sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Who is it in the Press?


Quem diz essa frase é Júlio César, na peça homônima de Shakespeare. Não gosto de usar citações em outro idioma nos meus textos, mas, neste caso, é preciso em virtude do significado da palavra “press”, hoje, diferente. Andando com Marco Antônio entre a multidão, a caminho do Senado, Júlio César ouve alguém gritar por ele e responde: “who is it in the press that calls on me”, “quem me chama no meio da multidão”.
Sabe-se que “press”, em inglês significa imprensa, e que a Imprensa ainda não existia no período em que Shakespeare viveu. “Press” naquela época entendia-se como povo, gente, multidão. A relação entre a Imprensa, o Governo e a Sociedade é um dos fenômenos mais complexos do mundo contemporâneo. Fernando Henrique Cardoso disse uma vez, quando era Presidente da República, que ele precisava ler os Jornais todos os dias, para saber o que “ele estava pensando”. Não mentiu quando disse isso. O poder da Imprensa é gigantesco, e distorções e manipulações podem alterar por completo todo um estado de coisas. A mentira sempre pode fazer grandes estragos.
É comum, no Brasil, rotular, carimbar os “formadores de opinião”, jornalistas e escritores, que opinam sobre assuntos do dia a dia da nação e do mundo obrigando-os a “ter um lado” - seja sobre políticas públicas ou questões de natureza moral ou ética - como se não houvesse parâmetros para análises isentas. Os governos criam todos os dias, leis que geram mais confusão do que resultados, que atropelam essa ou aquela dimensão institucional, trazendo graves conseqüências para o futuro. No entanto, existe uma patrulha atuando para que especialistas silenciem diante dos descalabros diários do Estado. Achar que todas as pessoas que escrevem na Imprensa são vendidas, que o fazem por dinheiro ou por favores, que seus textos são de encomenda, ou ainda, que são opiniões ideológicas, partidárias e que não têm compromisso com a verdade é um grande erro. Existem opiniões isentas, sim. O grupo que age com isenção é pequeno, infinitamente menor do que aqueles estão comprometidos com seu próprio bolso, mas ele existe. Os homens públicos e o governo precisam ser vigiados, pois são manipuladores. O Estado é um monstro, é Thomas Hobbes quem nos alerta, em O Leviatã, “no entanto, ele, o monstro (o Estado) quer carinho”.
O escritor sério busca a verdade, orienta a sociedade, pois esse é o papel da Literatura. Embora sejam antípodas, a Literatura orienta a Política e a complementa, pois trabalha pra consertar seus erros. Já fez e tenta fazer todos os dias o seu papel de antena da sociedade. É Hamlet na sua conversa com os atores quem afirma: “o papel da arte foi, e é oferecer um espelho a natureza”.
Shakespeare escreveu numa época onde ainda não havia ideologias e isso é muito bom, já que impede que ele venha a ser rotulado como se faz comumente com todos. Esquerdista, neoliberal, machista, sexista, racista, imperialista, e vários outros carimbos de igual tamanho. Leio Shakespeare porque ele não está contaminado por essas coisas.
A grande Literatura só existe porque é honesta. Os grandes autores eram homens virtuosos e as exceções são poucas. Quando não o eram, procuravam sê-lo. O grande problema do Brasil ainda é que os bons – e são poucos - estão calados diante da iniqüidade que há muito tempo perdura no país. Repentinamente alguém grita: qual é seu papel na multidão?

Theófilo Silva é Presidente da Sociedade Shakesperae de Brasília e Colaborador da Rádio do Moreno.

domingo, 11 de outubro de 2009

Este blog foi Eleito Top 100 na Categoria Comunicação Profissional do Prêmio Top Blog, o maior Prêmio da Internet Brasileira.Obrigado a todos!

