terça-feira, 23 de junho de 2009

Entenda quem é quem na política iraniana

O aiatolá Ali Khamenei seria partidário de Ahmadinejad.
O líder supremo do Irã é a figura mais poderosa do país.

Ele nomeia o chefe do Judiciário, seis dos 12 membros do Conselho dos Guardiões, os comandantes de todas as Forças Armadas, líderes das orações das sextas-feiras e o chefe da rádio e da televisão estatais. Ele também confirma o resultado da eleição presidencial.

Khamenei foi figura-chave na Revolução Islâmica e um confidente próximo do aiatolá Khomeini, fundador da República Islâmica. Ele foi presidente do Irã entre 1981 e 1989 antes de se tornar líder supremo em caráter vitalício.

Presidente Mahmoud Ahmadinejad


Ahmadinejad já foi prefeito de Teerã
Mahmoud Ahmadinejad, na Presidência do Irã desde 2005, esteve ativamente envolvido na Revolução Islâmica e foi um dos fundadores do grupo estudantil que ocupou a embaixada dos Estados Unidos em Terã em 1979. Ele nega ter sido um dos sequestradores de reféns americanos feitos à época por revolucionários na embaixada.

Ahmadinejad foi um dos primeiros não integrantes do clero a ser eleito presidente do Irã desde 1981, ao derrotar o então presidente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, em eleições em junho de 2005.

É linha-dura tanto em casa - onde não aprova o desenvolvimento ou reforma de instituições políticas - como no exterior, onde tem mantido uma postura anti-Ocidente e atitudes combativas no que se refere ao programa nuclear do Irã.

Muito do apoio que recebe vem de setores mais pobres e religiosos da população iraniana. A maior parte dos que o apóiam vive fora da capital, Teerã.

Houssein Mousavi


Mousavi fez campanha junto com sua esposa, algo incomum no Irã
O ex-primeiro-ministro, com 68 anos de idade, está fora da política há alguns anos, mas retornou para concorrer como um candidato moderado.

Ele nasceu no leste do Azerbaijão e se mudou para Teerã para estudar arquitetura.

É casado com Zahra Rahnavard, ex-chanceler da Universidade de Alzahra e assessora política do ex-presidente iraniano Mohammad Khatami.

Um dos seus aliados mais próximos nessa eleição foi Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, ex-presidente do Irã, hoje à frente de dois dos órgãos mais importantes do governo: o Conselho de Expediência, que julga disputas sobre legislação, e a Assembléia de Especialistas, que nomeia e, em teoria, substitui, o líder supremo.

Os reformistas


Khatami é amigo e conselheiro de Houssein Mousavi
O movimento de reforma iraniano é um movimento político liderado por um grupo de partidos políticos e organizações que apóiam os planos de Mohammad Khatami de introduzir maior liberdade e democracia.

Em 1997, Khatami foi eleito presidente com promessas de de maior liberdade de expressão, assim como medidas para combater o desemprego e acelerar privatizações. Entretanto, muitas de suas medidas de liberalização foram bloqueadas pelas instituições conservadoras do país. Khatami concorreu inicialmente às eleições de 2009, mas depois se retirou da disputa e apoiou Hossein Mousavi.

Outras figuras importantes do movimento pró-reforma são Hossein Mousavi, Mohsen Mirdamadi, Hadi Khamenei, Mohsen Aminzadeh e Mostafa Tajzadeh.

A Guarda Revolucionária e o Exército


A Guarda Revolucionária tem influência na polícia do Irã
As Forças Armadas são compostas pela Guarda Revolucionária e pelas forças comuns, todas sob um comando geral único.

O Corpo da Guarda da Revolução Islâmica do Irã foi criado logo após a revolução para defender o sistema islâmico do país e para oferecer um contrapeso para as Forças Armadas. Desde então, tornou-se uma importante força militar, política e econômica no Irã, com fortes vínculos com o líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, e o presidente Mahmoud Ahmadinejad, um de seus ex-membros.

Calcula-se que a força tenha 125 mil tropas ativas. Ela tem suas próprias tropas terrestres, marinhas e aéreas, e controla as armas estratégicas do Irã.

A guarda também tem uma presença poderosa em instituições civis e, acredita-se, controla cerca de um terço da economia do Irã por meio de uma série de subsidiárias.

As milícias


As milícias Basij servem como força auxiliar no Irã
A Guarda Revolucionária também controla a Força de Resistência Basij, uma milícia voluntária islâmica com cerca de 90 mil homens e mulheres e capacidade adicional de mobilizar quase um milhão de pessoas.

Em tempos de crise, a Basij, ou Mobilização dos Oprimidos, é chamada com frequência às ruas para acabar com a discórdia por meio da força. Ela possui núcleos em todas as cidades do país.

O clero


Clérigos conservadores têm papel político importante no Irã
O clero domina a sociedade iraniana.

Apenas membros do clero podem ser eleitos para a Assembléia dos Especialistas, que nomeia o líder supremo, monitora sua atuação e pode, em teoria, retirá-lo do cargo se ele for considerado incapaz de cumprir suas funções. Atualmente, a assembléia é chefiada pelo aiatolá Ali Rafsanjani, tido como um conservador pragmático.

O ex-presidente Mohammad Khatami acusou o clero de bloquear as reformas e alertou para os perigos do "despotismo religioso"

O clero também domina o Judiciário, que é baseado na lei islâmica, ou sharia.

Nos últimos anos, conservadores de linha-dura vêm usando o sistema Judiciário para minar reformas, aprisionando personalidades reformistas e jornalistas, assim como fechando jornais pró-reformas.

Análise: Crise no Irã vai além do resultado das eleições

A crise após as eleições presidenciais no Irã se desenvolveu em uma velocidade tão vertiginosa que ainda é difícil entender as suas possíveis implicações. Até cerca de duas semanas atrás, o presidente Mahmoud Ahmadinejad podia alegar que o Irã era um país "quase completamente livre".

Já havia céticos então. Agora, a imprensa estrangeira no país está sendo obrigada a trabalhar sob algumas das mais duras restrições do mundo.

Cabe perguntar onde esta crise pode chegar e o que quer a oposição.

