sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

MEU CONTO VENCEDOR DO CONCURSO IDEAL CLUBE DE LITERATURA


CITIES IN THE SKY
Nelson Silva

Por essa época, todos os conflitos militares entre nações haviam cessado completamente nos quatro cantos da Terra. Embora atentados terroristas continuassem a sacudir grandes cidades da Europa e dos Estados Unidos sem retaliação aparente, guerras travadas por estados devidamente constituídos era coisa que não se ouvia falar haviam duas dúzias de anos.
Sob este prisma, como se poderia supor, o mundo definitivamente achava-se desfrutando de um período sem precedentes em sua história. Uma era em que, finalmente, o insólito astro azul não se encontrava empapado em sangue.
Tal convicção não soaria absurda de todo, uma vez que os orçamentos militares das superpotências haviam sido suprimidos drasticamente. Gastos com armamentos simplesmente desapareceram da mesa de negociações de governantes declaradamente belicistas.
Inimigos ancestrais - políticos e religiosos - selavam a paz e assinavam acordos de cooperação mútua onde antes só havia ódio e intolerância milenares.
Restavam combates étnicos isolados e homens-bomba que efetivamente explodiam aqui e ali, mas já nem mesmo eles sabiam bem porquê estavam indo pelos ares.
A estranha ausência de hostilidades acabou convencendo até aos analistas mais céticos, defensores da teoria do ovo da serpente, aquele que eclode em ‘inocentes’ períodos de paz, como sucedera na Paz Armada antes do primeiro conflito e no entreguerras de 18-39.
Circunstâncias históricas à parte, a nova era mostrava-se promissora, uma vez que as fabulosas quantias que nutriam a máquina da guerra poderiam enfim ser empregadas em causas bem mais nobres, negligenciadas que foram pelos incontáveis mensageiros da morte que conduziram a civilização humana em sua tenebrosa trajetória através dos tempos.
O axiological dream world de Morus, a sociedade equilibrada e perfeita aparentemente tornara-se palpável para a maioria da população terrestre.
Foi então que passou-se a exigir do G-7 investimentos maciços em produção de alimentos, construção de moradias e escolas, pesquisa e fabricação de remédios empregando os bilhões de dólares que antes financiavam o aparelho bélico e irrigavam as veias dos vampiros das trevas que insistiam em sujar de sangue as páginas da história.
Falava-se mesmo em erradicação da fome, da miséria e de muitas doenças, do controle eficaz de todas as epidemias e da igualdade social entre os povos como algo perfeitamente possível de se realizar e em um intervalo de tempo relativamente curto.
Curioso pois, era observar a misteriosa apatia dos líderes que conduziam os países mais abastados, em nítido contraste com o entusiasmo global. Também requeria um traço de suspeição se fossem levadas em conta suas constantes evasivas quando interpelados sobre a aplicação dos formidáveis recursos em um plano de paz mundial tão ansiosamente aspirado.
O mundo não tardaria a descobrir, contudo, o que estava por trás das enigmáticas fisionomias de reis, presidentes, ditadores, primeiros-ministros, cardeais, senhores do capitalismo e chefes de religiões.
Reunidos em uma assembléia na ONU e sob protestos veementes dos representantes das nações mais pobres, eles surpreenderam a humanidade ao revelar um segredo de estado que estava sendo gestado há anos: um gigantesco projeto que iria consumir bem mais do que apenas o orçamento de suas forças armadas, dizimando completamente toda aquela fábula de sociedade perfeita.
Uma espetacular estação espacial com dimensões estapafúrdias de centenas de quilômetros em fase final de construção há tempos pairava sobre o planeta, naquela que seria a maior aventura tecnológica da espécie.
A novidade causou alvoroço e incredulidade nos outrora entusiasmados articuladores do chamado “Really Peace”, que era como o movimento em prol da nova era ficou conhecido.
Todos os grandes conglomerados industriais concentraram seus esforços para suprir as necessidades do voraz monstro espacial, suspenso na estratosfera, a doze mil quilômetros de altitude.
Visível a olho nu, a estrela metálica, com seu arrogante brilho prateado, remetia a um cometa portador de mau agouro, conforme acreditavam os anciãos das tribos primitivas desde o princípio da civilização. E, como se sabe, corpos celestes travestidos de deuses sempre exigiam rituais de sacrifício humano.
Logo, tudo o que o mundo produziria a partir dali embarcaria nos foguetes que partiam, céleres, para a estranha estrutura cósmica. O projeto inicial há muito fora expandido e os limites da estação pareciam convergir aos confins do universo.