Da Revista Éoca: Herbert de Perto


"Herbert é obsessivo, é uma marca dele", diz Berliner
Roberto Berliner e Pedro Bronz dirigem o documentário "Herbert de Perto", sobre Herbert Vianna. Segundo eles, o acidente de ultraleve que deixou o músico paraplégico em 2001 serviu de aviso para os amigos, que "começaram a repensar um pouco a maneira como viviam, com uma responsabilidade maior". Confira a entrevista

LAURA LOPES

Roberto Berliner é amigo de Herbert Vianna desde os anos 80, quando começou a trabalhar com os Paralamas. Dirigiu clipes da banda e documentários. Tornou-se amigo e parceiro profissional do músico. Pedro Bronz, mais novo, era fã do grupo quando adolescente. Os dois dirigem Herbert de Perto, um documentário que estreia nesta sexta (9) e fala sobre a vida do ídolo antes e depois do acidente trágico de ultravele que o deixou paraplégico. Traz depoimentos de familiares, amigos e entrevistas com o próprio Herbert, além de imagens de arquivo. O filme é alegre, musical, e trata com cuidado minucioso o acidente, que ocorreu em 2001 e matou sua mulher, Lucy. As cenas derradeiras de Herbert de Perto são de um Herbert sentado na cabeceira de uma mesa de almoço, cantando para não se sabe quem, talvez provavelmente sobre seu amor por Lucy, à frente de uma toalha branca suja de vinho. Aquele é o mundo dele: o violão, o amor perdido no acidente, a música de tom pessoal. ÉPOCA entrevistou Roberto e Pedro em um hotel em São Paulo, sobre o passado e o presente de Herbert e as escolhas feitas na edição do documentário.

ÉPOCA – Em que momento vocês resolveram fazer o documentário?
Roberto Berliner – Eu acho que nós falamos (sobre isso) desde 1983. Eu achava que era possível usar esse material (gravado desde então). Eu trabalhei no arquivo da Globo durante três anos e meio e acho que ali eu entendi a importância que as imagens vão ganhando ao longo do tempo. O documentário que em fiz em 1987 (V – O Vídeo, que foi ao ar no SBT) gerou várias imagens. E depois, de novo, em 1995, eu achei que a gente precisava rever as imagens. Ao longo do tempo fui fazendo clipes, e documentários que fiz nos anos 80, 09 e 2000, mais as coisas pessoais, que gravei como amigo na casa dele, com uma camerazinha. A ideia ficou clara logo depois do acidente, quando o Herbert começou a se recuperar. Pensei: "A melhor coisa que eu posso fazer agora é um documentário. Talvez possa ajudá-lo nessa coisa da memória". Mas não era a hora certa. A gente esperou e, em 2005, sentou e conversou, o Herbert, a família, a mãe dele... Foi muito legal porque eles achavam que se alguém tinha que fazer era eu. E foi muito bacana para mim ouvir isso.
Arquivo
Cartaz do filme, que estreia nesta sexta (9) nos cinemas
ÉPOCA – E quando vocês pararam de gravar?
Pedro Bronz – Em novembro de 2007 foram as últimas imagens. Lá no Maracanã, na abertura do show do The Police. Antes, a gente começou a filmar com esse olhar de "estamos fazendo um documentário", e gravou o processo de execução do disco (Hoje), desde a primeira fita demo até as gravações independentes. A gente filmou alguns eventos que achou relevantes nesse período, como a inauguração da Lona Herbet Vianna na Favela da Maré. E filmou o que é central do nosso documentário que é a entrevista com ele, ele se deparando com imagens de sua vida. E comentando, e revivendo. E as entrevistas com todas as pessoas.

ÉPOCA – E ele viu todas aquelas imagens? E até mais do que as aparecem no filme?
Pedro – Sim, até mais. A gente primeiro assistiu ao material e depois preparou para o Herbert assistir.

ÉPOCA – Como é essa amizade com o Herbert?
Pedro – Para mim, foi incrível. Você estar aí perto de um ídolo de sua adolescência, conviver com ele, foi uma experiência incrível. Ele foi muito carinhoso, super receptivo, super aberto. Eu acho que tudo isso por causa da chancela do Roberto. As portas se abriram para mim com muita tranquilidade. Quando você faz um filme, normalmente tem todo um processo de conquista dos personagens, você precisa conhecer, ele precisa confiar em você.

Roberto – Primeiro foi lá em 87, durante esse primeiro documentário, eu fiz o clipe de "Alagados", a gente começou a se aproximar, e depois o clipe de "A Novidade". Ali a gente já estava bem amigo e vivendo coisas parecidas. Teve uma época em que todo mundo namorava todo mundo então saía para beber, falava bobagens (risos). E logo depois em 90 ele conheceu a Lucy e eu conheci minha mulher. E era isso, a amizade misturada com o profissional. A Lucy falava que que "o que vai ficar na história são os seus clipes". Trabalhar com amigo é bom até dar errado. Não vai deixar de ser amigo, mas vai deixar de trabalhar junto.