Até o momento, os manifestantes iranianos exigem apenas uma coisa: a convocação de novas eleições, já que eles acreditam que o opositor Mir Houssein Mousavi teria vencido o pleito da semana passada, enquanto os resultados oficiais apontam para uma vitória de Ahmadinejad.

Quando os manifestantes gritam nas ruas "morte ao ditador", não dizem a quem exatamente estão se referindo. Eles podem não apenas estar se dirigindo ao presidente Ahmadinejad, mas também ao líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei.

Mesmo assim, isto não é um desafio aberto ao sistema islâmico que governa o país desde a Revolução de 1979, pelo menos até agora.

As mulheres que participam dos protestos, por exemplo, ainda não estão tirando os véus que cobrem suas cabeças, embora muitas não gostem de ser obrigadas a usá-los.

Os manifestantes também costumam gritar "Deus é grande", querendo ressaltar que eles são tão religiosos quanto aqueles que apoiam o governo.

Dignidade e prisões
O governo reage aos protestos com uma exibição de dignidade ferida, como se a ideia de que ele pudesse ter fraudado as eleições fosse impensável, embora a oposição veja a fraude como bastante evidente.

Embaixadores estrangeiros são convocados um a um e censurados até mesmo por ousarem criticar a morte de manifestantes.

Enquanto isso, as autoridades enviam seus "brutamontes", os Basijis - membros da milícia pró-governo - para intimidar os oposicionistas.

Dormitórios estudantis são revirados, manifestantes são detidos durante os protestos.

Blocos de apartamentos de onde os iranianos gritam palavras de ordem são invadidos e carros destruídos.

A onda de prisões chegou a um ponto em que até um dos mais próximos assessores do aiatolá Khomeini, Ebrahim Yazdi, foi detido.

Até agora, nenhuma decisão foi tomada pelo governo para realmente controlar a crise, mas isto deve acontecer cedo ou tarde.

Luta de gigantes
Enquanto isso, uma disputa de poder está acontecendo no topo do sistema iraniano.

O aiatolá Ali Khamenei apostou sua carreira política no apoio inequívoco à vitória do presidente Mahmoud Ahmadinejad nas eleições.

Khamenei tem muitas cartas nas mãos. Ele é o comandante supremo das Forças Armadas, além de ser apoiado fielmente pelo Conselho dos Guardiões, que está revisando os resultados do pleito.

Até agora, ninguém ousou questionar sua autoridade, pelo menos não abertamente.

Mas, do outro lado, está o ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani, que tem apoiado as campanhas oposicionistas.

Desde o início da campanha, ficou claro que ele desejava se vingar de Ahmadinejad, que o venceu nas eleições presidenciais de 2005.

Além disso, há provavelmente uma rivalidade mais profunda com o líder supremo do país. Rafsanjani apoiou Khamenei quando ele sucedeu Khomeini, em 1989.

Esta rivalidade veio à tona quando, durante um debate televisionado, Ahmadinejad acusou a família de Rafsanjani de corrupção.

Muitos iranianos acreditam que as acusações podem ser verdadeiras, mas maneira como foram feitas por Ahmadinejad causaram escândalo.

A acusação fez com que Rafsanjani escrevesse uma carta sem precedentes para o líder supremo, pedindo que ele agisse a respeito e fazendo ameaças.

Rafsanjani escreveu que, se nada fosse feito, "os vulcões que queimam dentro de peitos flamejantes aparecerão na sociedade, como vemos nas reuniões a que assistimos nas ruas, praças e universidades".

Estas "chamas", disse Rafsanjani na carta, podem se "espalhar pelas eleições e além delas".

Akbar Hashemi Rafsanjani também tem armas poderosas.

Ele é o líder da Assembleia dos Especialistas, o grupo de clérigos responsável por eleger, supervisionar e até substituir o líder supremo do país.

Uma ação do grupo contra Khamenei seria inédita. Mas Rafsanjani recentemente foi reeleito para o cargo com uma grande maioria. Além disso, Khamenei também tem muitos inimigos entre os clérigos.

Rafsanjani também lidera o Conselho de Discernimento, que é responsável por mediar as disputas entre os órgãos do governo.

Além disso, a conhecida riqueza de Rafsanjani não pode ser subestimada.

Futuro
Pode ser que existam partidários do governo que estejam ficando encorajados pelas manifestações, mas há também muitos que têm uma adoração genuína por Ahmadinejad.

Entre os oposicionistas, a crise após as eleições fez com que anos de frustração contra o sistema viessem à tona.

Os dois lados podem estar discutindo agora a questão das eleições. Mas a verdadeira discussão é sobre o futuro do Irã. Esta é uma batalha importante, gigantesca, cujo resultado ninguém pode prever.

Da BBC Brasil Direto para o Mensageiro da Realidade

O começo dos anos 80 não foi nada propício para o rock.

