte de certas pessoas do público que saem de casa com bombas e entram no estádio com bombas pra atacar no artista. Tudo que fizemos foi nos defender e colocar a nossa opinião. Nós sempre colocamos o que nós pensamos. Subiram nas minhas costas tentaram me estrangular "-Renato, você vai morrer". Foi horrível, gente. Vocês não imaginam o efeito psicológico de uma bomba no palco, você fica olhando pra aquele negócio brilhando sabendo que aquele troço vai explodir. As pessoas já saíram de casa pensando em agressão. Nós apenas colocamos a nossa opinião e eu não desminto nada do que eu falei."
Naquela semana, a Legião se apresentou em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e, por fim, no extinto Projeto SP em São Paulo. Ambos, sem nenhuma ocorrência violenta.

Legio Urban page

O Altamont brasileiro


Nem parece, mas já fazem 20 anos que Brasília viveu seu dia de Altamont.Para quem não conhece a história, o Festival de Altamont reuniu, em 1969, bandas seminais como Jefferson Airplane, The Flying Burrito Brothers e os Rolling Stones. E foi no show do grupo de Mick Jagger que a confusão rolou: durante uma briga, os motoqueiros Hell’s Angels, que cuidavam da segurança, espancaram um fã até a morte.Em Brasília, em 1988, o tumulto não chegou a esse extremo. Mas também não ficou muito longe. E as conseqüências foram semelhantes.O cenário era a Capital Federal, estádio Mané Garrincha. E a banda era a Legião Urbana, comandada pelo redentor Renato Russo e seus três apóstolos. Juntos, lideravam uma turba de 50 mil pessoas. 50 mil fanáticos. 50 mil dispostos a dar o sangue pelo salvador. E foi o que acabou acontecendo.Analisada em perspectiva histórica, dá pra dizer que essa noite mudou a trajetória do mais famoso grupo de rock brasileiro em todos os tempos. E eu estava lá.Faroeste CabocloTinha 14 anos. Era o primeiro show de rock que assistia na vida. A Legião Urbana era amada na cidade mais ou menos como os Beatles em Liverpool. Todo mundo foi ao Mané Garrincha. Todo mundo mesmo. Os 50 mil presentes compraram ingressos, ou não, e lotavam o gramado, as cadeiras e as arquibancadas do estádio.Foi uma noite tensa. A polícia montada avançava com os cavalos sobre as transamazônicas filas que se formavam do lado de fora. A cidade estava extasiada. Ninguém queria perder a volta do ídolo, um ano e meio depois. O caos era tão grande que tiveram a brilhante idéia de liberar as roletas. Quem tinha ingresso entrava. Quem não tinha entrava também.A aparição da banda no palco pareceu a volta do messias. E, de certa forma, era mesmo. A multidão gritava enlouquecidamente, e o show começou, triunfal, com Que País é Esse?, música de mesmo nome do recém-lançado disco, que até então já tinha vendido mais de 400 mil cópias. O que aconteceu naquela noite muita gente ainda se lembra: bombinhas explodiram no palco, um louco agarrou Renato Russo no meio de Conexão Amazônica, brigas por toda parte, o cantor xingou a platéia, a platéia xingou o cantor. Um clima de quase guerra civil. A banda saiu do palco depois de 50 minutos de apresentação. O público, indignado, iniciou um quebra-quebra. Eu estava nas arquibancadas. E dava para ver a multidão correndo de um lado para o outro no gramado do estádio. A polícia, claro, não conseguiu controlar a catarse coletiva. No dia seguinte, prometi pra mim mesmo que ficaria 10 anos sem ouvir as músicas deles. Fiquei uma semana. E a Legião nunca mais tocou em Brasília. Geração Coca-ColaAntes da Legião Urbana, nenhuma banda da cidade tinha conseguido projeção nacional. Outras vieram depois. Mas a diferença é que o quarteto tinha Renato Russo, um professor de inglês que gostava de Bob Dylan, Beatles, Stones e Sex Pistols. Naqueles anos, ninguém mais estava a fim de ouvir Absyntho, Metrô, Sempre Livre e outros grupos que, felizmente, apareceram e desapareceram na década de oitenta. Era hora de escutar músicas que contavam o que acontecia no dia-a-dia da gente. Renato sabia o que dizia. E sabia o que o seu público queria que ele dissesse. Suas letras iam da desilusão amorosa entoada em Ainda é Cedo à revolta em ver a pátria sem rumo, gritada em Que País É Este?.Ele tinha a poesia dos trovadores. Foi o maior letrista do rock brasileiro em todos os tempos, mas com alma punk. Quando parava pra falar, todos ouviam. Por isso mesmo falava o que queria. Uma mistura explosiva do poeta francês Baudelaire com Sid Vicious, o polêmico baixista dos Pistols. Será? Naquela noite de 18 de junho de 1988, isso tudo veio à tona. A idolatria pela Legião e especialmente pelo vocalista estavam no auge. A expectativa era muito grande, tanto do público quanto do grupo. A banda prometia revolta e energia em suas músicas e foi isso que levou 50 mil pessoas ao estádio. Quando as coisas começaram a dar errado, ficou impossível controlar os ânimos. Assim como a tragédia de Altamont marcou a transição dos sonhadores anos 60 para a barra pesada dos anos 70, o show do Mané Garrincha foi também um divisor de águas na carreira do grupo e na história da cidade. A partir daquele momento, o quarteto passou a evitar longas turnês e deixou de lado o discurso político. As letras tornaram-se mais introspectivas. Brasília nunca mais juntou tanta gente em uma apresentação de uma só banda e a segurança da platéia passou a ser levada mais a sério nos shows (ou você acha que 700 policiais e seguranças dariam conta da multidão?). Renato Russo também deixou de lado o discurso messiânico. Não queria mais mudar o mundo. Passou a querer apenas cantar suas próprias aflições e angústias. Naquela noite Brasília perdeu um punk. E muito da inocência também.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O real e o horrendo na literatura infantil


