quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

CLÁSSICOS DE 1986: O CONCRETO JÁ RACHOU


A Plebe Rude no início dos anos 1980 era a maior banda da ‘tchurma’ de Brasília. O Aborto Elétrico tinha se desintegrado, dando luz ao Capital Inicial e a Legião Urbana, nenhuma das quais havia se consolidado, ainda, no gosto do jovem alternativo brasiliense. Para azar da Plebe, seus membros nunca foram de fazer muito marketing, de apertar as mãos certas nas horas certas.
Já suas bandas irmãs tinham de sobra esse dom. Aliado a esse fato, quando surgiu a oportunidade das bandas candangas tocarem no Rio de Janeiro, Philippe estava com viagem inadiável marcada para os Estados Unidos, para visitar os irmãos. Então Capital e Legião foram tocar no Circo Voador, fizeram merecido sucesso, impactando tudo que havia sendo feito em termos de rock carioca até o momento. Eu acompanhei tudo pensando: “se estivéssemos aqui, o impacto seria maior!”. Resultado: Capital Inicial contratado pela Polygram e Legião Urbana pela EMI.

Hebert Vianna já conhecia o trabalho da Plebe Rude, por meio de seu irmão, o antropólogo Hermano Vianna, que havia escrito uma reportagem bastante positiva sobre o novo rock de Brasília. Gostava tanto, que se propôs a batalhar dentro da EMI a contratação da banda, que seria produzida por ele. Depois de um festival no Parque Lage, no Rio, o diretor artístico da EMI ficou convencido, contratou a banda para gravar um novo produto criado pela gravadora: o mini-LP.

Em novembro de 1985, a Plebe passou todas as noites do mês enfurnada dentro do estúdio da EMI, gravando sete músicas para o mini-LP que viria a se chamar O Concreto Já Rachou. Devido a bagagem de estrada, ao excelente ouvido de Philippe, ao entusiasmo do Hebert e as habilidades do técnico de som Renatinho, foi uma sessão fácil e desafiante. O resultado foi um disco que soa como um importado, mas com letras em português.

A gravadora escolheu “Minha Renda” como música de trabalho. A mídia elegeu “Até Quando Esperar”, que estourou no país todo. O disco virou ouro antes de qualquer um da Legião ou Capital, só para se ter uma idéia do sucesso. Um clássico.

André Mueller, baixista e fundador da Plebe Rude

CLÁSSICOS DE 1986: CAPITAL INICIAL I


“Nosso 1º disco foi gravado em um estúdio chamado Nosso Estúdio, em São Paulo. As gravações começaram em janeiro de 1986 e longos três meses depois, no começo de abril, conseguimos terminar o disco. Não foi nossa primeira experiência em estúdio, pois havíamos gravado um compacto um ano antes. Mas éramos quase virgens. E isso faz uma grande diferença. Por isso a gravação foi tão demorada. Cada música foi tocada centenas de vezes até sair certo.
Nosso produtor, escolhido pela gravadora, nunca tinha gravado um disco de rock antes. Na verdade, ele nunca tinha ouvido rock. Ele só fazia discos de MPB. Falar que queríamos um timbre de guitarra igual ao do Steve Jones (Sex Pistols) não adiantava nada. A comunicação era difícil, apesar de sua boa vontade.

Não tínhamos equipamento. O baixo não sofreu tanto, pois podia ser gravado em linha, plugado direto na mesa. Mas para gravar a guitarra foi um sufoco. Conseguir uma guitarra distorcida foi pior ainda. Lembro-me que chegamos a usar uma caixa que alguém trouxe de casa, que não era para instrumentos, e sim para ouvir discos. Ligando a guitarra nela, o som vinha distorcido, e foi isso que usamos.

Mas estávamos felizes e achando tudo lindo. Queríamos ‘sofisticar’ nosso som, e chamamos Bozzo Barretti para gravar piano e teclados. Ele acabou co-produzindo o disco e sugeriu colocar metais em algumas músicas. Nós gostamos do resultado final, mas os amigos mais puristas que nos conheciam da época de Brasília não acharam muita graça.

Das onze faixas do disco, seis foram compostas em Brasília, e cinco foram compostas em São Paulo. Nós nos mudamos para SP em janeiro de 1985, e passamos o ano todo ensaiando e compondo. Ensaiávamos todo dia, no porão do sobrado onde Dinho morava. As músicas compostas em SP foram: “Gritos”, “Linhas Cruzadas”, “Cavalheiros”, “Sob Controle” e “Tudo Mal”.

Com o disco terminado, fomos fazer fotos para a capa. Chamamos Ico Ouro Preto, nosso amigo de Brasília e irmão de Dinho. Fizemos várias fotos na frente do Museu do Ipiranga, e uma delas, na frente de um espelho d'água. Nossa imagem ficou refletida. Ico depois cortou a foto, e usou só o reflexo na água. Ficou um efeito interessante, numa época sem photoshop, nem computador.