Paralelamente às rotineiras decolagens das aeronaves, fatos intrigantes se desenrolavam na superfície.
Os estados há muito haviam abdicado de seus intrínsecos papeis fundamentais. O poder constituído isolara-se em torno de si e uma feroz instituição policial foi implantada, protegendo os governos e punindo com a morte toda e qualquer insurreição popular.
Uma grande parcela de trabalhadores fora aglutinada em áreas fechadas ou em campos de trabalhos forçados – que em muito lembravam a política do Gulag soviético – com o fim de produzir alimentos e um sem-número dos mais variados artigos, que eram rapidamente levados à NASA e às bases do Casaquistão, de onde embarcavam em ônibus espaciais em direção ao arranha-céu estelar, a essa altura já habitado por centenas de pessoas.
Um enorme elevador espacial – um cabo feito de fibra de nanotubos de carbono com uma força de tensão essencialmente alta – estendia-se por mais de vinte e cinco mil quilômetros espaço adentro, fixado em satélites geoestacionários, permitia que carregamentos, passageiros, contêineres e cargueiros de provisões contendo sementes de plantas, árvores e gêneros alimentícios desenvolvidos sob medida pela engenharia genética fossem içados para fora da gravidade terrestre com energia fornecida do solo. O resto da viagem era realizado por um foguete nuclear de baixa propulsão até o desembarque final no inacreditável aparato sideral.
Com a informação sob controle não era possível saber o que raios estava acontecendo. Comentava-se que os cientistas haviam descoberto uma nova forma de sobrevivência no espaço e, para viabilizar as pesquisas, estavam convidando os poderosos e a elite mundial para vivenciar a extravagante experiência, desde que desembolsassem, obviamente, uma quantia de muitos milhões de dólares.
À medida que reis, rainhas, presidentes e magnatas citados na Forbes começaram a ascender aos céus em vôos espaciais diários, a mentira oficial começou a ruir como um castelo de cartas.
Apesar da tenaz repressão aos órgãos de comunicação, sobretudo na rede mundial de computadores, alguns heróis mártires – como aqueles que se opuseram ao Führer na aurora do III Reich – conseguiram denunciar a farsa e suas imagens clandestinas não deixavam dúvidas de que havia uma fuga em andamento, embora muitos deles tivessem que pagar com a própria vida a descoberta sem precedentes nos anais de nossa epopéia.
De que fugiam afinal, os dirigentes mundiais? Era a retumbante pergunta que o mundo fazia.
Os semblantes aparvalhados dos desertores, metidos em ridículas roupas de cosmonautas lembravam condenados subindo ao patíbulo, revelando sua notória apreensão, como se não tivessem certeza do seu destino, os olhos esbugalhados.
Quando o Papa e seu séqüito tomaram assento em um desses veículos espaciais, ficara evidente que um perigo iminente rondava a Terra.
As miseráveis criaturas repudiadas estabeleceram, cá embaixo, um sistema em que prevaleciam saques, linchamentos, suicídios e um amplo leque de atrocidades. Não foram capazes de se organizar como sociedade tendo em vista o risco de um fim tão iminente.
Há muito haviam sido julgados por seus líderes. Restava agora saber de que forma de morte morreriam. E se existia alguma chance de sobrevivência.
Por enquanto, estavam absorvendo o choque da forma mais humana possível: a da guerra contra o seu semelhante.
No alto, a estrela artificial cintilava, patética e reluzente.

HISTÓRIA DA MINHA AMADA FORTALEZA


Praia de IracemaArtigo publicado no Diário do Nordeste - Fortaleza.Ceará - Domingo, 19 de janeiro de 2003
“Verdes mares bravios da minha terra natal, onde canta a jandaia nas frontes da carnaúba!Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros!... Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.O favo do jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.” José de Alencar - Iracema.
Com certeza foi Iracema, a Jandira do Jaguaré - Ubirajara, do romance de Alencar, a musa inspiradora da antiga Praia do Peixe, que veio dar nome à Praia de Iracema, tão decantada por poetas, artistas, músicos e compositores que tantas evocações fizeram e deram “adeus Praia de Iracema”.