O que dominava era a MPB de FM, e apesar da relativa abertura política, a sombra da repressão e a censura desanimavam que tentava ser mais ousados. O "som jovem" que rolava era o pop-rock de gente como Guilherme Arantes, Marina, Ney Matogrosso, 14 Bis, Eduardo Dusek, Baby Consuelo, Pepeu Gomes, A Cor do Som e Rádio Táxi. Mas ainda assim a rapaziada queria que temas como amor, diversão, trabalho e família fossem tratados de forma mais clara. Com o rock básico e os cabelos curtos e espetados da new wave, o Rock Brasil começa a se renovar no início da década. Ligado nas novidades, o jornalista e discotecário Júlio Barroso fundou a Gang 90 & As Absurdetes, no Rio de Janeiro. O estouro aconteceu no Festival Shell de MPB de 1981, quando tocaram "Perdidos na Selva", um reggae que fala de um acidente de avião com final feliz. Era só uma mostra do que estaria por vir nos próximos anos. Seguindo os mesmo passos da Gang 90, o integrante do grupo de teatro carioca Asbrúbal Trouxe a Irreverência, Evandro Mesquita, junto com o baterista Lobão, tiveram a idéia de montar uma banda de rock teatral. O nome da banda foi dado por Lobão: Blitz, já que eles sempre eram parados pelas batidas policiais. A banda trouxe junto ao humor praieiro do grupo Asdrúbal um rock básico e uma dupla de belas vocalistas, Márcia Bulcão e Fernanda Abreu. No verão de 1982 abriu na praia do Arpoador um espaço para shows: o Circo Voador, aonde a banda se apresentou inúmeras vezes. Em junho do mesmo ano, a Blitz gravou um compacto com a música "Você Não Soube Me Amar", que vendeu 100 mil cópias em 3 meses. Em setembro foi lançado o disco "As Aventuras da Blitz", o que transformou a banda em fenômeno nacional, mas um pouco depois do lançamento do disco, Lobão deixa a banda para lançar seu primeiro disco solo, "Cena de Cinema", aonde começa uma das mais importantes carreiras do rock brasileiro, de um artista sempre inconformista. Ainda em 1982 apareceriam outros artistas de relevância do Rock Brasil, como Eduardo Dusek com seu disco "Cantando no Banheiro", que contava com a participação de uma banda carioca que fazia um rock estilo anos 50 com muito bom humor: João Penca & Seus Miquinhos Amestrados, que tinha entre seus integrantes um excelente compositor, Léo Jaime, que escreveu o sucesso do disco, "Rock da Cachorra". João Penca seguiria depois sem Dusek e sem Léo Jaime, que fez uma carreira solo de sucesso. No mesmo ano ainda surgiria Lulu Santos, Barão Vermelho (que não foi tão bem acolhido na época) e a Rádio Fluminense, grande divulgadora das fitas e dos discos dos artistas do rock nacional. Paralelamente, em São Paulo, ocorria o festival "O Começo do Fim do Mundo", com bandas punk como Inocentes, Ratos de Porão, Cólera e Olho Seco. Em 1983, o rock já havia ganho seu espaço na Música Popular Brasileira (MPB), fazendo com que as gravadoras perdessem o medo de contratar bandas deste gênero. Foi lançado o disco "Rock Voador" (parceria do Circo Voador com a rádio Fluminense), que revelou o Kid Abelha e Seus Abóboras Selvagens. Uma das bandas que tinha sua fita divulgada na rádio, Os Paralamas do Sucesso, gravaram um compacto que, com seu relativo sucesso, levou a gravar no fim do ano seu primeiro disco, "Cinema Mudo". Mas quem arrebentaria um sucesso naquele ano foi um inglês, chamado Ritchie, com a música "Menina Veneno", cujo compactoo vendeu mais de 800 mil cópias, levando o cantor a gravar um disco, Vôo de Coração, que vendeu mais de 1 milhão de cópias, batendo naquele ano até o grande recordista de vendas da gravadora, Roberto Carlos. O Rock Brasil ganhava respeito comercial. Fenômeno predominando o Rio de Janeiro, o rock começa a ferver também em São Paulo em 83. A cidade já estava sendo sacudida pelos punks e também pela música de vanguarda (Arrigo Barnabé, Premeditando o Breque, Língua de Trapo), revelou uma das grandes bandas do rock brasileiro: os Titãs, um octeto que misturava new-wave e tropicalismo com o rock e ficava cada vez mais popular. Ainda tinha bandas do rock paulistano como Magazine (tendo Kid Vinil como um dos integrantes), o pós-punk Ira! e a irreverência do Ultraje a Rigor. 1984 foi o ano de grandes lançamentos em disco. "Titãs" (seu primeiro disco), "Seu Espião" (estréia do Kid Abelha), "O Passo do Lui" (segundo disco dos Paralamas), "Tudo Azul" (Lulu Santos), "Ronaldo Foi Pra Guerra" (Lobão), "Maior Abandonado" (último disco do Barão com o vocalista Cazuza) e "Phodas 'C'" (Léo Jaime). As bandas cada vez mais apareciam em programas de auditório na TV e até no cinema, com o filme "Bete Balanço", com música-tema do Barão Vermelho. Se até então o Rock Brasil tinha uma cara romântica e idealista, iria mudar apartir de janeiro de 1985, graças a um evento: o Rock In Rio 10 dias de muito som num terreno na Barra da Tijuca, no maior concerto de rock de todos os tempos, com um público aproximado de 1 milhão e meio de pessoas. Ao lado de grandes nomes da música mundial da época, como Queen, Iron Maiden, Ozzy Osbourne, Scorpions, Yes, AC/DC, entre outros, estavam artistas consgrados da MPB e a nova rapaziada: Blitz, Barão Vermelho, Os Paralamas do Sucesso, Lulu Santos e Kid Abelha. No maior palco de suas carreiras iniciantes, as bandas não tremeram na base. O resultado foi que o rock entrou de vez na música brasileira, as bandas internacionais incluíram o Brasil em suas turnês e os nossos roqueiros aprenderam muito com verdadeiros profissionais da música. O jovem público viu as bandas nacionais fazerem bonito junto aos ídolos estrangeiros e ainda presenciaram a eleição de Tancredo Neves como o primeiro presidente civil do país desde o golpe militar de 1964. O Rock Brasil emergiu desde então, com um jeito ousado, contestador e geograficamente disperso. De São Paulo apareceu dois dos maiores êxitos comerciais do ano. Um deles, "Nós Vamos Invadir Sua Praia", álbum de estréia do Ultraje a Rigor, que tinha a música "Inútil", que foi tocada pelos Paralamas no Rock In Rio e comentada pelo senhor Diretas Já Ulysses Guimarães, causou um certo comentário sobre sua letra. Quase todas as músicas