ÉPOCA – Por que você escolheu agora para lançar o filme, uma vez que o acidente e a recuperação do Herbert ainda são uma lembrança recente para as pessoas?
Roberto – Desde o acidente eu pensava naquilo, em fazer. E não pensava em encerrar um ciclo, ao contrário, eu pensava em fazer um corte quando ele tivesse no meio – até o primeiro CD que ele faz depois do acidente é um longo caminho. Acho que a gente está no meio do caminho.

Pedro – E que bom que isso aconteceu, o cara estar na ativa. Não se tornou um estigma, de esperar morrer para ser homenageado ou estar decadente. O cara, porra, é do caralho, o cara ta aí, tá vivo...

ÉPOCA – O documentário é bem isso, é bem para cima...
Pedro – É o que ele é. É para cima porque ele é para cima, a história é para cima. O cara está ali, na batalha, compondo, neste último disco as letras são lindas, as músicas maravilhosas... E o show, esse último show do Brasil Afora, é incrível.

Roberto – Você está falando de um amigo, e também está falando um pouco de você. Neste caso, é uma relação, é mais delicado, né?

ÉPOCA – Por que vocês não falaram sobre como o acidente afetou a vida pessoal de Herbert? Fala-se muito sobre os filhos, mas eles não aparecem. Não focar o olhar no lado pessoal foi uma escolha de vocês ou dele?
Pedro – Foi uma escolha totalmente nossa. A questão das adaptações (depois do acidente) acho que está um pouco claro.

Roberto – Em nenhum momento eu quis mostrar as cranças dele. Nem pensei em tirar também. Não me ocorreu que eles devessem não ser vistos ou mostrar mais a casa deles do que a gente já mostrou. A casa dele está ali, a vida dele está mais ou menos ali. A mãe, também está claro. A gente mostrou o Herbert como ele é, mas a gente não pensou em "não vamos mostrar isso", ou imagens que a gente fez e imaginou que deveria censurar.

Pedro – As coisas estão, como no cinema, no campo da percepção e a imagem. E isso tem muito no filme. A gente tem um tipo de informação que é o que as pessoas falam, que é a entrevista. Mas há outra informação diluída ao longo do filme que está no campo visual. Ou seja, eu não preciso falar que a casa dele foi adaptada, porque ele tem um elevador no meio da casa dele.

Arquivo
Herbert, antes do acidente. Hoje ele diz que não prestava verdadeira atenção à plateia
ÉPOCA – Mas isso eu vi no filme. E as outras coisas pessoais?
Pedro – Então, vamos mostrar a casa dele, mas isso está dentro do contexto do perscurso dele ir buscar a guitarra (cena em que ele vai do quintal ao elevador para descer ao estúdio e pegar a guitarra). Mas nesse pequeno percurso tinha muitas coisas, como o elevador, a rampa na sala... Por exemplo, a condição de vida dele, como é que o cara está? Como o cara é? Tem uma música no filme que é "Ponto de Vista": "você não deve saber como é o mundo aos olhos de quem sofre ao se mover"...

Roberto – E a música é como se fosse uma entrevista.

Pedro – A condição da memória, por exemplo, não temos uma pergunta para ele no depoimento, mas isso está no momento em que estamos com ele dentro do banheiro, que ele fala um pouco da memória. Ou na entrevista no hospital Sarah (Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília), as coisas estão ali. Mas como aquilo requer um cuidado, a gente tentou de outras formas.

ÉPOCA – Como vocês trataram essa questão pessoal sem parecer revista de fofoca?
Roberto – Eu acho que isso está um pouco... Ele tem alguma autonomia, ele tem um carro que é todo adaptado, mas ele é cercado de gente. Ele tem o luxo de ter gente em volta dele. Agora, recentemente, ele disse "eu sou um sortudo. Não tenho os problemas que os cadeirantes têm". Porque ele vai e tem um staff que resolve tudo.

ÉPOCA – A mãe dele está morando com ele, né?
Roberto – Está, é ela quem está organizando a casa.

ÉPOCA – E os filhos moram lá?
Roberto – Moram lá.

Pedro – Há várias formas de se olhar a intimidade.

ÉPOCA – Você quiseram falar mais sobre a vida artística dele, em vez da pessoal?
Roberto – A gente quis fazer uma mistura das duas coisas. Essa mudança, esse baque, como a família reagiu, como os amigos reagiram...