A terra dos amores que o mar carregou, como bem sintetizou - o maestro e compositor Luís Assunção - Ah! Quantas ruas foram tragadas pelas impetuosas ondas do mar, que se enfureciam com embates como se a natureza estivesse a se degladiar no resgate do território que propunha a recuperar com as suas próprias forças. E assim ruas e mais ruas, casas e mais casas, foram de repente se transformando nesse mar imenso, belo e traiçoeiro... Como o tempo passa rápido hein! E inexorável com a nossa lembrança, fazendo nessa azáfama do cotidiano procura apagar em nós os momentos bem vividos na claridade das noites de luar, o passeio que se fazia à Praia de Iracema, para ver e ouvir as juras de amor ao luar, tendo o céu por testemunha e depois se dirigir ao restaurante do português Ramon - para saborear a deliciosa sopa de cabeça de peixe, de “cangulo”, que somente ele sabia preparar tão afamada sopa, sem se falar na “peixada do Ramon”. Ah! Tempo bom que não volta mais...
A bem da verdade, a extensão da linha do bonde da Praia de Iracema, era relativamente pequena e foi inaugurada no dia 12 de janeiro de 1914, denominada linha da Praia; mas era muito movimentada como meio de transporte por atender a diversas classes sociais, desde os comerciários que trabalhavam nos armazéns da praia e outros estabelecimentos, comerciantes, funcionários públicos da Secretaria da Fazenda, estudantes e famílias que ali residiam até os que moravam nas pequenas casinhas à beira-mar. Apesar de curta extensão, o bonde “Praia de Iracema” fazia o seguinte trajeto: saía da Travessa Morada Nova detrás da antiga Assembléia Legislativa e dobrava à direita na Rua Floriano Peixoto até atingir a esquina da Travessa Crato; entrando à esquerda em frente à Catedral (Sé) seguindo pela Av. Alberto Nepomuceno até alcançar a esquina da Av. Pessoa Anta, onde funcionou por longos anos o “Café Gato Preto”, que depois dos anos 50 passou a pertencer aos “Irmãos Abiatá”.
O bonde seguia pela Av. Pessoa Anta até chegar ao majestoso prédio de alvenaria de pedra lapidada, onde funcionou por longos anos a Alfândega do Ceará e hoje Caixa Econômica do Ceará, esquina com a Rua Almirante Tamandaré, onde entrava à esquerda até alcançar a Rua dos Tabajaras, quando dobrava à direita, chegando ao ponto final na Igreja de São Pedro (lado direito). Ali, estacionava fazendo a última parada.
Na esquina da Rua dos Tabajaras, lado direito, havia o Departamento de Portos, Rios e Canais, que mais tarde mudou para Departamento do Porto e Vias Navegáveis, chefiado pelo nosso muito querido e estimado primo Dr. José Euclydes Caracas, pai do Dr. Hélio e Heliana Mota Caracas e, do lado esquerdo de quem entra na Rua dos Tabajaras - o Departamento de Obras Contra Secas, chefiado pelo ilustre e respeitado Dr. Antero, pai do ilustre Presidente (atual) do Tribunal do Trabalho, Dr. Antônio Carlos Chaves Antero. Havia uma singularidade no terreno onde existiam as casas de dois chefes e, eram inusitadas edificações constantes de vários depósitos de alvenaria em forma de tubo (cone) que serviam para armazenar cimento que vinha do exterior e àquela época ninguém sabia qual a sua serventia.
No início da Rua dos Tabajaras, existiam as melhores casas, das famílias que costumavam veranear na Praia de Iracema ou, às vezes, alugavam-nas para “passar tempo” como se costumava dizer.
De volta, o percurso do bonde era quase o mesmo. Somente à altura da Secretaria da Fazenda fazia uma ligeira curva e seguia pela alameda em frente ao Quartel da 10a Região Militar e entrando à direita na Rua Crato e logo em seguida dobrava à esquerda na Rua General Bezerril defronte ao Departamento de Correios e Telégrafos, seguindo pela mesma rua até chegar na Travessa Morada Nova.
Merece ressaltar que no seu ponto inicial, ou seja, na mencionada Travessa Morada Nova, os passageiros do bonde “Praia de Iracema”, por muitas vezes, ouviam os acalorados discursos dos senhores deputados no plenário, no horário das sessões da Assembléia Legislativa, diferente das discussões que se desenrolavam no Instituto Histórico e Antropológico do Ceará, o qual ocupava a parte térrea (lado oeste) do mesmo prédio, cujos sócios apresentavam suas teses e trabalhos de cunho científico nas diferentes áreas de abrangência do saber humano.
Lá estiveram e ainda estão os expoentes máximos das letras e das ciências, que tão bem sabem representar a nossa cultura, projetando o Ceará no mais alto patamar do cenário cultural do País, como têm dado inequívoca prova de sapiência que dignifica nossa terra, tão bem representada por seus sócios.
