quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

CLÁSSICOS DE 1986: O CONCRETO JÁ RACHOU


A Plebe Rude no início dos anos 1980 era a maior banda da ‘tchurma’ de Brasília. O Aborto Elétrico tinha se desintegrado, dando luz ao Capital Inicial e a Legião Urbana, nenhuma das quais havia se consolidado, ainda, no gosto do jovem alternativo brasiliense. Para azar da Plebe, seus membros nunca foram de fazer muito marketing, de apertar as mãos certas nas horas certas.
Já suas bandas irmãs tinham de sobra esse dom. Aliado a esse fato, quando surgiu a oportunidade das bandas candangas tocarem no Rio de Janeiro, Philippe estava com viagem inadiável marcada para os Estados Unidos, para visitar os irmãos. Então Capital e Legião foram tocar no Circo Voador, fizeram merecido sucesso, impactando tudo que havia sendo feito em termos de rock carioca até o momento. Eu acompanhei tudo pensando: “se estivéssemos aqui, o impacto seria maior!”. Resultado: Capital Inicial contratado pela Polygram e Legião Urbana pela EMI.

Hebert Vianna já conhecia o trabalho da Plebe Rude, por meio de seu irmão, o antropólogo Hermano Vianna, que havia escrito uma reportagem bastante positiva sobre o novo rock de Brasília. Gostava tanto, que se propôs a batalhar dentro da EMI a contratação da banda, que seria produzida por ele. Depois de um festival no Parque Lage, no Rio, o diretor artístico da EMI ficou convencido, contratou a banda para gravar um novo produto criado pela gravadora: o mini-LP.

Em novembro de 1985, a Plebe passou todas as noites do mês enfurnada dentro do estúdio da EMI, gravando sete músicas para o mini-LP que viria a se chamar O Concreto Já Rachou. Devido a bagagem de estrada, ao excelente ouvido de Philippe, ao entusiasmo do Hebert e as habilidades do técnico de som Renatinho, foi uma sessão fácil e desafiante. O resultado foi um disco que soa como um importado, mas com letras em português.

A gravadora escolheu “Minha Renda” como música de trabalho. A mídia elegeu “Até Quando Esperar”, que estourou no país todo. O disco virou ouro antes de qualquer um da Legião ou Capital, só para se ter uma idéia do sucesso. Um clássico.

André Mueller, baixista e fundador da Plebe Rude

CLÁSSICOS DE 1986: CAPITAL INICIAL I


“Nosso 1º disco foi gravado em um estúdio chamado Nosso Estúdio, em São Paulo. As gravações começaram em janeiro de 1986 e longos três meses depois, no começo de abril, conseguimos terminar o disco. Não foi nossa primeira experiência em estúdio, pois havíamos gravado um compacto um ano antes. Mas éramos quase virgens. E isso faz uma grande diferença. Por isso a gravação foi tão demorada. Cada música foi tocada centenas de vezes até sair certo.
Nosso produtor, escolhido pela gravadora, nunca tinha gravado um disco de rock antes. Na verdade, ele nunca tinha ouvido rock. Ele só fazia discos de MPB. Falar que queríamos um timbre de guitarra igual ao do Steve Jones (Sex Pistols) não adiantava nada. A comunicação era difícil, apesar de sua boa vontade.

Não tínhamos equipamento. O baixo não sofreu tanto, pois podia ser gravado em linha, plugado direto na mesa. Mas para gravar a guitarra foi um sufoco. Conseguir uma guitarra distorcida foi pior ainda. Lembro-me que chegamos a usar uma caixa que alguém trouxe de casa, que não era para instrumentos, e sim para ouvir discos. Ligando a guitarra nela, o som vinha distorcido, e foi isso que usamos.

Mas estávamos felizes e achando tudo lindo. Queríamos ‘sofisticar’ nosso som, e chamamos Bozzo Barretti para gravar piano e teclados. Ele acabou co-produzindo o disco e sugeriu colocar metais em algumas músicas. Nós gostamos do resultado final, mas os amigos mais puristas que nos conheciam da época de Brasília não acharam muita graça.

Das onze faixas do disco, seis foram compostas em Brasília, e cinco foram compostas em São Paulo. Nós nos mudamos para SP em janeiro de 1985, e passamos o ano todo ensaiando e compondo. Ensaiávamos todo dia, no porão do sobrado onde Dinho morava. As músicas compostas em SP foram: “Gritos”, “Linhas Cruzadas”, “Cavalheiros”, “Sob Controle” e “Tudo Mal”.

Com o disco terminado, fomos fazer fotos para a capa. Chamamos Ico Ouro Preto, nosso amigo de Brasília e irmão de Dinho. Fizemos várias fotos na frente do Museu do Ipiranga, e uma delas, na frente de um espelho d'água. Nossa imagem ficou refletida. Ico depois cortou a foto, e usou só o reflexo na água. Ficou um efeito interessante, numa época sem photoshop, nem computador.