foram sucesso no rádio. O outro êxito foi o RPM, com a música "Louras Geladas" estourada nas rádios, lançou o disco "Revoluções Por Minuto", que teve várias outras faixas de sucesso. O empresário Manoel Poladian foi responsável por uma super produção para a banda: o show "Rádio Pirata". Nunca se havia visto nada igual no Brasil: efeitos de raio laser, gelo seco e sofisticado equipamento de som. O show percorreu o Brasil, aumentando cada vez mais a popularidade do grupo, que foi forçado pela gravadora a gravar um álbum ao vivo, com a versão de "London, London" (de Caetano Veloso) que já começava a tocar nas rádios. Lançado em 1986, "Rádio Pirata Ao Vivo", tornou-se o recordista de venda de todos os gêneros no Brasil: 2,2 milhões de cópias. Em pouco tempo, com toda a pressão de sua popularidade e o uso abusivo de drogas, o grupo gravou mais 1 álbum e acabou sem muito alarde em 1989. Em 1º de Janeiro de 1985, uma banda de Brasília lançava seu disco de estréia - um disco que marcaria a história do nosso rock. Legião Urbana mostrava ao país a poesia de Renato Russo, em letras que mostrava os anseios, medos e reivindicações de uma geração. Conhecida pela música Química (que os amigos Paralamas gravaram em seu primeiro álbum), a Legião ganhou o público com aquele disco cheio de energia rock´n´roll e sentimentos à flor da pele. Era a primeira das bandas de Brasília influenciada pelo punk-rock, que tomariam conta da mídia. As outras foram Capital Inicial e a Plebe Rude. Também de origem punk e fora do eixo Rio-São Paulo, os baianos do Camisa de Vênus, liderada por Marcelo Nova, apareceriam em 1985. Depois de um álbum sem repercussão, ganharam seu lugar com o som "Eu Não Matei Joana D´arc". Depois disto o país chegou a conhecer outras músicas como "Bete Morreu" e o "Adventistas", de seu álbum anterior. Em São Paulo, os ecos do punk seriam responsáveis por uma outra banda de talento a aparecer, com seu álbum de estréia, Mudança de Comportamento: o Ira!, do guitarrista Edgard Scandurra (um dos melhores do Brasil até hoje) e o vocalista Nasi. Enquanto isso o underground paulistano fervia, com bandas inspiradas no pop-rock inglês. Luiz Calanca lançou neste mesmo ano o selo Baratos Afins, que lançou os discos de todo esse underground paulistano, antecipando em pelo menos 10 anos a realidade dos pequenos selos que ajudaram a fazer o rock alternativo um fenômeno. No Rio de Janeiro, houve uma separação no Barão Vermelho, saindo Cazuza para sua bem sucedida carreira solo, e o guitarrista Roberto Frejat assumindo os vocais. Tivemos ainda no Rio o lançamento de excelentes disco. "Sessão da Tarde", de Léo Jaime, que voltava ao rock dos anos 50 e à Jovem Guarda; "Educação Sentimental", segundo disco do Kid Abelha e no fim do ano o disco-solo de Cazuza. 1986 foi o ano da consolidação artística e da fartura de lançamentos. Graças ao Plano Cruzado e a explosão de consumo que ele causou, as gravadoras contratavam qualquer banda que cheirasse a rock. A coletânea "Rock Grande do Sul", só com bandas de Porto Alegre revelou os Engenheiros do Hawaii, que no mesmo ano lançou seu disco de estréia com o irônico título "Longe Demais das Capitais". E com a música "Surfista Calhorda", Os Replicantes com influência punk-hardcore, lançaram seu disco: "O Futuro é Vortex". Também estrearam naquele ano os cariocas do Biquíni Cavadão ("Cidades em Torrente"), a Plebe Rude ("O Concreto Já Rachou"), Capital Inicial ("Capital Inicial") e os Inocentes ("Pânico em SP", primeiro disco do punk brasileiro a sair por uma grande gravadora). Três álbuns marcaram naquele ano o Rock Brasil até hoje. Com "Selvagem?", os Paralamas fizeram uma ousada conexão Brasil-Jamaica-Inglaterra-África via música negra. "Dois", disco da Legião revelou-se mais lírico e acústico, com faixas que até hoje fazem a história da banda. Finalmente, "Cabeça Dinossauro", dos Titãs (que recentemente foi considerado o melhor disco do Rock Brasil), que deram uma guinada punk em sua música, que mais pareceria um risco, mas que deu bons resultados artisticos e comerciais para a banda. A boa fase do rock nacional continuaria em 1987, com a explosão de Lobão (com o LP "Vida Bandida") e outros álbuns. "A Revolta dos Dândis" (Engenheiros), "Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas" (Titãs), "Que País é Este" (Legião) e "Sexo!" (Ultraje a Rigor). Houve a surpresa com o aparecimento do carioca Fausto Fawcett e seus Robos Efêmeros, com "Kátia Flavia". Outra surpresa foi o selo Plug, da RCA, que apostou em discos de novíssimos nomes do rock brasileiro que não faziam nada parecido com as outras bandas. Estrearam os cariocas Picassos Falsos e Hojerizah, o paulistano Violeta de Outono, os gaúchos do De Falla, TNT e o Nenhum de Nós, entre outros. Das raras exceções que deram certo, está o Nenhum de Nós, que estourou com a música "Camila, Camila", e depois em 1989, com "O Astronauta de Mármore", versão de "Starman" de David Bowie. De 1988 em diante, o Rock Brasil passa por um período de baixa, com as bandas com dificuldades para recuperar as baixas vendagens e execução. Mas mesmo assim, existe discos clássicos desta época. "Ideologia", de Cazuza, que já luta contra a Aids, e aos 16 anos de idade, Ed Motta chega com pinta de veterano, injetando soul no rock nacional, com seu disco de estréia com a Conexão Japeri. A Legião experimentou um sucesso estrondoso com "Faroeste Caboclo" naquele ano, mas viu o inverso da moeda num show em 18 de junho, no Estádio Mané Garrincha, em Brasília. Confusão total, com Renato Russo sendo atacado por um fã no palco e a polícia descendo o pau na platéia, que saiu revoltado do show (que foi interrompido). O incidente bateu forte na Legião que ainda teve a perda do baixista Negrete, que deixou a banda, mas mesmo assim, em 1989, finalizou seu quarto disco, "As Quatro Estações", com a maior vendagem em disco da banda e a maior nos últimos anos do Rock Brasil. Em 7 julho de 1989, o clima era de luto: Cazuza havia morrido e em 21 de agosto do mesmo ano, morreria Raul Seixas. Era o fim de uma era do Rock Brasil.