O nosso passageiro ilustre do bonde que fazia a linha Praia de Iracema é o insigne desembargador Lauro Nogueira, professor catedrático de Direito Constitucional da Faculdade de Direito do Ceará, autor de excelente trabalho jurídico acerca do “O Parlamentarismo e o Presidencialismo”.
Era casado em segundas núpcias com a Dra. Maria (Minininha) Cavalcante, uma das primeiras médicas do Ceará, especialista em obstetrícia, mãe da Srta. Glorinha Maria Cavalcante Nogueira, residente num lindo “bangalô” de dois pavimentos na Rua dos Tabajaras, 460 que se constituía numa das mais bonitas casas daquele logradouro.
A Praia de Iracema era o aprazível bairro preferido por famílias de várias camadas sociais, que alugavam casas para veranear; outras fixavam suas residências como o ilustre e festejado escritor de imorredouras saudades, Moreira Campos, e distinta família, pai da querida e imortal escritora Natércia Campos Sabóia, minha amiga que fez parte da Diretoria do Ideal Clube onde exerceu a diretoria de cultura e arte com muito brilhantismo. Outras famílias que ali residiam como a do dr. Híder Correia Lima, pai de Emília Vorreia Lima - Miss Brasil, Dr. Hugo Rocha, Dr. Abner Brígido (Bié); a família do Sr. Tancredo de Castro Bezerra, casado com C. Maria Júlia, amiga da minha avó Victória Dias da Rocha Silva, por quem tínhamos grande afeição, bem como a sua filha Ivonise e família; Antônio Figueiredo - Figueiredão - do famoso Tony’s Bar que funcionou ao lado do Ed. Praia Hotel Iracema; e o prédio na rua Tabajara que serviu de início como sede do Ideal Clube, o Praia Clube, hoje vizinhança, o Bar Mincharia, Vivenda Morena da família Porto, depois recanto dos boêmios, poetas e cantores - o tradicional “Estoril”, cuja estrutura, boa parte era de taipa. O mais requintado do bairro era o Hotel Pacajus, de frente para o mar, sem esquecer o restaurante do português Ramon, mais tarde surgiram novos restaurantes como Estoril e Lido, todos em suas épocas e muito afreguesados. Durante as décadas de 1950 até aproximadamente a de 1980, o restaurante Lido predominou na preferência da freguesia. O proprietário um casal francês - Charles, ganhou a predileção do grande público, que lotava aquela casa de pastos diariamente com pratos dos mais variados tipos de refeições, lagosta e camarão em todas as suas nuances atraindo turistas, e nós os donos da terra, os estrangeiros que por aqui passavam e vinham passear ou residir. O restaurante era um grande “galpão” cuja coberta no seu início era de palha de carnaúba que mais tarde foi substituída por grandes tesouras de madeira com cobertura de “telha-vã”, que dava excepcional aparência àquela construção, com meias-paredes, onde sobrepunham-se tapumes com vidraças colocadas que fechavam as três faces do galpão para dar a mais bela visão do mar. Quando enfurecido nos meses de janeiro e fevereiro, causava o mais belo espetáculo das ondas que se debatiam contra o arrimo de volumosas pedras que serviam de amparo e resguardo da estrutura do inesquecível local de tanta simpatia dos fortalezenses que para lá se dirigiam também, para apreciar os embates das ondas e sentir de perto o aroma da maresia que se espalhava por todo o recinto.
Os jovens se sentiam atraídos pelas marés, por ser o casamento de lua e sol, ao contemplar, dava mais disposição ao amor, no crepúsculo vespertino ou matutino quando o amor fala sempre mais alto...
Mas tudo isso é quando se é jovem... Oh juventude!
Jovem há mais tempo que é a forma mais suave de não se dizer que atingiu a terceira idade ou velhice. É como um filme que já foi visto e deixou “suplício de saudade”, reprisado volta à lembrança do amor, igual ao sabor do queijo ralado... Ah juventude ingrata! que rouba tudo de nós, deixando somente as marcas no rosto, riscado pelo cinzel do tempo, rugas que só servem para amparar as lágrimas do desgosto, embora outras “rolam no coração” como diz o poeta.
Mas deixemos de filosofar para chegar à realidade e dizer que nesse local hoje se ergue um belo “arranha-céu”, que a modernidade tudo move em nome do progresso, foi outrora território marítimo para banhistas.