Não tínhamos nenhuma expectativa com relação ao disco. Fizemos uma lista das músicas que achávamos que poderiam tocar nas rádios. “Música Urbana” ficou em último lugar. Aí a gravadora liga e diz que a música de trabalho escolhida era “Música Urbana”. Ok.
O disco só foi lançado cinco meses depois de pronto, em agosto. Nessa altura, a gente já achava o disco ruim e mal gravado. A tiragem inicial foi de quatro mil cópias. Ficamos muito felizes quando soubemos que esgotou rapidamente. Já estava bom, mas começamos a sonhar que talvez pudéssemos chegar à marca de dez mil cópias vendidas. Após um ano do lançamento, havíamos vendido 250 mil!”

Flávio Lemos, baixista do Capital Inicial

CLÁSSICOS DE 1986: LONGE DEMAIS DAS CAPITAIS


"Gravamos Longe Demais Das Capitais entre maio e junho de 1986 em São Paulo, nos estúdios da RCA.
Tivemos liberdade total, só mostramos o disco para os executivos quando estava pronto. O lado ruim da baixa expectativa foram os horários de estúdio que nos deram. Gravamos nos períodos que sobravam de outros artistas. Até hoje não consigo ouvir o disco sem lembrar que gravei muita coisa no início das manhãs.


Quem produziu foi Reinaldo Barriga, um cara com os dois pés no chão e sem muitas pretensões artísticas. Era exatamente o que precisávamos, pois idéias nós já tínhamos demais. Ele nos ajudou muito, pois tinha a cabeça nos anos 70. Nós não estávamos muito interessados nas mudanças tecnológicas que estavam começando a invadir os estúdios.

Queríamos estar longe demais das capitais, na contramão da euforia que rolava na cena. Predominava no ambiente uma vontade estranha de ser londrino ou nova-iorquino. Algum tempo depois pintou a onda terceiro mundista e o orgulho estranho de ser banguela. Nunca entendi estas tendências.

A foto da capa não é nada urbana. O local sugere o pampa gaúcho, mas é mais perto de Porto Alegre do que se pode imaginar.
Eu já tinha escrito todo o material antes de entrar em estúdio. As músicas já rolavam nos shows. Gosto de pensar que poderia ter feito aquelas canções hoje de manhã. Até citaria os mesmos Fidel e Pinochet em “Toda Forma de Poder”.

Um fato revela qual era nosso espírito durante a gravação: o pessoal do estúdio se enganou na hora de pegar as fitas e uma canção foi gravada sobre a anterior. Foram horas de trabalho jogadas fora. Os caras olharam para a gente apavorados, esperando que tivéssemos um ataque histérico. Nossa reação foi cair no chão de tanto rir. Teríamos que fazer tudo de novo? Que bom!"

Humberto Gessinger, líder do Engenheiros do Hawaii

CLÁSSICOS DE 1986: RÁDIO PIRATA AO VIVO


Em 1984 passamos o ano inteiro rodando as danceterias de Sampa e ensaiando diariamente, então, quando Ney Matogrosso foi nos assistir, ele encontrou uma bandinha muito bem ajeitada, que tocava aquelas músicas de trás pra frente, com pegada e muita segurança. Mas foi ele quem lapidou a pedra bruta, desde nossa postura de palco até o roteiro, passando pelas luzes e pelo uso preciso e econômico do raio laser. Estreamos, ansiosos, um espetáculo ousado, hi-tech, na primeira incursão de uma banda de nossa geração num grande teatro, em horário nobre.
A presença do nosso querido Chacrinha na platéia nos deixou ainda mais nervosos. Mas os ensaios mostraram sua eficiência e tudo correu bem. Por acaso, isto aconteceu na véspera do meu aniversário de 23 anos, no dia 23 de setembro de 1985. Poucos meses, e muita, muita loucura, shows, programas de tv e rádio e várias capas de revistas depois, um acontecimento inesperado mudaria definitivamente o rumo de nossas vidas. A música "London, London", colocada no show por minha sugestão, para criar a dinâmica que o Ney precisava para o roteiro, havia sido gravada no Festival de Atlântida, em Porto Alegre, e estava estourada, numa versão pirata (meta canção!), nas rádios de todo o Brasil, chegando ao absurdo de 70 execuções/dia (para se ter uma idéia, 20 execuções já é considerado um sucesso!).


O desvio de rota passava pelo Palácio das Convenções do Anhembi em SP, onde, em duas apresentações no mês de maio de 1986, gravaríamos "Rádio Pirata Ao Vivo”. Naquela altura, estávamos no auge, pensávamos, e não podíamos imaginar o quanto à coisa ainda iria crescer. Com uma média de cinco shows por semana, éramos uma banda extremamente competente, entrosada, e nosso astral estava lá em cima, com um sucesso ímpar e todos os nossos sonhos mais megalomaníacos se realizando um a um.


As gravações transcorreram tranquilas, dentro daquela espécie de beatlemania que vivíamos, produzidas pelo experiente Mazzola, e dirigida pelo Ney. Com toda aquela bagagem, nada poderia dar errado. Fomos à Los Angeles mixar o disco, em mais uma ação pioneira, e o resultado é o que se sabe: três milhões de cópias vendidas, e ainda a maior vendagem do catálogo da Sony-BMG. O que não sabíamos é que, de certa forma, aquele era o começo do fim.

Mas essa é outra história...


