sexta-feira, 2 de julho de 2010

Asimov: Ficcionista e visionário do futuro

Para muitos cientistas, suas histórias foram mais do que ficção de boa qualidade. Delas, como de uma bola de cristal, eles tiraram inspiração para criar a ciência moderna.
por Tatiana Loureiro
Ele escreveu 470 livros. Seu conto O cair da noite, escrito em 1941, foi considerado pela Associação dos Escritores de Ficção Científica da América como a melhor história de todos os tempos. E a trilogia Fundação, do período 1951/1953, foi premiada com um Hugo, a mais cobiçada homenagem prestada pela Convenção Mundial de Ficção Científica, como a melhor série já escrita. Ao todo, foram oito prêmios de alto significado como reconhecimento público. Mas resumir a importância de Asimov a esses feitos seria subestimá-lo, pois ele não foi apenas ficcionista. Foi também um pioneiro na popularização dos conhecimentos e um visionário, e como tal influenciou o próprio desenvolvimento da ciência.

A melhor prova disso foram suas histórias sobre robôs, justamente aquelas que lhe conquistaram a popularidade, no início dos anos 40. Antes dele, a ficção científica era influenciada pelo chamado complexo de Frankenstein, pois os robôs geralmente eram pintados como simples monstros, que acabavam se voltando contra seus criadores. Asimov rompeu com o mito ao descrever robôs que também eram dóceis, inteligentes e dignos. Elaborou, além disso, as três leis da robótica: um robô não pode ferir uma pessoa, nem, por omissão, permitir que ela sofra; deve obedecer aos humanos, exceto quando houver conflito com a primeira lei; deve proteger sua própria existência, ressalvadas as regras precedentes. Esses conceitos tiveram o efeito de um clarão sobre as possibilidades do futuro, lembra um dos pais da inteligência artificial, o americano Marvin Minsky, hoje professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

“A primeira vez que tomei contato com as idéias de Isaac foi há cinqüenta anos, quando estava entrando na adolescência. As histórias sobre espaço e tempo me fascinaram, mas sua concepção sobre robôs me impressionou demais.” Depois disso, diz o cientista, nunca mais parou de pensar sobre como a mente trabalha. Como os robôs iriam pensar? Como construir os robôs com senso comum, intuição, consciência e emoção? Como o cérebro faz essas coisas? Para Asimov, em contraposição, foi gratificante a velocidade com que tais idéias se concretizaram, pois não acreditava que os robôs habitariam a Terra em seu tempo de vida. “Mas eles estão aí”, escreveu no segundo volume de sua autobiografia, publicado em 1980: In Joy Still Felt (Ainda com alegria, em tradução livre). O primeiro volume, In Memory Yet Green (Na memória ainda fresca) havia sido lançado um ano antes.

São robôs industriais, criados para realizar tarefas específicas, e não criaturas sensíveis. Mas já representam máquinas complexas e têm, inclusive, salvaguardas embutidas — um eco das leis de Asimov. “Eu fui o primeiro a retratar robôs assim”, pleiteia ele com toda a justiça. Apesar da empolgação que sentia ao ver o avanço da robótica, Asimov sempre recusou os convites de Minsky para conhecer os robôs em operação. “Eu lia avidamente tudo sobre Marvin e seus robôs, mas não fazia questão de vê-los funcionando. Seria como entrar em contato com o material da ficção. Talvez eu não goste da invasão do mundo real na minha ficção científica.”

Publicados originalmente na revista Astounding Science Fiction, editada por John Campbell, os contos sobre robôs foram reunidos, em 1951, no segundo livro de Asimov, “Eu, Robô”. Campbell era conhecido por sua habilidade em descobrir e incentivar novos talentos, e muitas das histórias de Asimov, antes de irem para o papel, foram debatidas longamente com ele. As três leis da robótica surgiram numa dessas conversas e Asimov atribuiu sua criação a Campbell, que se tornou seu amigo. Fora da ficção científica, Asimov rompeu com o mito de Frankenstein em outro sentido — descrevendo os cientistas como pessoas comuns, e não como magos, muitas vezes esquisitos.