Não tínhamos nenhuma expectativa com relação ao disco. Fizemos uma lista das músicas que achávamos que poderiam tocar nas rádios. “Música Urbana” ficou em último lugar. Aí a gravadora liga e diz que a música de trabalho escolhida era “Música Urbana”. Ok.
O disco só foi lançado cinco meses depois de pronto, em agosto. Nessa altura, a gente já achava o disco ruim e mal gravado. A tiragem inicial foi de quatro mil cópias. Ficamos muito felizes quando soubemos que esgotou rapidamente. Já estava bom, mas começamos a sonhar que talvez pudéssemos chegar à marca de dez mil cópias vendidas. Após um ano do lançamento, havíamos vendido 250 mil!”

Flávio Lemos, baixista do Capital Inicial

CLÁSSICOS DE 1986: LONGE DEMAIS DAS CAPITAIS


"Gravamos Longe Demais Das Capitais entre maio e junho de 1986 em São Paulo, nos estúdios da RCA.
Tivemos liberdade total, só mostramos o disco para os executivos quando estava pronto. O lado ruim da baixa expectativa foram os horários de estúdio que nos deram. Gravamos nos períodos que sobravam de outros artistas. Até hoje não consigo ouvir o disco sem lembrar que gravei muita coisa no início das manhãs.


Quem produziu foi Reinaldo Barriga, um cara com os dois pés no chão e sem muitas pretensões artísticas. Era exatamente o que precisávamos, pois idéias nós já tínhamos demais. Ele nos ajudou muito, pois tinha a cabeça nos anos 70. Nós não estávamos muito interessados nas mudanças tecnológicas que estavam começando a invadir os estúdios.

Queríamos estar longe demais das capitais, na contramão da euforia que rolava na cena. Predominava no ambiente uma vontade estranha de ser londrino ou nova-iorquino. Algum tempo depois pintou a onda terceiro mundista e o orgulho estranho de ser banguela. Nunca entendi estas tendências.

A foto da capa não é nada urbana. O local sugere o pampa gaúcho, mas é mais perto de Porto Alegre do que se pode imaginar.
Eu já tinha escrito todo o material antes de entrar em estúdio. As músicas já rolavam nos shows. Gosto de pensar que poderia ter feito aquelas canções hoje de manhã. Até citaria os mesmos Fidel e Pinochet em “Toda Forma de Poder”.

Um fato revela qual era nosso espírito durante a gravação: o pessoal do estúdio se enganou na hora de pegar as fitas e uma canção foi gravada sobre a anterior. Foram horas de trabalho jogadas fora. Os caras olharam para a gente apavorados, esperando que tivéssemos um ataque histérico. Nossa reação foi cair no chão de tanto rir. Teríamos que fazer tudo de novo? Que bom!"

Humberto Gessinger, líder do Engenheiros do Hawaii

CLÁSSICOS DE 1986: RÁDIO PIRATA AO VIVO


Em 1984 passamos o ano inteiro rodando as danceterias de Sampa e ensaiando diariamente, então, quando Ney Matogrosso foi nos assistir, ele encontrou uma bandinha muito bem ajeitada, que tocava aquelas músicas de trás pra frente, com pegada e muita segurança. Mas foi ele quem lapidou a pedra bruta, desde nossa postura de palco até o roteiro, passando pelas luzes e pelo uso preciso e econômico do raio laser. Estreamos, ansiosos, um espetáculo ousado, hi-tech, na primeira incursão de uma banda de nossa geração num grande teatro, em horário nobre.
A presença do nosso querido Chacrinha na platéia nos deixou ainda mais nervosos. Mas os ensaios mostraram sua eficiência e tudo correu bem. Por acaso, isto aconteceu na véspera do meu aniversário de 23 anos, no dia 23 de setembro de 1985. Poucos meses, e muita, muita loucura, shows, programas de tv e rádio e várias capas de revistas depois, um acontecimento inesperado mudaria definitivamente o rumo de nossas vidas. A música "London, London", colocada no show por minha sugestão, para criar a dinâmica que o Ney precisava para o roteiro, havia sido gravada no Festival de Atlântida, em Porto Alegre, e estava estourada, numa versão pirata (meta canção!), nas rádios de todo o Brasil, chegando ao absurdo de 70 execuções/dia (para se ter uma idéia, 20 execuções já é considerado um sucesso!).


O desvio de rota passava pelo Palácio das Convenções do Anhembi em SP, onde, em duas apresentações no mês de maio de 1986, gravaríamos "Rádio Pirata Ao Vivo”. Naquela altura, estávamos no auge, pensávamos, e não podíamos imaginar o quanto à coisa ainda iria crescer. Com uma média de cinco shows por semana, éramos uma banda extremamente competente, entrosada, e nosso astral estava lá em cima, com um sucesso ímpar e todos os nossos sonhos mais megalomaníacos se realizando um a um.