Pedro – As coisas se misturam quando fala de Herbert, a vida artística e a vida pessoal. As músicas dele são fruto de uma experiência pessoal dele. Pouca gente se expõe assim como ele. Por isso que toca fundo as pessoas, porque fala do coração.
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ÉPOCA – Por isso a música dele é tão importante para ele, ele é tão viciado...
Pedro – Exatamente. Se ele está dando uma entrevista, estará com uma guitarrinha aqui, vai te responder em música, ou cantar alguma música que lembrou. É algo que não é dissociado. Talvez soe meio "poxa, o cara só toca, só faz música". Mas é isso um pouco.

Roberto – Ele é obsessivo, é uma marca dele. Ele fala lá atrás no filme que sua capacidade de trabalho é maior que o talento. Por exemplo, antes ele não cantava bem. Era um puta compositor, de uma puta banda... Era como o Chico Buarque, que tem um estilo e tal. Mas hoje em dia ele canta melhor, ele pratica um pouco mais do que ele praticava.

ÉPOCA – Talvez ele preste mais atenção agora. Ele mesmo disse que nunca tinha prestado atenção à plateia de tão ativo que era no palco...
Roberto – É, ele não parava quieto.

ÉPOCA – De modo geral, como você vê o Herbert hoje em relação ao passado? Qual as diferenças?
Roberto – As diferenças são grandes, não só dele, mas de todo mundo que está em volta, até fãs. Porque esse acidente foi emblemático. Vários amigos, e amigos de amigos, começaram a repensar um pouco a maneira como viviam, com uma responsabilidade maior. Ele ganhou um monte de coisas e perdeu um monte de coisas. O Herbert é mais aberto hoje em dia, talvez, mais direto do coração. Acho que ele perdeu um pouco da proteção que ele tinha. Hoje em dia ele vai mais de coração aberto. É outro Herbert. Ele perdeu um pedaço da memória. Dizem, no documentário, que antigamente ele não gostava (da expressão) "fazer amor" (em letra de música), e agora ele usa. Está mais próximo de ele ser ele mesmo. O Herbert tinha uma censura maior, pensava... e agora ele vai de coração aberto. E após o acidente ele não sabia quem era, o tamanho que ele tinha. E teve a noção do personagem que era de uma maneira mais distanciada. Ele começou a ser ele e ficar um pouco mais em casa, com as crianças, e ter o personagem Herbert.

ÉPOCA – Viver as duas coisas de uma maneira mais saudável?
Roberto – Exatamente, se preservando mais.

ÉPOCA – E, você, Pedro, como foi trabalhar com um ídolo da infância e adolescência?
Pedro – Foi incrível, foi uma descoberta de um grande ser humano. Foi muito legal, sem querer adjetivar, mas foi muito enriquecedor para mim, para a minha história como pessoa. Descobrir também a incrível musicalidade que eu não sabia que ele tinha. Ele é um grande compositor e tem uma relação tão visceral que você percebe que nada é à toa. Tantas músicas boas, tanta coisa que ele produziu. E ver como a obstinação e um foco e a força, a força de viver. E isso está não só depois do acidente, como na década de 90, está nas primeiras imagens e nos primeiros depoimentos, está impregnado em todo lugar, e no material bruto. E ainda mais na edição final. Isso também foi uma grande descoberta. Eu fui, eu deixei e voltei a ser fã de novo. Voltei a acompanhar os seus trabalhos.

A humanidade é bipolar


Para Wolfgang Sperling, a recessão e a pandemia são só sintomas de uma doença coletiva global
Peter Moon

O vírus da gripe suína surgiu num momento auspicioso – para o vírus, é claro. O agente causador da pandemia iniciou seu assalto à humanidade em abril, no México. Seis meses antes, a quebra do banco americano Lehman Brothers aprofundou a maior crise econômica em 80 anos. Se o mundo não estivesse em recessão, talvez o surto de gripe não tivesse virado pandemia, diz o psiquiatra alemão Wolfgang Sperling, na revista Medical Hypothesis. Sperling culpa os novos meios de comunicação. A rapidez com que a imprensa noticiou a falência do Lehman e o surto no México gerou ondas globais de pânico, só comparáveis à alegria gerada pelos primeiros sinais de retomada. Esse fenômeno faz a população oscilar entre a euforia e a depressão. “Se a humanidade fosse um paciente, ela seria bipolar.”