O próprio Dr. Frankenstein criado por Mary Shelley em 1818, parecia mais um alquimista do que um pesquisador moderno. Em seus livros de divulgação, Asimov escreveu sobre quase todas as áreas do conhecimento humano. Explicou o que é um buraco negro, os corpos mais densos que podem existir; falou sobre o valor exato de pi, a razão entre a circunferência e o diâmetro; ensinou a nomenclatura da Química orgânica; e discorreu até mesmo sobre o número de batimentos cardíacos de um gato ao longo da vida. Se não conhecia um assunto, comprava alguns livros e não parava de ler enquanto não pudesse escrever a respeito.

“Para todos nós ele era um monumento”, elogia o prêmio Nobel de Física de 1988 e professor da Universidade de Chicago, Leon Lederman. “Muitos cientistas americanos foram levados para a ciência por causa dos livros de Asimov. Ele era notável pela sua capacidade de popularizar e entreter.” Para o astrônomo Carl Sagan, outro monstro sagrado da divulgação científica, Asimov era motivado por um forte impulso democrático. “Ele dizia que a ciência era muito importante para ficar na mão dos cientistas”, escreveu Sagan em um artigo publicado na revista inglesa Nature logo após a morte de Asimov.

Os dois eram amigos desde o início dos anos 60, quando o astrônomo, leitor ávido das aventuras intergaláticas narradas por Asimov, deu início a uma correspondência que se tornaria freqüente. Com sua típica falta de modéstia, Asimov costumava dizer que em toda a vida só encontrara dois homens mais inteligentes que ele: Carl Sagan e Marvin Minsky. E completava: “Não quer dizer que sejam mais talentosos que eu”. Menino de memória fotográfica, ele aprendeu a ler sozinho aos 5 anos, entrou na faculdade aos 15, e publicou sua primeira história aos 18.

Bem longe do local em que passaria a infância, ele havia nascido em Petrovich, a 200 quilômetros de Moscou, filho de Judah e Anna Rachel Asimov. Comemorava seu aniversário em 20 de janeiro, mas pode ter nascido em qualquer dia entre 4 de outubro de 1919 e 2 de janeiro de 1920, devido à mudança do calendário na Rússia. Aos três anos, emigrou com os pais para os Estados Unidos e se instalou na área judaica do Brooklyn. Aí, seu pai adquiriu a primeira da série de mercearias que teria.

Foi na banca de jornais e revistas, ao fundo da loja, que ele entrou em contato com as revistas de ficção científica. Lia as histórias com cuidado para não amassar as revistas, que seriam vendidas poste-riormente. A infância não foi fácil. Durante todos os dias, até mudar-se de No-va York em 1942, Asimov ajudava o pai, e suas obrigações na loja o impediam de fazer amigos. Solitário, passava a maior parte do tempo lendo e escrevendo. Anos mais tarde, ele admitiu que isso ajudou a torná-lo um escritor compulsivo, pois a loja ficava aberta dezesseis horas por dia, sete dias por semana.

“De alguma forma, eu assimilei esse horário como normal, e me orgulho de ter um despertador que nunca uso, apesar de acordar sempre às 6 horas. Eu continuo mostrando pro meu pai que não sou um vagabundo.” E não era mesmo. Acostumado aos apertos, ele passou metade da vida procurando uma garantia de estabilidade, mesmo que isso representasse muito trabalho e pouco tempo junto à máquina de escrever. O fato é que até se tornar escritor em tempo integral, em 1958, Asimov não acreditava que poderia viver apenas da literatura. Por causa disso, em 1942, ele suspendeu a tese de doutorado em Bioquímica na Universidade Columbia e aceitou um cargo de pesquisador na Marinha, no Estado da Filadélfia.

Havia se formado em Química três anos antes, e aos 21 anos concluíra o mestrado. Naquela época, ainda se debatia com o fracasso em entrar para a faculdade de Medicina e satisfazer o desejo da família. Esse complexo só iria desaparecer em 1950, quando pôde presentear o pai com seu primeiro livro, Pebble in the Sky (Cavernas de Marte em português). A década anterior havia sido conturbada. No início de dezembro de 1941, os japoneses atacaram a base americana de Pearl Harbour, no Pacífico, e o Congresso aprovou a declaração de guerra contra o Japão, Alemanha e Itália.