Paulo Ricardo, ex-líder do RPM

CLÁSSICOS DE 1986: O FUTURO É VORTEX


Quando chegamos ao estúdio, adoramos. Era muito grande, com um piano e uma cabine exclusiva para voz. Muitos artistas de peso haviam passado por lá, na rua Dona Veridiana. Nos trataram muito bem, disseram que podíamos fazer qualquer coisa lá dentro, e fizemos. A produção ficou a cargo do Maluly, conceituado produtor da época, muito simpático e atencioso, quefez de tudo para gravar nosso som da melhor forma possível. Lembro de uma idéia dele de gravar a minha voz em “Surfista Calhorda” no banheiro da gravadora, e gravamos. Ecos de azulejo. Inclusive no final da música eu puxei a descarga da privada. Usamos uns amplificadores Fender antigos e muito bons. Tinha uma sala cheia deles, inacreditável.



Participei da edição do disco, que na época era em fita magnética, com durex usados nas emendas.Foi uma temporada muito boa em São Paulo, gravávamos da tarde até a noite,e depois saíamos pela cidade em busca de shows e festas legais. Para a capa do disco chamamos nossa amiga Rochelle Costi, que havia feitoa capa do compacto. Hoje ela é famosa no Brasil e no mundo com seus trabalhos espetaculares. As fotos foram feitas na abóbada da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre, como se tivéssemos sito tele transportados de um outro mundo para a Terra.


O Replicantes nunca criou espectativas, mas sabíamos que se tratava de um disco clássico. Tínhamos direito a cem exemplares, e estes nós usávamos para presentear pessoas mais interessantes, que achávamos que iriam curtir e divulgá-lo mais ainda, o que sempre acontecia. Mandávamos discos para fora do Brasil, inclusive o encarte tinha as letras em português e inglês. Sempre dando muita importância para o fato de as pessoa entenderem o que estávamos falando. Até hoje quase todas as músicas deste disco continuam nos nossos shows.

Wander Wildner, ex-vocalista do Replicantes

CLÁSSICOS DE 1986


O Ira! conseguiu um ótimo destaque com "Longe de Tudo", música do 1º disco da banda. MAs foi com Vivendo... que a banda chegou ao reconhecimento nacional, muito graças a "Flores em Você" que foi abertura de novela das 8 da Globo. Pra mim, o disco inteiro é ótimo. Um clássico que tinha tudo para afundar a banda. Olha só a confusão para gravá-lo:


Esse é um disco que gosto muito das composições, porém não gosto da forma como foi gravado e de sua sonoridade. A princípio ele seria produzido por Liminha. Fomos ao Rio para as gravações no Nas Nuvens, mas acabamos batendo de frente com ele e voltamos para São Paulo para terminar o disco aqui. Até por isso a produção do disco foi assinada por cinco nomes.

O clima no estúdio foi tenso por causa de todas essas mudanças de produtor e sonoridade. Entramos no estúdio com uma postura defensiva, pois não estávamos seguros.
Quando o material que gravamos no Rio chegou, ficamos assustados, pois haviam mexido na master, deixando alguns canais reduzidos, onde tinham dois instrumentos ou mais, e isso atrasou o processo de mixagem.

No Vivendo e Não Aprendendo acabamos gravando novamente “Pobre Paulista” e “Gritos na Multidão”, mas isso foi uma coisa da gravadora. Essas músicas pra gente já eram de um passado distante, mas a gravadora disse que iria ajudar nas vendas e, pra não vermos essas músicas trabalhadas pela gravadora, então resolvemos gravá-las ao vivo, numa espécie de sabotagem, pois dificilmente a Warner lançaria uma música de trabalho ao vivo. A gente sempre dizia não para a gravadora: não gostávamos de fazer playback e de divulgação em qualquer lugar. Era sempre ‘não’, então para agradarmos de certa forma, acabamos por colocar no disco essas duas músicas.


Éramos uma banda de vanguarda, “Vitrine Viva” é um exemplo disso, o Ira! era uma espécie de líder da cena underground de São Paulo e, já no 1º disco, deixamos de lado as roupas escuras do punk rock para mergulharmos na sonoridade mod, sessentista e idealista. Nesse contexto “Gritos” e “Pobre” já não se encaixavam mais em nossa sonoridade.

Quanto a capa não queríamos fazer novamente uma foto de banda e foi aí que veio a idéia de se fazer desenhos, numa linguagem de Art Pop, que tem tudo a ver com o movimento Mod.
Vivendo e Não Aprendendo foi o passaporte de entrada do Ira! no mainstream.

Nasi, ex-vocalista do Ira!