Revoluções nas ondas paulistanas

Se existe um disco que causou pânico em São Paulo foi Revoluções por minuto, do RPM, de 1985. Hoje, esse disco é visto por duas óticas antropológicas: trash (no sentido cool da coisa) e lixo (no sentido cu da coisa). Mas por trás desses pré-conceitos, existe um grande disco. Paulo Ricardo, Luiz Schiavon, Paulo Pagni e Fernando Deluqui cometeram um disco sintonizadíssimo com o que de mais moderno estava sendo feito no pop-rock de então. Os toques neo-romantics, o verniz new-wave, o clima pós-punk e as letras bem construídas de Paulo Ricardo - com um toque até adulto, em contraste com a temática adolescente quase dominante.

Eu ganhei o Revoluções por minuto no meu aniversário de 10 anos, de presente do meu pai – que contrabandeava eletro-eletrônicos da Zona Franca de Manaus (“pirataria nas ondas do rádio”) – junto com um gravador portátil com um deck toca-fitas e rádio am/fm. Logo de cara, fui pego com músicas como “Louras geladas” e “Revoluções por minuto”, de um apelo pop muito forte, sem serem totalmente descartáveis e bem produzidas, com um apuro instrumental inédito para o padrão. O clima remetia a um cenário de revoluções, de abertura, de juventude.

Era um disco quase onipresente (Rádio pirata ao vivo era onipresente) e toda hora você ouvia alguma em algum lugar. As garotas alucinavam quando viam Paulo Ricardo. Os homens sentiam inveja e os adolescentes – como eu – queriam ser ele. Não somente por ser um rock star, tendo as suas músicas cantadas por todo mundo, mas também por ser o sortudo que ia para casa com a modelo-ninfeta Luciana Vendramini, uma das maiores musas dos pubescentes da época.

Essas influências modernas Paulo Ricardo trouxe de Londres. Passou seis meses na terra da Rainha, em 1983, vendo shows de bandas então iniciantes, como Depeche Mode, Culture Club, Spandau Ballet, Echo & The Bunnymen... Foi vendo essas bandas que começou a delinear o ainda não batizado RPM. De Londres, começou a se corresponder com o Schiavon (lembra que já existiu um negócio chamado carta?), explicando a ligação da guitarra com o tecnopop e o new romantic.

O RPM logo causou pânico no underground paulistano, em casas como Madame Satã, Raio Lazer e Tiffon. Chegaram a ser banda residente no Satã. O RPM acabou se consolidando no underground, recebendo críticas entusiasmadas de vários jornalistas culturais respeitados na época. Poucas bandas usavam os teclados da maneira que eles, encurtando o abismo entre o progressivo e o pop. O set, mesmo curto, era puxado para o underground e muitas pessoas definiam o som do RPM na época como “um meio caminho entre Echo & The Bunnymen e Gang Of Four”.

E Revoluções Por Minuto é realmente muito bom. Tem a depressão em "Juvenilia", o rock em "A fúria do sexo frágil contra o dragão da maldade", "Estação no inferno", a agonia de "A cruz e a espada". Em seguida, lançaram um disco ao vivo, o famigerado Rádio pirata ao vivo, que vendeu milhões, causou histeria coletiva e o escambau.

Foi o primeiro disco de uma banda brasileira de rock a vender mais de um milhão de cópias. Em 1986, era item obrigatório em quase todos os lares brasileiros. De acordo com a Sony, detentora dos direitos da antiga CBS, de 86 até hoje o disco vendeu mais de 2,7 milhões de cópias. A febre fez com que o grupo iniciasse uma turnê de 15 meses ininterruptos. A estafa da estrada causou um abalo nas relações entre os quatro. Abalo que durou até o ano passado, quando tentaram mais uma volta - e enterraram, de vez, qualquer aura cult que o nome RPM poderia ter.

A invenção do jovem brasileiro moderno

O sucesso estrondoso desse disco afetou a sua aura cult. Mas, sem exagero algum, Nós vamos invadir sua praia é um dos primeiros clássicos instantâneos da música jovem brasileira. Um álbum irretocável. Que apareceu na hora certa, no momento certo, no contexto perfeito.

O Brasil vivia o início da abertura política. A ditadura já não era tão dura quanto antes, mas não era bom dar bobeira. Naquela época, entre 1983 e 85, era preciso ter cultura para mijar na escultura. Ou seja, dava para meter a boca, desde que fizesse isso com inteligência, refinamento, sagacidade, coisas que os censores não entendiam.

Musicalmente, o cenário brasileiro sentia uma efervescência, uma coceira atrás da orelha. Alguma coisa estava acontecendo, tinha gente se mexendo, acenderam o fósforo, colocaram fogo no pavio curto. Lá vinha explosão.

O jovem se preocupava, de maneiras equivalentes, com a namorada que queria sair sozinha e o deixava morrendo de ciúmes, com sua falta de auto-estima, com a decepção de uma brilhante seleção brasileira ante ao futebol pragmático (que vinha para ditar as regras do esporte bretão no mundo, mais adiante), com a vontade de votar, com uma gravidez indesejada, o bon-vivant que não quer casar, com o direito de saber escolher presidente. Diretas já, Democracia Corintiana, Sócrates, Falcão, Zico, Casagrande, Chulapa, Ulisses Guimarães, Marcelo Rubens Paiva, Partido dos Trabalhadores, Lula. O Brasil estava mudando.

E tudo isso povoava a cabeça da rapaziada. E, infelizmente, o país não ouvia nada disso no rádio. A música popular jovem praticamente não existia. O rock dava seus primeiros passos, mas ainda não tinha poder de identificação suficiente. A MPB de então, com o ego inflado, caminhava desesperadamente rumo ao erudito, ao altar das vacas sagradas, comemorando gols do passado e não fazendo por merecer toda idolatria. Esqueceu para quem falava, para quem cantava. Compunha para si mesma, não para o público. Ninguém entendia nada.

Antena privilegiada, senso crítico apurado, QI acima da média, o garoto Roger Rocha Moreira soube captar tudo que estava acontecendo, todos os temas que estavam rondando a cabeça dos brasileiros. Juntou sua banda, chamou os conhecidos, os mais chegados, e gravou o disco que faltava para aquela multidão que pedia voto e liberdade cantar em uníssono lá na Praça da Sé. “Inútil, a gente somos inútil”.

Em 13 de janeiro de 1984, o principal nome das campanhas da Diretas, conhecido como Sr. Diretas em pessoa, deputado federal Ulysses Guimarães, declarou que ia mandar o compacto de "Inútil" para o presidente João Figueiredo. A letra dizia, entre outras coisas, que "a gente não sabemos escolher presidente / A gente não sabemos tomar conta da gente". A citação ratificava o jovem rock nacional como trilha sonora da década.