Assim, ao aceitar o trabalho de pesquisador na Marinha — onde trabalhou com Robert Heinlein e Sprague de Camp, já então dois grandes grandes nomes da ficção científica —, Asimov afastou temporariamente a ameaça de convocação. Também garantiu um salário providencial: tinha acabado de conhecer Gertrude Blugerman, com quem se casaria após cinco meses de namoro. Em 1946, finalmente, conseguiu dar baixa, retomar o estudo em Columbia e concluir o doutorado em Bioquímica. Sua primeira pesquisa foi a busca de uma vacina para a malária, que logo depois abandonou, com um desempenho apenas modesto, e aceitou o cargo de professor e pesquisador na Universitade de Boston.

Mas, então, seu interesse pela ciência tomaria um impulso avassalador com o sucesso soviético no lançamento do satélite Sputnik, em 1957. Os americanos reagiram de pronto com a criação de uma agência espacial, a NASA, e a ficção científica ganhou o coração de milhões de pessoas. Além disso, Asimov havia escrito um artigo sobre Genética e as raças humanas, e ganhou gosto pela divulgação da ciência. Como resultado afastou-se da pesquisa e aumentou a produção literária. Já não precisava correr atrás dos editores, que o procuravam espontaneamente pedindo histórias e artigos. Nada mais natural que acelerasse o passo na literatura, terminando a década de 50 com 32 livros publicados. Na década seguinte, foram 70 livros; nos anos 70, 109; e nos últimos doze anos de vida, 259.

Para sustentar esse ritmo, Asimov jamais tirava férias sem levar consigo a máquina de escrever portátil, e enquanto todos se divertiam, ficava trabalhando. Na maioria das vezes, a mulher Gertrude e os filhos, David, de 1951, e Robyn, quatro anos mais nova, viajavam sozinhos. Esses desencontros só terminaram com a separação e com o retorno de Asimov a Nova York, em 1970. É verdade que a ausência do escritor nas viagens não se devia apenas ao trabalho: embora fosse idealizador de naves espaciais e impérios galácticos, Asimov era acrófobo — passava mal só de pensar em entrar num avião. Ele só voou uma vez na vida: quando estava na Marinha e uma recusa significaria corte marcial.

Outra esquisitice era uma espécie de paranóia que o fazia pular da cama para ver se a porta do apartamento estava trancada. Se sua segunda mulher, a psiquiatra e escritora Janet Jeppson, demorava a chegar em casa, logo pensava que ela tinha caído num buraco. Amigos desde os anos 50, casaram-se em 1973, quando a fama e a influência de Asimov chegou ao auge.

Nas muitas palestras que era convidado a fazer, ele passou a disseminar uma inestimável confiança no conhecimento e na democracia. Ateu, recusava crenças de qualquer tipo — “duendes, diabos e bruxas” —, e dizia que a única coisa que merecia ser chamada de Deus era a racionalidade. “Houve um tempo que o mundo nos parecia repleto de inteligências superiores à nossa. Agora, que sabemos tanto a respeito do Universo, podemos nos concentrar nos males reais.” O homem que foi ao delírio quando o russo Yuri Gagárin subiu pela primeira vez ao céu, acreditava que no espaço se encontraria solução para boa parte dos problemas terrestres. Imaginava que a colonização da Lua e de Marte seria uma válvula para a superpopulação. E propunha colocar captadores de energia solar em órbita co-mo saída para se obter energia limpa.

Pessoalmente, sua realização foi ter escrito livros, como ele mesmo declarou enfaticamente numa conversa em quesua primeira mulher lhe perguntou como se sentiria se, depois de gastar tanto tempo escrevendo, percebesse que perdera toda a essência da vida. Ele respondeu: “Para mim a essência da vida é escrever. Se eu publicar 100 livros e depois morrer minhas últimas palavras vão ser: só 100!” Na verdade, quando a morte sobreveio, em 6 de abril de 1992, por insuficiência renal, o número havia chegado a 468 e ainda estava crescendo — com os lançamentos previstos de The Positronic Man (O homem positrônico), para o final deste ano, e I, period Asimov: seven decades (Eu, ponto, Asimov: sete décadas).