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Febre de Alice



Filme, exposição e livro marcam os 145 anos de criação da personagem de Lewis Carrol - uma das mais instigantes e originais da literatura universal


Mundo surreal

Cena do aguardado filme "Alice no País das Maravilhas", dirigido por TIm Burton e protagonizado pela atriz Mia Wasikowska: ela faz uma Alice menos ingênua e com leve dose de malícia
Uma história inventada para divertir três crianças no final do século XIX se transformou na primeira ficção escrita pelo professor britânico de lógica e matemática Charles Lutwidge Dodson, conhecido como Lewis Carrol (1832- 1898) - e lhe concedeu o título de fundador do surrealismo na Inglaterra vitoriana. "Alice no País das Maravilhas", a mágica fábula da menina que se perde pelos labirintos da própria imaginação, foi criada especialmente para a garota Alice Liddel, então com 10 anos, e que é a homenageada do título. Essa despretensiosa peregrinação infantil já foi traduzida em 50 idiomas ao longo de quase 150 anos. Agora ganha novo fôlego com a aguardada versão cinematográfica dirigida por Tim Burton, com a estreante australiana Mia Wasikowska, 20 anos, no papel principal, e o astro Johnny Depp como o chapeleiro maluco. O cineasta, com sua estética fantástica, sombria e mórbida, e com o seu humor nonsense, parece bastante apropriado para contar essa história instigante (que, se diverte, também angustia) de "bichos, sonhos e anarquias" - como a define o próprio Lewis Caroll já no prefácio de seu livro. "As histórias de Alice são como drogas para menores", diz um corajoso Burton.


FILME E LIVRO A atriz Mia Wasikowska estreia em um difícil papel: tem de agradar a crianças e adultos. À dir., a nova edição da obra
Não bastasse a superprodução prevista para estrear em março do ano que vem, ainda há uma bem cuidada edição do livro que acaba de ser lançada (Editora Cosac Naify), com ilustrações vibrantes e psicodélicas de Luiz Zerbini e posfácio do historiador Nicolau Sevcenko. Uma das versões é especial para colecionadores e imita uma caixa de baralho. O que explica a atualidade da personagem? Na definição de Sevcenko, temos uma pista: "Alice é uma figura rebelde, que enfrenta, cheia de espanto e indignação, as criaturas presunçosas, mal-humoradas e falastronas do Mundo das Maravilhas. Atrás de cada uma delas está um tipo de


instituição vitoriana que Lewis satiriza e Alice desacata, para diversão e desforra dos leitores." Esse espírito de contestação também inspirou um grupo de artistas franceses de vanguarda a criar a mostra "Um Mundo sem Medidas", em cartaz no Museu de Arte Contemporânea, da Universidade de São Paulo. Organizada pela curadora francesa Valérie Marchi, a exposição reúne o trabalho de dez artistas plásticos contemporâneos com esculturas, fotografias, pinturas, desenhos e projeções que exploram as noções de espaço, tempo e dimensões inspirados no universo lúdico e onírico de Alice. A intenção é proporcionar a adultos uma viagem sensorial pelo espaço e pelo tempo através de efeitos multimídia e ilusões de ótica. É a "Alice no País das Maravilhas" do século XXI.

NO MUNDO DE ALICE
Exposição de arte explora o universo lúdico da personagem

Um dos principais destaques da exposição "Um Mundo sem Medidas", em São Paulo, o artista francês Jean-François Fourtou criou cenários desproporcionais que remetem a situações vividas por Alice em suas histórias, quando ela se torna tão pequena que perde a possibilidade de interagir com o ambiente - ou se coloca numa situação de vulnerabilidade extrema (foto à dir.). Outro expoente da vanguarda francesa, o fotógrafo Gilbert Garcir, também está presente: exibe a sua coleção de fotos surrealistas baseando-se na abstrata "Alice Através do Espelho".


Fernanda Assef - De Istoé para o Mensageiro da Realidade

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Who is it in the Press?


Quem diz essa frase é Júlio César, na peça homônima de Shakespeare. Não gosto de usar citações em outro idioma nos meus textos, mas, neste caso, é preciso em virtude do significado da palavra “press”, hoje, diferente. Andando com Marco Antônio entre a multidão, a caminho do Senado, Júlio César ouve alguém gritar por ele e responde: “who is it in the press that calls on me”, “quem me chama no meio da multidão”.
Sabe-se que “press”, em inglês significa imprensa, e que a Imprensa ainda não existia no período em que Shakespeare viveu. “Press” naquela época entendia-se como povo, gente, multidão. A relação entre a Imprensa, o Governo e a Sociedade é um dos fenômenos mais complexos do mundo contemporâneo. Fernando Henrique Cardoso disse uma vez, quando era Presidente da República, que ele precisava ler os Jornais todos os dias, para saber o que “ele estava pensando”. Não mentiu quando disse isso. O poder da Imprensa é gigantesco, e distorções e manipulações podem alterar por completo todo um estado de coisas. A mentira sempre pode fazer grandes estragos.
É comum, no Brasil, rotular, carimbar os “formadores de opinião”, jornalistas e escritores, que opinam sobre assuntos do dia a dia da nação e do mundo obrigando-os a “ter um lado” - seja sobre políticas públicas ou questões de natureza moral ou ética - como se não houvesse parâmetros para análises isentas. Os governos criam todos os dias, leis que geram mais confusão do que resultados, que atropelam essa ou aquela dimensão institucional, trazendo graves conseqüências para o futuro. No entanto, existe uma patrulha atuando para que especialistas silenciem diante dos descalabros diários do Estado. Achar que todas as pessoas que escrevem na Imprensa são vendidas, que o fazem por dinheiro ou por favores, que seus textos são de encomenda, ou ainda, que são opiniões ideológicas, partidárias e que não têm compromisso com a verdade é um grande erro. Existem opiniões isentas, sim. O grupo que age com isenção é pequeno, infinitamente menor do que aqueles estão comprometidos com seu próprio bolso, mas ele existe. Os homens públicos e o governo precisam ser vigiados, pois são manipuladores. O Estado é um monstro, é Thomas Hobbes quem nos alerta, em O Leviatã, “no entanto, ele, o monstro (o Estado) quer carinho”.
O escritor sério busca a verdade, orienta a sociedade, pois esse é o papel da Literatura. Embora sejam antípodas, a Literatura orienta a Política e a complementa, pois trabalha pra consertar seus erros. Já fez e tenta fazer todos os dias o seu papel de antena da sociedade. É Hamlet na sua conversa com os atores quem afirma: “o papel da arte foi, e é oferecer um espelho a natureza”.
Shakespeare escreveu numa época onde ainda não havia ideologias e isso é muito bom, já que impede que ele venha a ser rotulado como se faz comumente com todos. Esquerdista, neoliberal, machista, sexista, racista, imperialista, e vários outros carimbos de igual tamanho. Leio Shakespeare porque ele não está contaminado por essas coisas.
A grande Literatura só existe porque é honesta. Os grandes autores eram homens virtuosos e as exceções são poucas. Quando não o eram, procuravam sê-lo. O grande problema do Brasil ainda é que os bons – e são poucos - estão calados diante da iniqüidade que há muito tempo perdura no país. Repentinamente alguém grita: qual é seu papel na multidão?