Entretanto, perderam os moradores daquele paraíso terrestre, o privilégio de banhar os pés com as brancas espumas das ondas do mar, porque essas se tornaram artigo de raridade para quem está nas alturas, já nem se lembra mais que ali existiu o velho restaurante Lido, com afinado conjunto musical a entoar lindas canções na época em voga. Ali residiam as famílias Gentil, Rola, Paulo Egídio de Menezes, Maurício Sucupira com sua bela voz e seu vizinho Roderico Braga, ponto de encontro dos bons amigos, Albano Amora, Mamede e Dra Minininha Cavalcante. Ainda o sobrado existente do Sr. João Leopércio Soares, pai de numerosa família, dentre os filhos a ilustre educadora Wilma Maria de Vasconcelos Leopércio, proprietária do primeiro colégio da Praia de Iracema, o Colégio São Pedro, que durante muitos anos dedicou-se ao ensino das crianças que residiam na Praia de Iracema e adjacências, dando inequívoca prova de sua bondade e desprendimento das coisas materiais.
“Os bondes, que foram consagrados na música popular brasileira, também foram excepcional veículo de mensagens comerciais, com cartazes que se imortalizaram na história da propaganda. No Ceará, um contrato de 30 de dezembro de 1926, assegurava ao Dr. Victor Pacheco Leão, diretor da ‘Empreza Cearense de Annuncios’, a exclusividade para a colocação de ‘reclames’ nesses veículos, que poderiam ser afixados em partes internas predeterminadas e nas pranchas laterais externas. O contrato assegurava os direitos, anteriormente cedidos a Luís Severiano Ribeiro, de colocação de anúncios de filmes. A Ceará Tramway ressaltava seu direito de não afixar em carros os anúncios que, no seu entendimento, atentassem, por qualquer forma, contra a moralidade pública, como sejam os reclames de remédios para moléstias venéreas e outros”. - Ary Bezerra Leite - História da Energia no Ceará.
Podiam ser apreciados nos bondes os mais chistosos “reclames” de remédios que, à época, eram tidos como os mais eficazes e causavam verdadeiro prodígio; assim observemos:
“Veja ilustre passageiroO belo tipo faceiroQue o senhor tem a seu ladoE, no entanto, acrediteQuase morreu de bronquiteSalvou-o o Rum Creosotado”
“Que calor, que dia quente!Rim doente? Tome UrodonalE viva contente! Rá, rá, rá, rá!...”
“Pílulas de vida do doutor RossiFaz bem ao fígado de todos nós! Rá, rá, rá, rá!...”
“Eu vou formar, eu vou formarUm batalhão de garotas bonitasSempre sorrindo, sempre cantandoP-A-L-M-O-L-I-V-E!”
Ainda as procissões de São Pedro - protetor dos navegantes - carregando em vulto no andor para junto dos pescadores percorrer de jangada, comemorando o dia que lhe é consagrado - 29 de junho - fazendo a travessia pelo oceano Atlântico, cujas águas se multicoloriam de verde, azul e cinza porque já são lustrais, era um belo espetáculo digno de ser visto.
Assim a Praia de Iracema das encantadoras noites de luar, em que as famílias apanhavam o bonde e para lá se dirigiam para apreciar o luar que à luz da lua e, somente ela, era testemunha das confidências amorosas dos casais inspirados no luar deixavam entoar aos ouvidos da amada, como forma de oração, transbordando do peito numa exaltação ao amor que comprimido até aquele momento, deixava transpirar numa prova de eterna confissão à deusa perfeita, que, quando levado a sério, transformava-se em feliz enlace matrimonial.
Para muitos passantes, simples galanteios propiciados e emanados pelo entusiasmo da beleza da lua que lá do alto, se pudesse falar, talvez dissesse: - O mar bramia contemplando a prateada lua que, melancólica, esperava as carícias das borbulhantes e agitadas ondas, que cresciam para o alto e se esparramavam na areia branca da Praia do Peixe, formando saliência e reentrância na areia, tornando festiva a noite prateada pela luz da lua.
Até o aljôfar que saltava das ondas do mar, beijava em gotas a face dos pares que passeando na praia se recreavam dos festivos momentos como se estivesse a galantear os passeadores daquelas noites que testemunhavam o luar de agosto...
O céu, essa abóboda celeste de um azul turquesino, incrustrado de estrelas, que lá de cima cintilavam num acender e faiscar de luzes, na plenitude da fosforecência espraiava luminosidade nas águas do mar, beijando com branca espuma a areia por onde pisava Iracema; cruzando com os casais de namorados que só se apercebiam de sua presença quando confundiam-na com os delírios de amor e seus lábios de mel. Volta! Vem novamente festejar novos luares! Ou, matar quem vive de saudades, oh! filha de Araquém!
Zenilo AlmadaAdvogado