Redução da população em Londres: O século das trevas londrinas

O arqueólogo inglês Peter Marsden revela que a cidade já ficou 100 anos sem nenhum morador.
Londres não tinha mais de 100 anos de vida quando, de repente, entrou em colapso e praticamente tomou-se uma cidade-fantasma. A revelação é do arqueólogo inglês Peter Marsden, depois de estudar indicadores básicos de população para a época: restos de lixo deixados pelos romanos e vestígios de alimentos. Fundada em cerca de 50 d.C. pelos romanos, Londinium, seu 2 nome de batismo, era capital colonial e um porto florescente. "No ano 150, porém, ela se viu abandonada por dois terços da população", garante Marsden, baseado na datação de 115000 pedaços de potes de lixo escavados desde 1973. De todas essas peças, 78% provinham dos primeiros 100 anos de vida da capital, enquanto apenas 7% datam dos anos 150 a 270. Proporções semelhantes se repetiram no estudo dos restos de ossos de animais, indicadores dos hábitos alimentares.

"A causa do declínio foi provavelmente econômica" teoriza o arqueólogo Mardsen, "já que o efeito de desastres naturais - como pragas - sobre a população é quase sempre temporário. " Por que os habitantes saíram, e para onde foi essa gente toda durante os 120 anos de abandono da cidade, nem o próprio Mársden conseguiu esclarecer.

Júlio Verne: Inventor do Futuro


Em quase uma centena de livros, o pai da ficção científica antecipou as conquistas tecnológicas do século XX em histórias de suspense e aventura.
O ano é 1873. Correspondentes dos principais jornais europeus e dos Estados Unidos em Paris relatam a aventura do explorador Phileas Fogg na sua viagem ao redor do mundo. Cada etapa é avidamente acompanhada por centenas de milhares de leitores. Só que Phileas Fogg não existia era apenas mais um dos personagens cria dos pela mente exuberante do escritor francês Júlio Verde, então no auge da fama. O livro A volta ao mundo em 80 dias foi inicialmente publicado como folhetim no jornal parisiense Le Temps.

No final, a aparente decepção: o herói, depois de uma infinidade de peripécias, tinha levado 81 dias para completar o percurso, perdendo assim as 20 mil libras que apostara com os companheiros do Reform Club, em Londres. Mas surpresa os jornais do dia em que Fogg volta à Inglaterra estavam datados do que ele imaginava ser o dia anterior. Viajando em direção ao leste, acabou ganhando um dia, pois tinha visto o Sol nascer 81 vezes, uma a mais do que as pessoas que tinham ficado em casa. O fenômeno já era conhecido desde 1522, quando os marinheiros da expedição de Fernão de MagaIhães perderam um dia no calendário, viajando para o oeste.

Mas é o uso que Júlio Verne dá a esse conhecimento, entre outros tantos, que faz dele o pai da ficção científica. Verne escreveu histórias que não apenas prendem o leitor pelo suspense e o ritmo da aventura como também antecipam invenções que só apareceriam no século XX, como o helicóptero, o submarino, o aqualung, a televisão e a conquista do espaço. São histórias verossímeis e emocionantes. Tudo o que Verne escrevia parecia viável, embora a explosão científica de seu tempo ainda não fosse suficiente para produzir as maravilhas tecnológicas de que ele falava.

Muitos contemporâneos chegaram a pensar que ele próprio fosse uma ficção e que seus livros eram produzidos por uma equipe de redatores. Em 1895, dez anos antes de morrer, uma celebridade de temperamento discreto e hábitos reclusos, Verne chegou a ser visitado, na cidade de Amiens, onde vivia, à beira do rio Somme, pelo escritor italiano Edmondo De Amicis (1846 1908), interessado, em saber se o colega francês realmente existia. Fisicamente, era um homem típico de sua época e de sua classe social. Membro da burguesia média, vestia-se com ternos em estilo redingote, colarinhos engomados, gravata de laço e uma infalível bengala.

A cabeleira espessa lhe dava ares de compositor; barba e o bigode compactos, a expressão respeitável dos homens de bem. O trabalho era para ele um prazer comparável apenas ao de navegar nos seus iates, Saint-Michel II e III, a bordo dos quais revivia o gosto pela aventura que vinha da infância.