ENTREVISTA - WOLFGANG SPERLING

Divulgação QUEM É
Wolfgang Sperling, de 45 anos, é psiquiatra e professor na Clínica Psiquiátrica e de Psicoterapia da Universidade de Erlangen-Nürnberg, em Erlangen, na Alemanha

O QUE FAZ
Sperling pesquisa os efeitos epidemiológicos do alcoolismo e dos distúrbios de comportamento, como a síndrome do pânico, a desordem bipolar e a esquizofrenia

O QUE PUBLICOU
É autor e coautor de 70 artigos em mais de 20 publicações científicas como Alcohol and Alcoholism, Medical Hypothesis e Neuropsychobiology

ÉPOCA – Como o senhor vê a reação global à quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008?
Wolfgang Sperling – O que houve foi um efeito dominó. A quebra do Lehman Brothers desencadeou uma reação em cadeia global de pânico nos mercados financeiros, levando à quebra de outros bancos, e assim por diante. Tudo se deu muito rápido. Em questão de minutos, a onda de pânico deu a volta ao mundo, atingindo praticamente todas as pessoas com conexão à internet. Quando se analisa aquela reação em cadeia global, percebe-se que as novas mídias tiveram papel crucial na crise. O Lehman Brothers foi apenas a primeira pedra. A culpa da crise é dos meios de comunicação.

ÉPOCA – O senhor diz que a pandemia é uma consequência da crise. Como assim?
Sperling – Eu enxergo a pandemia como um efeito indireto da crise global. O novo vírus influenza A(H1N1) surgiu no México, em abril. Apesar de não ser mais perigoso que o vírus da gripe comum, o H1N1 deu origem a uma pandemia. O que explica a eclosão da pandemia é a existência de uma conexão entre o surgimento do H1N1 e a crise mundial. Essa conexão são os meios de comunicação.

ÉPOCA – É uma hipótese muito ousada.
Sperling – Não, não é. Há precedentes. Esta não é a primeira vez que uma pandemia sucede a uma crise econômica. Quem se lembra da síndrome respiratória aguda grave (Sars, de suas iniciais em inglês), uma forma letal de resfriado que matou 800 pessoas na China e no Canadá, em 2003? A Sars foi a primeira pandemia do século XXI. Ela ocorreu após o estouro da bolha da internet, em 2000, e os ataques de 11 de setembro de 2001. Hoje, temos a gripe suína.

ÉPOCA – Mas qual é o papel dos meios de comunicação nessa história?
Sperling – Eu não conseguia entender como podíamos ter duas pandemias num espaço tão curto de tempo. A resposta veio quando analisei os aspectos econômicos e tecnológicos da questão. No mundo globalizado, as pessoas viajam de um continente para outro em menos de um dia. Elas estão conectadas 24 horas por dia. As condições estavam dadas para que os meios de comunicação pudessem incendiar o planeta com a notícia da quebra do Lehman. Fizeram o mesmo com o H1N1. Não importa o lugar, Alemanha, Brasil ou Fiji, todos sabem o que é a gripe suína. Há cem anos, ninguém saberia.

ÉPOCA – Ainda não está clara qual seria a conexão entre a crise e a pandemia.
Sperling – A primeira vez que uma crise mundial e uma pandemia ocorreram em sucessão não foi em 2009, com o H1N1, nem em 2003, com a Sars. Foi no fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o pior conflito que a humanidade viveu até então. A Grande Guerra foi o primeiro evento global, que conectou todo o planeta. Em 1918, após quatro anos de conflito e 10 milhões de mortos, as pessoas estavam cansadas, famintas, sem esperança. Os milhões de soldados nas trincheiras da Europa tinham vindo de todos os cantos do mundo e não queriam mais lutar. Não viam sentido no conflito. Foi quando eclodiu a Gripe Espanhola de 1918. Ela deu a volta ao mundo em seis semanas, mas a população só soube disso muito depois. A diferença entre 1918 e 2009 é que hoje, graças às telecomunicações, nossa sociedade é transparente. Sabemos o que ocorre do outro lado do mundo em tempo real. A crise bancária foi um produto dessa sociedade transparente.