As gravações transcorreram tranquilas, dentro daquela espécie de beatlemania que vivíamos, produzidas pelo experiente Mazzola, e dirigida pelo Ney. Com toda aquela bagagem, nada poderia dar errado. Fomos à Los Angeles mixar o disco, em mais uma ação pioneira, e o resultado é o que se sabe: três milhões de cópias vendidas, e ainda a maior vendagem do catálogo da Sony-BMG. O que não sabíamos é que, de certa forma, aquele era o começo do fim.

Mas essa é outra história...


Paulo Ricardo, ex-líder do RPM

CLÁSSICOS DE 1986: O FUTURO É VORTEX


Quando chegamos ao estúdio, adoramos. Era muito grande, com um piano e uma cabine exclusiva para voz. Muitos artistas de peso haviam passado por lá, na rua Dona Veridiana. Nos trataram muito bem, disseram que podíamos fazer qualquer coisa lá dentro, e fizemos. A produção ficou a cargo do Maluly, conceituado produtor da época, muito simpático e atencioso, quefez de tudo para gravar nosso som da melhor forma possível. Lembro de uma idéia dele de gravar a minha voz em “Surfista Calhorda” no banheiro da gravadora, e gravamos. Ecos de azulejo. Inclusive no final da música eu puxei a descarga da privada. Usamos uns amplificadores Fender antigos e muito bons. Tinha uma sala cheia deles, inacreditável.



Participei da edição do disco, que na época era em fita magnética, com durex usados nas emendas.Foi uma temporada muito boa em São Paulo, gravávamos da tarde até a noite,e depois saíamos pela cidade em busca de shows e festas legais. Para a capa do disco chamamos nossa amiga Rochelle Costi, que havia feitoa capa do compacto. Hoje ela é famosa no Brasil e no mundo com seus trabalhos espetaculares. As fotos foram feitas na abóbada da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre, como se tivéssemos sito tele transportados de um outro mundo para a Terra.


O Replicantes nunca criou espectativas, mas sabíamos que se tratava de um disco clássico. Tínhamos direito a cem exemplares, e estes nós usávamos para presentear pessoas mais interessantes, que achávamos que iriam curtir e divulgá-lo mais ainda, o que sempre acontecia. Mandávamos discos para fora do Brasil, inclusive o encarte tinha as letras em português e inglês. Sempre dando muita importância para o fato de as pessoa entenderem o que estávamos falando. Até hoje quase todas as músicas deste disco continuam nos nossos shows.

Wander Wildner, ex-vocalista do Replicantes

CLÁSSICOS DE 1986


O Ira! conseguiu um ótimo destaque com "Longe de Tudo", música do 1º disco da banda. MAs foi com Vivendo... que a banda chegou ao reconhecimento nacional, muito graças a "Flores em Você" que foi abertura de novela das 8 da Globo. Pra mim, o disco inteiro é ótimo. Um clássico que tinha tudo para afundar a banda. Olha só a confusão para gravá-lo:


Esse é um disco que gosto muito das composições, porém não gosto da forma como foi gravado e de sua sonoridade. A princípio ele seria produzido por Liminha. Fomos ao Rio para as gravações no Nas Nuvens, mas acabamos batendo de frente com ele e voltamos para São Paulo para terminar o disco aqui. Até por isso a produção do disco foi assinada por cinco nomes.

O clima no estúdio foi tenso por causa de todas essas mudanças de produtor e sonoridade. Entramos no estúdio com uma postura defensiva, pois não estávamos seguros.
Quando o material que gravamos no Rio chegou, ficamos assustados, pois haviam mexido na master, deixando alguns canais reduzidos, onde tinham dois instrumentos ou mais, e isso atrasou o processo de mixagem.

No Vivendo e Não Aprendendo acabamos gravando novamente “Pobre Paulista” e “Gritos na Multidão”, mas isso foi uma coisa da gravadora. Essas músicas pra gente já eram de um passado distante, mas a gravadora disse que iria ajudar nas vendas e, pra não vermos essas músicas trabalhadas pela gravadora, então resolvemos gravá-las ao vivo, numa espécie de sabotagem, pois dificilmente a Warner lançaria uma música de trabalho ao vivo. A gente sempre dizia não para a gravadora: não gostávamos de fazer playback e de divulgação em qualquer lugar. Era sempre ‘não’, então para agradarmos de certa forma, acabamos por colocar no disco essas duas músicas.


Éramos uma banda de vanguarda, “Vitrine Viva” é um exemplo disso, o Ira! era uma espécie de líder da cena underground de São Paulo e, já no 1º disco, deixamos de lado as roupas escuras do punk rock para mergulharmos na sonoridade mod, sessentista e idealista. Nesse contexto “Gritos” e “Pobre” já não se encaixavam mais em nossa sonoridade.

Quanto a capa não queríamos fazer novamente uma foto de banda e foi aí que veio a idéia de se fazer desenhos, numa linguagem de Art Pop, que tem tudo a ver com o movimento Mod.
Vivendo e Não Aprendendo foi o passaporte de entrada do Ira! no mainstream.

Nasi, ex-vocalista do Ira!