Na cidade de Nantes, na região francesa da Bretanha, onde nasceu a 8 de fevereiro de 1828, havia também um rio, o Loire, em cujas margens ele e seu irmão Paul (um ano mais jovem) gostavam de brincar e conversar com velhos marinheiros, ouvindo histórias de países distantes. Tanto essas histórias o fascinavam que, aos 11 anos de idade, Júlio Verne fugiu de casa para ser marujo e conhecer o mundo. Não foi longe. Seu pai, Pierre Verne, um advogado de muito prestígio, conseguiu impedir que a ousadia se consumasse, apanhando o rapazinho na primeira escala do navio, no porto de Paimboeuf. Monsieur Verne, muito conservador, sonhava ver seus dois filhos seguindo a carreira de advogado —jamais a de marujo. Ao resgatar Júlio, aplicou-lhe uma memorável surra de chicote.

De volta aos bancos escolares, o garoto transferiu a paixão pelo desconhecido para o estudo de Geografia. A imaginação transportava o aluno para os países que os professores iam descrevendo, e seus cadernos estavam repletos de esboços e mapas. Mas nada estimularia tanto a sua imaginação como a visita que fez com o pai às fundições e estaleiros de Indre, perto de Nantes, onde os novos barcos a vapor estavam sendo construídos.

O adolescente ficou deslumbrado. Não era para menos: as máquinas a vapor eram a grande sensação da época. Símbolos da Revolução Industrial, que começara na Inglaterra no século anterior, elas impulsionariam uma série de portentosas transformações na sociedade européia, naqueles meados do século XIX. De um momento para o outro, tudo seria possível. A ciência parecia ter respostas para tudo—e essas respostas se materializavam em máquinas, engrenagens, aparelhos que tornavam a vida diária um paraíso de conforto, em comparação com tudo aquilo que os europeus se haviam habituado a conhecer.

Mas, apesar da paixão pelo rio, que poderia sugerir uma carreira semelhante à do irmão, que se tornou —ele sim—marinheiro, ou do interesse pelas máquinas, que o encaminhava para a engenharia, Júlio Verne, aos 16 anos, foi mesmo se preparar para a Escola de Direito. Em 1848, aos 20 anos, ele chega a Paris apenas para cumprir um desejo do pai. Seis décadas após a Revolução Francesa e 27 anos após a morte de Napoleão, o país vivia turbulentos conflitos políticos e sociais.

A Revolução de fevereiro de 1848 derruba o rei Luís Felipe, que tinha subido ao poder em 1830, e proclama a Segunda República, com Luís Napoleão sendo eleito presidente meses mais tarde. Quatro anos depois, um golpe restaura a monarquia e o presidente se transforma em Napoleão III. Mas não foi a política que seduziu o jovem provinciano de Nantes, e sim o espírito boêmio e cultural de Paris, onde reinavam figuras como os escritores Alexandre Dumas e Victor Hugo. Na interpretação do neto do escritor, Jean Jules Verne, "ele era um idealista e um verdadeiro anarquista". De qualquer forma, jamais teve militância partidária—nem mesmo em 1888, quando foi eleito vereador em Amiens: ninguém conseguiu explicar por que seu nome foi apresentado pela extrema esquerda.

Ainda jovem estudante de Direito, é convidado ao castelo de Alexandre Dumas, em Saint-Germain. Fica impressionado pelo uso que o autor de Os três mosqueteiros faz dos temas históricos para criar uma novela ou peça teatral. A partir de então, começa a fazer planos literários. Sem muito sucesso, uma peça de Verne, Les pailles rompues ("Contratos anulados"), é encenada em 1850 Não seria esse o caminho pelo qual se tornaria famoso. Embora já formado em Direito, emprega-se de 1852 a 1854 como secretário do Teatro Lírico. Nessa época conhece uma viúva com duas filhas, Honorine-Anne de Vianne, com quem se casaria em 1857. Honorine não tinha nenhum interesse pela literatura. Gostava, isso sim, da vida social de Paris, preocupada em morar bem, vestir-se bem e freqüentar as grandes recepções. Foi uma presença secundária na vida do marido. Júlio e Honorine tiveram um fiIho, Michel, em 1861.