ÉPOCA – O crash da Bolsa de Nova York, em 1929, não antecedeu a uma pandemia.
Sperling – É, mas o crash de 1929 talvez tenha sido mais localizado. Não foi uma crise global que contaminou todos os mercados financeiros, pois eles não eram interligados como hoje. Em tempos de globalização, se um banco alemão tem problemas de caixa, isso pode refletir imediatamente em bancos no Brasil. Não foi assim em 1929. Por isso, aquela crise não pode ser comparada à de hoje.

ÉPOCA – Mas recessões e guerras são eventos independentes de uma pandemia.
Sperling – Não, não são. Graças às telecomunicações, todo o mundo sabe tudo o que acontece o tempo todo. Esse bombardeio de informações cria sentimentos de euforia e de depressão. Na medicina, um paciente que alterna estados de euforia e depressão sofre de síndrome bipolar. Emoções semelhantes estão por trás dos movimentos de alta e baixa do mercado acionário. Não é novidade. Em 1996, Alan Greenspan, o então presidente do Federal Reserve (o banco central americano), alertava para o risco do que chamou de “exuberância irracional dos mercados”. Era o período de euforia da bolha da internet. Quando ela estourou, em 2000, a euforia deu lugar à depressão. É o que vemos hoje. O incrível é que o sentimento de depressão que se alastrou pelo mundo há um ano já está sumindo. As Bolsas voltaram a subir – sem razão aparente alguma. É o mesmo processo. Ninguém pode detê-lo. O mesmo se dá com a pandemia. Não se pode contê-la. Essa é a conexão entre dois eventos muito diferentes, um na esfera econômica, o outro na esfera da saúde. A humanidade sofre de síndrome bipolar global.

"A humanidade começa a manifestar claramente momentos
de alternância emocional entre a euforia e a depressão"

ÉPOCA – Síndrome bipolar global (SBG)?!?
Sperling – A síndrome bipolar é a alternância brusca entre dois sentimentos muito diferentes que causam ansiedade. De um lado, temos as emoções ligadas ao estado de depressão. De outro, aquelas ligadas ao estado de euforia, o que chamamos de manias. Para mim, a humanidade começa a manifestar claramente momentos de alternância emocional entre a euforia e a depressão.

ÉPOCA – A humanidade está doente?
Sperling – A psicose bipolar é uma forma de doença psiquiátrica. Se olharmos os acontecimentos dos últimos anos, veremos que a SBG é o fator definidor de tudo o que vem acontecendo no mundo – não só na órbita da economia. Esse fenômeno faz parte das transformações causadas na sociedade pelo advento dos novos meios de comunicação.

ÉPOCA – Quais são os sintomas da SBG?
Sperling – Os principais sintomas são uma ansiedade incontrolável e a dificuldade de reagir de modo adequado aos problemas. No limite, os sintomas se assemelham aos de um paciente com síndrome do pânico. Quem sofre de pânico escolhe fugir dos problemas, deixar tudo para trás. Jamais enfrenta a situação que causa o pânico para buscar uma solução. Na SBG acontece o mesmo. Quando um banco quebra, todos saem correndo.

ÉPOCA – Então, a SBG seria a conexão entre a crise global e a pandemia?
Sperling – Sim, mas de forma indireta. O sentimento global de depressão age como um facilitador para o advento da pandemia. Há uma relação clara entre os humores da economia e a saúde pública. Vivemos numa sociedade de consumo, materialista. Todos sabemos como a falta de dinheiro pode fazer mal à saúde. Ela atrapalha nossos relacionamentos, causa tensão, ansiedade e insônia. Está provado que o aumento dos níveis de estresse está relacionado a uma redução na capacidade de defesa do sistema imune. Logo, é razoável supor que uma crise econômica mundial afete o sistema imune de centenas de milhões de pessoas. E é quando a humanidade está com a saúde fragilizada que eclodem as pandemias.

ÉPOCA – Há cura para a SBG?
Sperling – Precisamos criar alguma forma de terapia global. Por analogia, há vários meios para tratar um paciente com pânico. Usam-se remédios com a função de acalmá-lo. Não por acaso, acalmar os mercados é a prescrição usada pelas autoridades para deter o efeito manada nos momentos de pânico. O mesmo se aplica aos meios de comunicação. Acalmar a mídia significa dizer: “Não reajam tão rápido, alardeando o mundo de que há uma nova crise. Esperem!”.

ÉPOCA – Isso é censura.
Sperling – Se quisermos interromper esse comportamento irracional coletivo, será preciso agir com despotismo. Esse é o problema que devemos enfrentar.