Sem querer (querendo), Roger compôs alguns hinos de sua geração. Nós vamos invadir sua praia é mais do que um disco de carreira, é um verdadeiro “grandes sucessos”. Da faixa 01 a 11, com exceção de “Jesse Go”, todas tocaram muito no rádio e todos nós cantamos junto. O disco certo na hora certa.

Na verdade, o disco, lançado em 85, já estava na cabeça de Roger há algum tempo. Já amargara uma inesperada “geladeira” em 1983 quando o compacto de “Inútil” (com “Mim Quer Tocar” no lado b) foi lançado e a canção já se havia se tornado um grande sucesso e tema das Diretas. Nesse meio tema, o guitarrista Edgard Scandurra (autor do brilhante riff de abertura da música) saiu da banda para se dedicar inteiramente ao Ira! e a formação do Ultraje se estabilizou com Roger (vocal, guitarra, sax alto), Carlinhos (guitarra), Maurício (baixo e vocal) e Leôspa (bateria e percussão).

No ano seguinte, lançaram outro compacto, com "Eu me amo” / ”Rebelde sem causa". "Eu me amo" foi bem nas rádios, impulsionado um pouco pela polêmica coincidência de refrões com a música “Egotrip”, da Blitz. Mas foi o lado b do compacto que começou a tocar nos primeiros meses de 85 e que detonou a explosão do Ultraje. Aí o produtor Liminha se convenceu de que era hora de lançar um disco “cheio”.

E acertou na mosca. Nós vamos invadir sua praia foi o primeiro LP de rock nacional a conseguir discos de ouro e platina. O primeiro sucesso foi “Ciúme”, faixa 5 do LP e talvez o maior hit single já composto em língua portuguesa. Os valores estavam mudando, o Brasil estava mudando, e as mulheres brasileiras começavam a gozar, muito mais livremente, de direitos conquistados no mundo no começo dos anos de 1970. As mulheres já tomavam a iniciativa, ocupando cargos importantes e influindo diretamente no relacionamento. Diante disso, os defeitos de todos os homens ficavam escancarados: machismo, insegurança, “direito de posse”. Todo mundo se identificou: os homens e as mulheres. E todos cantaram juntos, “mas eu me mordo de ciúme”, e tudo se resolveu.

Com isso, Roger e o Ultraje penetravam (ops!) na classe jovem e estabeleciam um novo tipo de artista na música brasileira. O artista “gente como a gente”. Os quatro do Ultraje pareciam sofrer dos mesmos problemas que atingiam todo mundo, encaravam os obstáculos com bom humor, tiravam sarro de si mesmos e falavam na língua que todos entendiam.

E usavam do humor. Sutil, ácido, tipicamente paulistano – diferente do deboche escrachado carioca, estampado na Blitz. Um humor que vem de uma tradicional escola paulistana, de Joelho de Porco e Premeditando o Breque. Tem muito dessas duas bandas na letra de Roger.

Talvez, seja por isso que deu tão certo. Poucos conhecem rock como Roger. Tudo de bom que o gênero produziu – e derivados - pode ser ouvido em “Nós vamos invadir...”. Rockabilly, new wave, punk, mod, reggae, Chuck Berry, Beach Boys, Beatles, Clash e Pistols. E, graças a Deus, Roger é brasileiro. Tem a malandragem do samba paulistano, a melancolia do compositor de rua, dos bares. Irresistível.

E veio a cachoeira de sucessos. “Rebelde sem causa” criticava duramente a classe média branca que não tinha contra quem se rebelar, já que tinha tudo e não precisava sofrer para conquistar nada. Mesma classe que Roger pertencia.

A falta de lugares e apoio para novos músicos, a dureza do underground vinha em “Mim quer tocar”, sonhando ainda com uma utópica era em que se poderia ganhar dinheiro com música. Havia a monogamia e a vontade de ficar livre de “Zoraide”, o nonsense de “Marylou”, a ânsia de ficar famoso a qualquer custo em “Jesse Go” (antecipando uma realidade em 20 anos), afirmação da auto-estima com “Eu Me Amo”, “Nós vamos invadir sua praia”, a faixa-título, criticando duramente os cariocas da Zona Sul que não queriam se espremer dentro do ônibus para a praia com os chamados “farofeiros” (com direito a participação dos cariocas Lobão, este cantando “cadê a minha farofinha, Roger?” e Léo Jaime), “Se Você Sabia”... O grito de liberdade “Independente Futebol Clube”, “Eu não sou seu / Eu não sou de ninguém / Você não é minha / Eu não tenho ninguém/ Nós somos livres”...

A censura cismou com “Marylou”, mas não adiantou proibir a execução, fez sucesso assim mesmo. Um ano depois, gravaram um EP chamado "Liberdade para Marylou", com uma versão remixada de "Nós vamos invadir sua praia", o "Hino dos Cafajestes", e a música "Marylou" gravada em ritmo de carnaval e com as frases censuradas substituídas por frases de trombone. "Marylou" arrebentou nos bailes de carnaval daquele ano e até hoje continua sendo tocada quase como um clássico carnavalesco. Fato inédito, vindo de uma banda de rock.

O disco foi um dos melhores lançamentos de 85, no Brasil e no mundo. Um álbum de estréia com um padrão de qualidade altíssimo; uma obra-prima instantânea, elevado a um patamar difícil de ser batido. Até mesmo pelo próprio Ultraje a Rigor.

Alexandre Petillo é jornalista. Acabou de editar o livro Noite passada um disco salvou minha vida (Geração Editorial), em que 65 músicos e jornalistas falam sobre seus discos favoritos. Trabalhou no Notícias Populares, no Agora SP e criou a revista Zero. É colunista do jornal Diário da Manhã (GO) e colaborador da Folha, do Estado de S. Paulo e de diversas publicações brasileiras, como a Bravo! e a Outracoisa.

O dia eterno do Violeta

Existem alguns artistas que só poderiam ter nascido em São Paulo. Pode ser o trânsito caótico, o clima sufocante, a falta de perspectiva, a distância da praia, o pensamento recorrente de estar perdendo tempo em um lugar quando coisas interessantes acontecem em outro ou o senso de incapacidade diante do gigantismo de tudo que existe na maior cidade do país. Talvez seja tudo isso que faz com que um grupo de amigos resolva se juntar para fazer um som. Uma música que os agrade, pouco importa público, mercado, break even, o escambau.