Theófilo Silva é Presidente da Sociedade Shakesperae de Brasília e Colaborador da Rádio do Moreno.

domingo, 11 de outubro de 2009

Este blog foi Eleito Top 100 na Categoria Comunicação Profissional do Prêmio Top Blog, o maior Prêmio da Internet Brasileira.Obrigado a todos!

Da Revista Éoca: Herbert de Perto


"Herbert é obsessivo, é uma marca dele", diz Berliner
Roberto Berliner e Pedro Bronz dirigem o documentário "Herbert de Perto", sobre Herbert Vianna. Segundo eles, o acidente de ultraleve que deixou o músico paraplégico em 2001 serviu de aviso para os amigos, que "começaram a repensar um pouco a maneira como viviam, com uma responsabilidade maior". Confira a entrevista

LAURA LOPES

Roberto Berliner é amigo de Herbert Vianna desde os anos 80, quando começou a trabalhar com os Paralamas. Dirigiu clipes da banda e documentários. Tornou-se amigo e parceiro profissional do músico. Pedro Bronz, mais novo, era fã do grupo quando adolescente. Os dois dirigem Herbert de Perto, um documentário que estreia nesta sexta (9) e fala sobre a vida do ídolo antes e depois do acidente trágico de ultravele que o deixou paraplégico. Traz depoimentos de familiares, amigos e entrevistas com o próprio Herbert, além de imagens de arquivo. O filme é alegre, musical, e trata com cuidado minucioso o acidente, que ocorreu em 2001 e matou sua mulher, Lucy. As cenas derradeiras de Herbert de Perto são de um Herbert sentado na cabeceira de uma mesa de almoço, cantando para não se sabe quem, talvez provavelmente sobre seu amor por Lucy, à frente de uma toalha branca suja de vinho. Aquele é o mundo dele: o violão, o amor perdido no acidente, a música de tom pessoal. ÉPOCA entrevistou Roberto e Pedro em um hotel em São Paulo, sobre o passado e o presente de Herbert e as escolhas feitas na edição do documentário.

ÉPOCA – Em que momento vocês resolveram fazer o documentário?
Roberto Berliner – Eu acho que nós falamos (sobre isso) desde 1983. Eu achava que era possível usar esse material (gravado desde então). Eu trabalhei no arquivo da Globo durante três anos e meio e acho que ali eu entendi a importância que as imagens vão ganhando ao longo do tempo. O documentário que em fiz em 1987 (V – O Vídeo, que foi ao ar no SBT) gerou várias imagens. E depois, de novo, em 1995, eu achei que a gente precisava rever as imagens. Ao longo do tempo fui fazendo clipes, e documentários que fiz nos anos 80, 09 e 2000, mais as coisas pessoais, que gravei como amigo na casa dele, com uma camerazinha. A ideia ficou clara logo depois do acidente, quando o Herbert começou a se recuperar. Pensei: "A melhor coisa que eu posso fazer agora é um documentário. Talvez possa ajudá-lo nessa coisa da memória". Mas não era a hora certa. A gente esperou e, em 2005, sentou e conversou, o Herbert, a família, a mãe dele... Foi muito legal porque eles achavam que se alguém tinha que fazer era eu. E foi muito bacana para mim ouvir isso.
Arquivo
Cartaz do filme, que estreia nesta sexta (9) nos cinemas
ÉPOCA – E quando vocês pararam de gravar?
Pedro Bronz – Em novembro de 2007 foram as últimas imagens. Lá no Maracanã, na abertura do show do The Police. Antes, a gente começou a filmar com esse olhar de "estamos fazendo um documentário", e gravou o processo de execução do disco (Hoje), desde a primeira fita demo até as gravações independentes. A gente filmou alguns eventos que achou relevantes nesse período, como a inauguração da Lona Herbet Vianna na Favela da Maré. E filmou o que é central do nosso documentário que é a entrevista com ele, ele se deparando com imagens de sua vida. E comentando, e revivendo. E as entrevistas com todas as pessoas.