Logo após o casamento Júlio arranja um emprego de—quem diria— corretor na Bolsa de Paris, onde trabalharia nove anos. Mas não tirava da cabeça a idéia de fazer com a Geografia o que Dumas fizera com a História: escrever romances e novelas que popularizassem o conhecimento do mundo e da tecnologia. Assim publica em 1851 um pequeno conto cujo tema são as viagens marítimas Conhece então o jornalista, fotógrafo e aventureiro Félix Nadar, um entusiasta dos balões. Paris vivia na época uma verdadeira mania pelo balonismo. No Campo de Marte, de onde Santos Dumont decolaria com seu 14-bis, eram comuns as ascensões diárias de uma enorme variedade de balões.

Santos Dumont, como ele mesmo contou certa vez, inspirou-se na obra de Verne para construir seus apareIhos. As façanhas cada vez mais arriscadas do fotógrafo Nadar culminaran com o acidente com o Géant, o gigantesco balão que levou Nadar, a mulher e mais nove passageiros para um tumultuado passeio de dezesseis horas. No pouso, Nadar quebra pernas. Tudo isso aumenta em Verne a paixão pela idéia do que se poderia chamar o romance da ciência. Devora revistas de atualidades e publicações científicas, querendo saber tudo sobre máquinas e invenções. Tinha 35 anos quando conhece o editor Jules Hetzel. O encontro, acertado por Nadar, seria decisivo em sua vida.

Tímido Verne estava bastante nervoso quando Ihe entregou os primeiros originais—uma aventura a bordo de balões em homenagem ao amigo fotógrafo. O editor, depois de ler atentamente o calhamaço, comentou: "Como narração histórica está bom. Mas quem quer História? Volte para casa e escreva de novo. Escreva aventuras emocionantes. O povo divertimento, não aulas". Verne ficou atordoado, mas obedeceu. Duas semanas depois, entregava o texto reescrito a Hetzel. O editor sorriu satisfeito, era aquilo que desejava: sonho, aventura, e fim, uma leitura que dava prazer.

O livro chamava-se Cinco semanas num balão e descrevia uma aventura na África. Foi um sucesso. Verne assinou então um contrato, pelo qual comprometia a escrever dois Iivros por ano pelos próximos vinte anos (mais tarde, o contrato foi ampliado, para toda a produção futura), ganhando 10 mil francos por livro— uma fortuna, na época, que Ihe permitiu libertar-se da Bolsa parisiense. Verne cumpriria o contrato rigorosamente durante quarenta anos.

Hetzel teria um papel fundamental na obra do escritor: no texto das Viagens extraordinárias, uma coleção de aventuras publicadas em forma de folhetim, o editor acompanhava cada frase como um produtor de televisão acompanha o trabalho do autor de uma novela. Ele próprio era um viajante de marca. Além de cruzeiros pelo mar do Norte e pelo Mediterrâneo, atravessou o Atlântico rumo Nova York, em 1867. Era também um entusiasta do meio de transporte mais revolucionário de sua época: o trem. Em 1880, atravessou a Inglaterra e a Escócia. Durante as viagens, preocupava-se em fazer copiosas anotações que depois serviriam de referência para seus livros. Para o público francês, ler Verne era então a única oportunidade de aventurar-se por uma ficção decididamente incomum.

Verne era minucioso na descrição de cenários. Transportava os leitores dos pólos gelados aos desertos africanos, das aldeias da Rússia e da Ásia a nada menos que o centro da Terra. Além disso, nas suas narrativas havia referências às últimas invenções da época—as lâmpadas de arco e fluorescentes—como também às máquinas a vapor, ao telégrafo e ao cabo submarino. Mas são as projeções futuríticas que surpreendem até hoje. Quando projetou o submarino Nautilus, comandado pelo Capitão Nemo, Verne estava a par do que se publicava sobre as mais recentes tentativas de se construir um barco submersível.

Mas não são apenas máquinas que habitam seus livros. A descrição do fundo do mar, em Vinte mil léguas submarinas (1870), é tão fascinante que o oceanógrafo Jacques Cousteau considera Verne uma das leituras fundamentais de sua infância, indicando-lhe o caminho de explorador dos mares.