Somente em São Paulo nasceria uma banda como o Violeta de Outono. Um grupo que bebe aos gargalos no rock progressivo, mas suas canções são curtas. Gostam de improvisos e prezam a técnica, mas posam de power trio e capricham em distorções. Esse é o Violeta, que conquistou uma aura cult no circuito musical brasileiro e até hoje nenhum artista semelhante apareceu no país.

A grande esperteza do Violeta de Outono foi justamente filtrar todas essas influências da sua maneira - do jeito brasileiro. Os caras sempre ouviram música estrangeira, mas perceberam que não fazia sentido somente repetir o que era feito lá fora. Pegaram o prog, a new wave, o pós-punk, a psicodelia, o hard rock e o então emergente estilo dark (sedimentado em bandas como Cure e Echo & The Bunnymen) e moldaram tudo ao seu jeito, cantando sempre em português.

Claudio Souza, Fabio Golfetti e Angelo Pastorello escaparam da repetição e por isso colocaram no mercado, pelo menos, um disco clássico: o homônimo, de 1987.

A capa não diz muito sobre o grupo, mas explica o som. O clima etéreo, uma sensação de melancolia. Um friozinho de outono. "Outono" que abre o disco, com um refrão triste, que diz "Canto do extremo do mundo / Espero em silêncio profundo". Está em nossos corações o frio do outono.

O sucesso do álbum também era a melancolia. O contraponto que sempre caracterizou o Violeta. Sob um riff de guitarra poderoso ouve-se "Silêncio em mim / Espelhos planos / Saídas falsas, vôo, solidão / Só esperando / Vagando em seu olhar / Tudo é deserto, estranho lugar / Você sabe que não temos tempo / Dia eterno, noite escura adentro".

Tudo no disco é movido pela paixão e pelos delírios do vocalista, guitarrista, compositor e produtor Fabio Golfetti. Uma paixão que manteve sempre fiel um séquito respeitável de fãs no Brasil - com maior destaque para São Paulo. Talvez seja essa paixão (ou delírio) que fez com que eles recusassem colocar "Outono" na abertura de uma novela global e se arriscarem a passar pela prova das paradas de sucesso populares. Temiam não agradar o grande público e, ao mesmo tempo, trair as expectativas da sempre conservadora opinião do underground. Como não se sabe o amanhã, fincaram pé no mito, que também é totalmente merecido. Esse primeiro disco do Violeta é tão bom até hoje e mantém a sua sonoridade única de forma intacta. Intacta como a presença no rol de melhores covers dos Beatles já feita em qualquer língua. O disco fecha com "Tomorrow never knows", um resumo de tudo que o Violeta teve de melhor: ousadia, criatividade e paixão pela música.

Alexandre Petillo é jornalista. Acabou de editar o livro Noite passada um disco salvou minha vida (Geração Editorial), em que 65 músicos e jornalistas falam sobre seus discos favoritos. Trabalhou no Notícias Populares, no Agora SP e criou a revista Zero. É colunista do jornal Diário da Manhã (GO) e colaborador da Folha, do Estado de S. Paulo e de diversas publicações brasileiras, como a Bravo! e a Outracoisa.

Os 10 melhores discos de Rock-Brasil Anos 80

por Bruno Cavalcanti

Se os dez melhores discos do mês passado causou muita confusão por aqui, desta vez parti para uma vertente mais séria do rock nacional, incluíndo os grandes nomes que fizeram a cabeça de uma geração (e, na falta de qualidade de hoje em dia, continua fazendo a cabeça de mais uma de tabela!) e outros que ainda não fizeram, mas pela qualidade, um dia ainda irão fazer...

Diga-se a verdade: grande parte dos melhores discos são de Brasília, e muito se deve ao fato de terem sido, em sua maioria, apadrinhados pela EMI-Odeon, que já tinha anos de conhecimento do assunto (em solo estrangeiro), enquanto as outras gravadoras, principalmente as nacionais, se complicavam para entender o tipo de som que "surgia" por aqui, sem saber exatamente como lançar.

Não inclui aqui gente como Raul Seixas, já que nos anos 80 ele já era um mito, e seus melhores trabalhos datam da década anterior. Também deixei de lado o Lobão, pois está na lista anterior. Também evitei discos genuinamente punks, pois já fiz uma lista exatamente com esse tema. E por aí vai...

E, finalmente, qual o critério que usei na minha seleção? Na edição passada selecionei os dez discos nacionais que te fazem levantar da cadeira, arrastar o sofã, e se descabelar na sala. Já desta vez, são os discos que te levam de volta à cadeira, e te fazem escutar as músicas com atenção.

Com vocês, os 10 melhores discos de rock-Brasil anos 80 (dos que te botam pra pensar...):


Legião Urbana Legião Urbana (1985)

Que melhor forma de se começar uma lista do que com eles? Renato Russo, o melhor vocalista de toda a música brasileira, porém, com um time de músicos ordinários, e todo mundo influenciado por Joy Division, The Smiths e The Cure. O primeiro disco, que iria se chamar "O Futuro Do País" e deveria conter a faixa "Que país é esse?" (limada pela censura da própria gravadora), é um apanhado de sucessos, e foi o grande abre-alas do rock candango. As letras sobre os anseios da juventude definiria a banda como porta-voz da adolescência, alcunha que sempre irritou Renato. Muitos críticos colocariam o cantor no top dos gênios da MPB, o que não significa muito coisa...

Titãs Cabeça Dinossauro (1986)

(A ShowBizz colocou este como o maior disco de rock nacional de todos os tempos. Aí já é demais!) A banda começou com o nome Titãs do Iê-Iê-Iê, gravou dois discos de pop new wave sem tanta inspiração, e, quando tudo indicava que o conjunto estava fadado ao fracasso, lança um disco espetacular! Uma mistura única de punk rock e hard rock, que, aliada à refinada poesia concretista de Arnaldo Antunes, caracterizaria o Titãs como uma das mais originais bandas de rock do país (nos anos 80, claro, quando Arnaldo Antunes ainda estava da banda!) Aqui estão grandes clássicos como "AA UU", "Igreja", "Polícia", "Estado violência", "Bichos escrotos", e a inigualável "Porrada".