ÉPOCA – E ele viu todas aquelas imagens? E até mais do que as aparecem no filme?
Pedro – Sim, até mais. A gente primeiro assistiu ao material e depois preparou para o Herbert assistir.

ÉPOCA – Como é essa amizade com o Herbert?
Pedro – Para mim, foi incrível. Você estar aí perto de um ídolo de sua adolescência, conviver com ele, foi uma experiência incrível. Ele foi muito carinhoso, super receptivo, super aberto. Eu acho que tudo isso por causa da chancela do Roberto. As portas se abriram para mim com muita tranquilidade. Quando você faz um filme, normalmente tem todo um processo de conquista dos personagens, você precisa conhecer, ele precisa confiar em você.

Roberto – Primeiro foi lá em 87, durante esse primeiro documentário, eu fiz o clipe de "Alagados", a gente começou a se aproximar, e depois o clipe de "A Novidade". Ali a gente já estava bem amigo e vivendo coisas parecidas. Teve uma época em que todo mundo namorava todo mundo então saía para beber, falava bobagens (risos). E logo depois em 90 ele conheceu a Lucy e eu conheci minha mulher. E era isso, a amizade misturada com o profissional. A Lucy falava que que "o que vai ficar na história são os seus clipes". Trabalhar com amigo é bom até dar errado. Não vai deixar de ser amigo, mas vai deixar de trabalhar junto.

ÉPOCA – Por que você escolheu agora para lançar o filme, uma vez que o acidente e a recuperação do Herbert ainda são uma lembrança recente para as pessoas?
Roberto – Desde o acidente eu pensava naquilo, em fazer. E não pensava em encerrar um ciclo, ao contrário, eu pensava em fazer um corte quando ele tivesse no meio – até o primeiro CD que ele faz depois do acidente é um longo caminho. Acho que a gente está no meio do caminho.

Pedro – E que bom que isso aconteceu, o cara estar na ativa. Não se tornou um estigma, de esperar morrer para ser homenageado ou estar decadente. O cara, porra, é do caralho, o cara ta aí, tá vivo...

ÉPOCA – O documentário é bem isso, é bem para cima...
Pedro – É o que ele é. É para cima porque ele é para cima, a história é para cima. O cara está ali, na batalha, compondo, neste último disco as letras são lindas, as músicas maravilhosas... E o show, esse último show do Brasil Afora, é incrível.

Roberto – Você está falando de um amigo, e também está falando um pouco de você. Neste caso, é uma relação, é mais delicado, né?

ÉPOCA – Por que vocês não falaram sobre como o acidente afetou a vida pessoal de Herbert? Fala-se muito sobre os filhos, mas eles não aparecem. Não focar o olhar no lado pessoal foi uma escolha de vocês ou dele?
Pedro – Foi uma escolha totalmente nossa. A questão das adaptações (depois do acidente) acho que está um pouco claro.

Roberto – Em nenhum momento eu quis mostrar as cranças dele. Nem pensei em tirar também. Não me ocorreu que eles devessem não ser vistos ou mostrar mais a casa deles do que a gente já mostrou. A casa dele está ali, a vida dele está mais ou menos ali. A mãe, também está claro. A gente mostrou o Herbert como ele é, mas a gente não pensou em "não vamos mostrar isso", ou imagens que a gente fez e imaginou que deveria censurar.

Pedro – As coisas estão, como no cinema, no campo da percepção e a imagem. E isso tem muito no filme. A gente tem um tipo de informação que é o que as pessoas falam, que é a entrevista. Mas há outra informação diluída ao longo do filme que está no campo visual. Ou seja, eu não preciso falar que a casa dele foi adaptada, porque ele tem um elevador no meio da casa dele.

Arquivo
Herbert, antes do acidente. Hoje ele diz que não prestava verdadeira atenção à plateia
ÉPOCA – Mas isso eu vi no filme. E as outras coisas pessoais?
Pedro – Então, vamos mostrar a casa dele, mas isso está dentro do contexto do perscurso dele ir buscar a guitarra (cena em que ele vai do quintal ao elevador para descer ao estúdio e pegar a guitarra). Mas nesse pequeno percurso tinha muitas coisas, como o elevador, a rampa na sala... Por exemplo, a condição de vida dele, como é que o cara está? Como o cara é? Tem uma música no filme que é "Ponto de Vista": "você não deve saber como é o mundo aos olhos de quem sofre ao se mover"...

Roberto – E a música é como se fosse uma entrevista.

Pedro – A condição da memória, por exemplo, não temos uma pergunta para ele no depoimento, mas isso está no momento em que estamos com ele dentro do banheiro, que ele fala um pouco da memória. Ou na entrevista no hospital Sarah (Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília), as coisas estão ali. Mas como aquilo requer um cuidado, a gente tentou de outras formas.

ÉPOCA – Como vocês trataram essa questão pessoal sem parecer revista de fofoca?
Roberto – Eu acho que isso está um pouco... Ele tem alguma autonomia, ele tem um carro que é todo adaptado, mas ele é cercado de gente. Ele tem o luxo de ter gente em volta dele. Agora, recentemente, ele disse "eu sou um sortudo. Não tenho os problemas que os cadeirantes têm". Porque ele vai e tem um staff que resolve tudo.