Instalado numa magnífica mansão em Amiens, ao norte de Paris, procura a tranqüilidade para escrever que a capital não Ihe proporcionava, de tanto que era assediado. Além do refúgio de um quarto na torre da mansão, passava boa parte do tempo a bordo de seu barco, com o qual ia a Paris, subindo o Sena. O menino que amava navegar, explorando as ilhas do Loire, se realizava como capitão do iate Saint-Michel, onde guardava magníficos mapas, livros e revistas. Escrevia dois ou três livros ao mesmo tempo—primeiro a lápis, num caderno onde só usava a página da direita; a esquerda, em branco, serviria para as correções. Os originais mostram que sua redação era fluente e que ele raramente modificava a versão inicial. Levava, em média, seis meses para completar um livro.

Do ponto de vista literário, foi sempre considerado um escritor para o público juvenil, sem maiores pretensões. O poeta francês Guillaume Apollinaire (1880-1918) costumava dizer que a grande virtude do estilo de Verne era a ausência de adjetivo. É bom lembrar que seus livros foram todos escritos sob contrato e obedeciam a exigências específicas. Considerados como o melhor presente de Natal para os adolescentes do século passado, não podiam ferir, por exemplo, a sensibilidade católica dos leitores—ou a de seus pais. A febre que acompanhava a publicação dos capítulos seriados da Volta ao mundo... induziu as companhias de navegação a Ihe oferecer verdadeiras fortunas para que os personagens fizessem a última etapa num dos seus navios— uma autêntica jogada de merchandising.

No inicio da noite de 8 de março de 1886, Verne voltava para casa, quando dois tiros o atingiram no pé direito. O escritor ainda chegou a ver a silhueta de um homem, com a pistola na mão. Mais tarde, na cama, enquanto os médicos tentavam inutilmente tirar as balas do pé, saberia que o atacante era Gaston. o sobrinho preferido, filho do irmão Paul. A família jamais esclareceu adequadamente o obscuro episódio. Ficou a versão de que Gaston havia enlouquecido.

Julio Verne jamais se recuperaria. Desde então, passou a mancar e teve que desistir dos seus passeios de barco, pois perdia o equilíbrio no convés. Na virada do século, estava possuído por uma tristeza sem remédio —perdera o mar, o amigo e editor Hetzel e o irmão Paul, por quem tinha verdadeira paixão. Com o filho único, Michel, era severo e pouco afetuoso—talvez por causa do comportamento contestador do jovem.

Intransigente, Verne o mandou para um reformatório e, mais tarde, chegou a denunciá-lo à policia, para imperdir que se casasse com uma cantora de cabaré. Anos depois, gastaria um bom dinheiro para pagar as dívidas do filho pródigo.

Em compensação, dedicou muito afeto ao jovem Aristide Briand (1862-1932), a quem conheceu no ginásio onde Michel estudava. Briand (Prêmio Nobel da Paz em 1926) foi incorporado à obra literária de Verne como Briant, personagem principal do livro Dois anos de férias (1888). Apesar das atribulações da velhice, não desiste de escrever—queria chegar à centésima obra, como declarou em 1902. Então, as viagens extraordinárias, somadas às peças e outros livros, faziam o total ficar bem próximo da meta.

Aos 74 anos, continua escrevendo pela manhã e lendo à tarde. Como não podia mais ir à biblioteca, os livros vinham a ele. Do alto de sua torre, sonhava com um futuro ainda mais fantástico que o descrito nos livros anteriores. No Senhor do mundo de 1902, cria um veículo, mistura de automóvel, barco, submarino e avião. Por que não sonhar? No começo de 1905 publica uma história em que o mar Mediterrâneo e o deserto do Saara são ligados por um canal, para transformar o deserto num grande lago. Júlio Verne jamais saberia da repercussão do livro.

Na noite de 24 de março de 1905, aos 77 anos, deitado em sua estreita cama, pediu o volume das Vinte mil léguas submarinas. Não chegou a abri-lo. O livro caiu-lhe das mãos. Perguntou então pela mulher e os filhos e fechou os olhos.