As histórias, todos o sabem, são os primeiros contatos das crianças com a vida. Através delas, a inteligência infantil transpõe os limites do ambiente doméstico e apreende as noções iniciais sobre a sociedade humana, com as inúmeras diferenciações que comporta, as atrações que oferece, os deveres que impõe, as decepções que traz, e o jogo complicado das paixões nos altos e baixos desta grande luta que é a existência. “Militia est vita hominis super terram” [A vida do homem sobre a terra é uma luta], diz a Sagrada Escritura (Job 7,1). “Militia”, sim, em que uns lutam por seus interesses pessoais, legítimos ou ilegítimos, e outros lutam contra o mundo, contra o demônio, contra a carne, para a maior glória de Deus.
Daí haver importância essencial, para uma civilização católica, em proporcionar às crianças uma literatura profundamente e sadiamente religiosa. Não falamos apenas do curso de Catecismo e História Sagrada, que deve ser o centro de tudo, mas de histórias que fossem como que o comentário, o prolongamento, a aplicação do que a Religião ensina.
Isto, em termos de boa doutrina, é o normal. Quanto é evidente, porém, que a caudal da literatura infantil moderna está longe disto!
Desejando tratar hoje da literatura infantil nesta seção, que não é de crítica literária, fazemo-lo analisando algumas destas ilustrações.
Antes de tudo, uma composição de Walt Disney. É a Cinderela, que vai com seu Príncipe rumo ao castelo encantado. É o maravilhoso na literatura infantil.
Haveria restrições a fazer. Em princípio, o que se oferece à criança deve tender a amadurecê-la, sob pena de não ser inteiramente sadio. Alguma coisa no cocheiro, no lacaio, na estrutura do morro e dos edifícios dá idéia de coisa feita não só para crianças, mas por crianças. E isto se nota, embora menos claramente, nos outros elementos da cena.
Mas, feita esta reserva, como não elogiar o gosto, a delicadeza, a variedade desta composição? O maravilhoso, indispensável nos horizontes infantis como meio de apurar o senso artístico, elevar o espírito, abrir o descortinio, estimular sadiamente a imaginação, está aqui expresso com um tato e um gosto notáveis.
* * *
Passemos agora do maravilhoso para uma representação da vida quotidiana, com seus aspectos calmos, caseiros, simpáticos — outro elemento essencial nos horizontes da literatura infantil, para despertar a atração, o interesse pela realidade e pela virtude.
Aqui está uma conhecida ilustração do Juca e Chico. No alto do telhado, os dois meninos das “sete travessuras” estão “pescando” as galinhas da Viúva Chaves. Junto ao fogão, ladra assustado o fiel cãozinho. Os “dois meninos malcriados, esses dois endiabrados” que “põem toda a gente maluca”, representam com real expressão a traquinagem tão freqüente na vida caseira. Traquinagem tratada aliás, no livro, não sem uma exemplar severidade: “lede esta história e vereis a sorte dos dois”. Exceção feita dos traquinas — e talvez nem isto —, tudo evoca a atmosfera feliz, calma, modicamente farta, da vida doméstica popular. Louçania de alma, temperança, largueza, bem-estar sensato na própria mediania, tudo aí se exprime.
Vem depois a literatura malfazeja. Apresentamos um entre mil. Murros, tiros, assaltos, agressões, vibração exagerada, narração melodramática, corre-corre, sangue, morte, “super-homens” que manipulam raios — toda uma sinistra e ridícula contextura de inverossimilhanças, de crueldades, de grosseiros artifícios de sensacionalismo.