ÉPOCA – A mãe dele está morando com ele, né?
Roberto – Está, é ela quem está organizando a casa.

ÉPOCA – E os filhos moram lá?
Roberto – Moram lá.

Pedro – Há várias formas de se olhar a intimidade.

ÉPOCA – Você quiseram falar mais sobre a vida artística dele, em vez da pessoal?
Roberto – A gente quis fazer uma mistura das duas coisas. Essa mudança, esse baque, como a família reagiu, como os amigos reagiram...

Pedro – As coisas se misturam quando fala de Herbert, a vida artística e a vida pessoal. As músicas dele são fruto de uma experiência pessoal dele. Pouca gente se expõe assim como ele. Por isso que toca fundo as pessoas, porque fala do coração.
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ÉPOCA – Por isso a música dele é tão importante para ele, ele é tão viciado...
Pedro – Exatamente. Se ele está dando uma entrevista, estará com uma guitarrinha aqui, vai te responder em música, ou cantar alguma música que lembrou. É algo que não é dissociado. Talvez soe meio "poxa, o cara só toca, só faz música". Mas é isso um pouco.

Roberto – Ele é obsessivo, é uma marca dele. Ele fala lá atrás no filme que sua capacidade de trabalho é maior que o talento. Por exemplo, antes ele não cantava bem. Era um puta compositor, de uma puta banda... Era como o Chico Buarque, que tem um estilo e tal. Mas hoje em dia ele canta melhor, ele pratica um pouco mais do que ele praticava.

ÉPOCA – Talvez ele preste mais atenção agora. Ele mesmo disse que nunca tinha prestado atenção à plateia de tão ativo que era no palco...
Roberto – É, ele não parava quieto.

ÉPOCA – De modo geral, como você vê o Herbert hoje em relação ao passado? Qual as diferenças?
Roberto – As diferenças são grandes, não só dele, mas de todo mundo que está em volta, até fãs. Porque esse acidente foi emblemático. Vários amigos, e amigos de amigos, começaram a repensar um pouco a maneira como viviam, com uma responsabilidade maior. Ele ganhou um monte de coisas e perdeu um monte de coisas. O Herbert é mais aberto hoje em dia, talvez, mais direto do coração. Acho que ele perdeu um pouco da proteção que ele tinha. Hoje em dia ele vai mais de coração aberto. É outro Herbert. Ele perdeu um pedaço da memória. Dizem, no documentário, que antigamente ele não gostava (da expressão) "fazer amor" (em letra de música), e agora ele usa. Está mais próximo de ele ser ele mesmo. O Herbert tinha uma censura maior, pensava... e agora ele vai de coração aberto. E após o acidente ele não sabia quem era, o tamanho que ele tinha. E teve a noção do personagem que era de uma maneira mais distanciada. Ele começou a ser ele e ficar um pouco mais em casa, com as crianças, e ter o personagem Herbert.

ÉPOCA – Viver as duas coisas de uma maneira mais saudável?
Roberto – Exatamente, se preservando mais.

ÉPOCA – E, você, Pedro, como foi trabalhar com um ídolo da infância e adolescência?
Pedro – Foi incrível, foi uma descoberta de um grande ser humano. Foi muito legal, sem querer adjetivar, mas foi muito enriquecedor para mim, para a minha história como pessoa. Descobrir também a incrível musicalidade que eu não sabia que ele tinha. Ele é um grande compositor e tem uma relação tão visceral que você percebe que nada é à toa. Tantas músicas boas, tanta coisa que ele produziu. E ver como a obstinação e um foco e a força, a força de viver. E isso está não só depois do acidente, como na década de 90, está nas primeiras imagens e nos primeiros depoimentos, está impregnado em todo lugar, e no material bruto. E ainda mais na edição final. Isso também foi uma grande descoberta. Eu fui, eu deixei e voltei a ser fã de novo. Voltei a acompanhar os seus trabalhos.

A humanidade é bipolar


Para Wolfgang Sperling, a recessão e a pandemia são só sintomas de uma doença coletiva global
Peter Moon

O vírus da gripe suína surgiu num momento auspicioso – para o vírus, é claro. O agente causador da pandemia iniciou seu assalto à humanidade em abril, no México. Seis meses antes, a quebra do banco americano Lehman Brothers aprofundou a maior crise econômica em 80 anos. Se o mundo não estivesse em recessão, talvez o surto de gripe não tivesse virado pandemia, diz o psiquiatra alemão Wolfgang Sperling, na revista Medical Hypothesis. Sperling culpa os novos meios de comunicação. A rapidez com que a imprensa noticiou a falência do Lehman e o surto no México gerou ondas globais de pânico, só comparáveis à alegria gerada pelos primeiros sinais de retomada. Esse fenômeno faz a população oscilar entre a euforia e a depressão. “Se a humanidade fosse um paciente, ela seria bipolar.”