Camisa de Venus Batalhões de Estranhos (1985)

Aqui, em seu segundo disco, a maior banda de rock do país flertaria com a new wave, lançando um disco genial. A banda alcançaria as rádios com o atentado às feministas "Eu não matei Joana D'arc" e o hit do malaco injuriado "Hoje". "Cidade fantasma" é um típico ska inglês, e "Batalhões de estranhos" é a trilha sonora ideal para o livro Farenheit 451, de Ray Bradbury. O grito de guerra "Bota pra fudê!" ecoaria pelos quatro cantos do país, e a banda alcançaria sucesso sem precisar fazer playbacks em programas da tevê. Depois deste disco, a banda lançaria o primeiro disco ao vivo do Brasil, o "Viva!", um divisor-das-águas no conceito de censura fonográfica no país.

Plebe Rude O Concreto já Rachou (1985)

O melhor disco da Plebe Rude, com um nível que a banda nunca conseguiria atingir em seus trabalhos decadentes posteriores (salvo, talvez, "Nunca fomos tão brasileiros", de 1987). Com letras excelentes ("Proteção" e "Minha renda") e temas obscuros ("Sexo e karatê" - que muitos dizem se tratar de "Sexo e cocaína" - e "Seu jogo"), este disco foi uma dádiva aos jovens rebeldes de meados dos anos 80 e à EMI, que ganhou uma fortuna em cima dos caras em função de cláusulas de contrato! Deveria ser o único disco da banda, que renderia ao grupo o estigma de mito do rock nacional. Mas não, Philippe Seabra & cia. continuariam por anos, plagiando cada vez mais o Killing Joke...

Ira! Mudança de Comportamento (1985)

Edgard Scandurra foi figura das mais importantes do rock paulista. Formou o Ultraje à Rigor!, tocou no Smack, e fez grande parte das músicas das Mercenárias. Além disso, é um dos grandes guitarristas do país. Nasi também não ficou pra trás, lançando a primeira coletânea de rap do país, nos anos 80. A banda copiou o primeirão do The Jam na cara dura neste disco, e copiaria a carreira-solo de Paul Weller com o Style Council nos discos seguintes. Mas eles foram felizes, principalmente porque se transformaram na grande sensação de mod rock do país. Apesar que a música "Pobre paulista", contra a emigração de nordestinos para sampa, queimou o filme dos caras...

Legião Urbana Dois (1986)

O segundo disco do Legião Urbana deveria se chamar "Mitologia e Intuição" e seria duplo, com as músicas "Mitologia e intuição", "Faroeste caboclo", "Tédio", "Conexão amazônica", "Química", "O Grande inverno da Rússia" e "Juízo final". Mas a EMI achava que ainda não era hora e limou 50% do trabalho dos caras. A capa, o nome e a arte interna perderam o sentido sem a faixa-título, e em última hora montaram uma arte ordinária que resultou no "Dois". No ano seguinte, lançariam "Que País É Esse?", sendo que metade do disco seria composto por essas músicas, além da faixa-título que havia sido censurada do primeiro trabalho da banda. É, coisas de terceiro-mundo...

Patife Band Corredor Polonês (1987)

Umas das coisas mais esquisitas que surgiu nos anos 80. Uma mistura entre samba, funk, jazz, hard rock, punk, num andamento nervoso e ágil, com letras paranóicas e psicóticas. Toda essa insanidade não é por nada, pois a banda tinha em seu front o músico Paulo Barnabé, irmão do tresloucado e famoso Arrigo Barnabé. Ele pegou o experimentalismo "dodecafônico" do irmão mais velho e embalou num formato mais... pop! Não há destaques, pois cada música é melhor que a outra, de tão bizarras que são! Só pra se ter uma idéia da morbidez, "Tô tenso" foi regravada pelo Ratos de Porão, e "Vida de Operário", pelo Pato Fu! Enfim, essencial e obrigatório...

Capital Inicial Capital Inicial (1986)

Esse disco vendeu horrores no ano em que foi lançado, levando até o Disco de Ouro - apesar de que as músicas que emplacaram nas rádios foram justamente as de Renato Russo, feitas com os irmão Flávio e Fê Lemos ("Música urbana" e "Fátima"). As músicas compostas por Dinho Ouro Preto são as mais irrelevantes do disco. Os destaques ficam para "Psicopata", "Veraneio Vascaína" e, principalmente, para a profunda "Tudo Mal". Dinho saiu da banda no meio dos anos 90, gravou um disco solo inútil em 95, e retornou ao grupo em 98. Ele realmente cantava muito bem, mas com o tempo sua voz acabou, e a prova definitiva está no cd Acústico MTV da banda, de 2000.

Inocentes Pânico em SP (1986)

...e então os punks dos Inocentes gravaram um disco pela grandiosa Warner... E daí?!? O que importa nesse momento é que eles conseguiram lançar um bom disco em mini-Lp (formato tão em voga nos anos 80!) Não é pra menos, pois foi produzido por quem entende de música - Branco Mello e Pena Schmidt. A despeito da capa mais horrível que se tem notícia, o som é excelente, e o disco contém as melhores viradas de bateria do punk nacional! Este é o segundo disco da banda, e o mais perto que conseguiram chegar de um bom disco. Os grandes momentos ficam por conta de "Ele disse não" e "Pânico em SP". Faltou só "Desequilíbrio" para se tornar o disco definitivo da banda.

Fellini O Adeus de Felini (1985)

Fellini é aquele tipo de banda que todo mundo já ouviu falar, mas ninguém escutou. Eles sempre foram bem-vindos junto a crítica especializada, mas nunca venderam nada! Eles gravariam ainda três discos até encerrar suas atividades, em 1990, e depois retornarem, alguns anos depois. Esse primeiro disco é o mais criativo de todos, já que o veneno letárgico da banda estava sendo disseminado pela primeira vez. Depois, as coisas foram perdendo a graça, e a banda fez bem em acabar (e porque voltou?) As letras do disco são muito estranhas, e as músicas mais ainda: mistureba seminal entre rock e MPB, em temas rápidos e curtos. Original, realmente, mas pra poucos ouvidos...