Com isso não se forma um homem, e muito menos um cristão. O produto próprio desta literatura é o neobárbaro...
Catolicismo nº 40 — abril 1954, Excertos da seção Ambientes, Costumes, Civilizações
Nota da Redação: Se na década de 50, comentando uma cena de história em quadrinhos da época, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira previu que o “produto próprio” de tal “literatura é o neobárbaro”, pode-se imaginar o juízo muito mais severo que ele faria das aventuras de Harry Potter! Esta literatura é própria a criar na alma infantil e juvenil uma conaturalidade com algo muito pior que a barbárie: o monstruoso, o horrendo e, por fim, o diabólico e infernal.
Deturpação do instinto religioso e do conceito de realidade
Miguel Beccar Varella
A saga de Harry Potter destina-se sobretudo a um público infantil pré-adolescente. É a idade em que as crianças começam a descobrir o mundo fora do círculo familiar, a idade da introdução à vida em sociedade, quando encontram os primeiros amigos. Também sua religiosidade começa a descobrir na Igreja Católica uma sociedade perfeita que leva a Deus. O idealismo generoso destes anos aspira a transformar o mundo numa antecâmara do céu, como diziam os medievais.
Porém, ao mesmo tempo em que estas almas se abrem às realidades sociais, com aspirações de heroísmo e de santidade, elas são ainda muito imaturas, e as influências que recebem do novo mundo, no qual começam a entrar, freqüentemente são decisivas na sua formação.
A literatura do gênero Harry Potter mostra um mundo povoado de demônios e de homens perversos, escravos do mal. Esse mundo está em contínuo contato com o mundo dos trouxas, no qual vivem os meninos normais.
Isso provoca, de modo mais ou menos fatal, uma sensação de impotência ante tais forças superiores. Por outro lado, os meninos bruxos — seres superiores, como Harry Potter e seus amigos — conhecem feitiços, fórmulas mágicas, fetiches de todo tipo para conjurar o perigo.
Ao longo das incontáveis páginas dos livros de Harry Potter, vai-se criando no subconsciente do leitor pré-adolescente um estado de medo e ao mesmo tempo de fascinação. Um instalar-se no horror. O jovem leitor descobre um mundo de bruxos e de demônios que penetra a toda hora na banalidade de sua vida quotidiana, a qual é bem semelhante à do desprezível trouxa.
E a grande e triste novidade na obra sobre Harry Potter é que se trata não apenas de uma agressão à imaginação infantil (como o são desde há anos os gibis, com toda espécie de monstros), mas também à inteligência conceptual, que começa precisamente a despertar nessa idade. Daí a tão comentada, — e erradamente elogiada — novidade de tratar-se de um longuíssimo texto, sem figuras, que apela diretamente à inteligência.
Uma das características mais graves da sociedade atual é a ausência crescente de uma formação religiosa da infância. Começam a manifestar preocupação sobre isso até mesmo alguns membros da Hierarquia eclesiástica em diversos países. Fala-se cada vez mais de uma volta ao paganismo.
Porém, por mais carente de formação religiosa que uma alma possa estar, não se apaga nela o instinto natural que as faz voltarem-se para Deus. O paganismo não é ausência de religião, mas sim ausência da verdadeira Religião. E na presença do demoníaco e do preternatural, é próprio da psicologia imatura das crianças retroceder a uma atitude de fatalismo pagão, ante forças superiores que não consegue dominar.


Plinio Corrêa de Oliveira