ENTREVISTA - WOLFGANG SPERLING

Divulgação QUEM É
Wolfgang Sperling, de 45 anos, é psiquiatra e professor na Clínica Psiquiátrica e de Psicoterapia da Universidade de Erlangen-Nürnberg, em Erlangen, na Alemanha

O QUE FAZ
Sperling pesquisa os efeitos epidemiológicos do alcoolismo e dos distúrbios de comportamento, como a síndrome do pânico, a desordem bipolar e a esquizofrenia

O QUE PUBLICOU
É autor e coautor de 70 artigos em mais de 20 publicações científicas como Alcohol and Alcoholism, Medical Hypothesis e Neuropsychobiology

ÉPOCA – Como o senhor vê a reação global à quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008?
Wolfgang Sperling – O que houve foi um efeito dominó. A quebra do Lehman Brothers desencadeou uma reação em cadeia global de pânico nos mercados financeiros, levando à quebra de outros bancos, e assim por diante. Tudo se deu muito rápido. Em questão de minutos, a onda de pânico deu a volta ao mundo, atingindo praticamente todas as pessoas com conexão à internet. Quando se analisa aquela reação em cadeia global, percebe-se que as novas mídias tiveram papel crucial na crise. O Lehman Brothers foi apenas a primeira pedra. A culpa da crise é dos meios de comunicação.

ÉPOCA – O senhor diz que a pandemia é uma consequência da crise. Como assim?
Sperling – Eu enxergo a pandemia como um efeito indireto da crise global. O novo vírus influenza A(H1N1) surgiu no México, em abril. Apesar de não ser mais perigoso que o vírus da gripe comum, o H1N1 deu origem a uma pandemia. O que explica a eclosão da pandemia é a existência de uma conexão entre o surgimento do H1N1 e a crise mundial. Essa conexão são os meios de comunicação.

ÉPOCA – É uma hipótese muito ousada.
Sperling – Não, não é. Há precedentes. Esta não é a primeira vez que uma pandemia sucede a uma crise econômica. Quem se lembra da síndrome respiratória aguda grave (Sars, de suas iniciais em inglês), uma forma letal de resfriado que matou 800 pessoas na China e no Canadá, em 2003? A Sars foi a primeira pandemia do século XXI. Ela ocorreu após o estouro da bolha da internet, em 2000, e os ataques de 11 de setembro de 2001. Hoje, temos a gripe suína.

ÉPOCA – Mas qual é o papel dos meios de comunicação nessa história?
Sperling – Eu não conseguia entender como podíamos ter duas pandemias num espaço tão curto de tempo. A resposta veio quando analisei os aspectos econômicos e tecnológicos da questão. No mundo globalizado, as pessoas viajam de um continente para outro em menos de um dia. Elas estão conectadas 24 horas por dia. As condições estavam dadas para que os meios de comunicação pudessem incendiar o planeta com a notícia da quebra do Lehman. Fizeram o mesmo com o H1N1. Não importa o lugar, Alemanha, Brasil ou Fiji, todos sabem o que é a gripe suína. Há cem anos, ninguém saberia.

ÉPOCA – Ainda não está clara qual seria a conexão entre a crise e a pandemia.
Sperling – A primeira vez que uma crise mundial e uma pandemia ocorreram em sucessão não foi em 2009, com o H1N1, nem em 2003, com a Sars. Foi no fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o pior conflito que a humanidade viveu até então. A Grande Guerra foi o primeiro evento global, que conectou todo o planeta. Em 1918, após quatro anos de conflito e 10 milhões de mortos, as pessoas estavam cansadas, famintas, sem esperança. Os milhões de soldados nas trincheiras da Europa tinham vindo de todos os cantos do mundo e não queriam mais lutar. Não viam sentido no conflito. Foi quando eclodiu a Gripe Espanhola de 1918. Ela deu a volta ao mundo em seis semanas, mas a população só soube disso muito depois. A diferença entre 1918 e 2009 é que hoje, graças às telecomunicações, nossa sociedade é transparente. Sabemos o que ocorre do outro lado do mundo em tempo real. A crise bancária foi um produto dessa sociedade transparente.

ÉPOCA – O crash da Bolsa de Nova York, em 1929, não antecedeu a uma pandemia.
Sperling – É, mas o crash de 1929 talvez tenha sido mais localizado. Não foi uma crise global que contaminou todos os mercados financeiros, pois eles não eram interligados como hoje. Em tempos de globalização, se um banco alemão tem problemas de caixa, isso pode refletir imediatamente em bancos no Brasil. Não foi assim em 1929. Por isso, aquela crise não pode ser comparada à de hoje.

ÉPOCA – Mas recessões e guerras são eventos independentes de uma pandemia.
Sperling – Não, não são. Graças às telecomunicações, todo o mundo sabe tudo o que acontece o tempo todo. Esse bombardeio de informações cria sentimentos de euforia e de depressão. Na medicina, um paciente que alterna estados de euforia e depressão sofre de síndrome bipolar. Emoções semelhantes estão por trás dos movimentos de alta e baixa do mercado acionário. Não é novidade. Em 1996, Alan Greenspan, o então presidente do Federal Reserve (o banco central americano), alertava para o risco do que chamou de “exuberância irracional dos mercados”. Era o período de euforia da bolha da internet. Quando ela estourou, em 2000, a euforia deu lugar à depressão. É o que vemos hoje. O incrível é que o sentimento de depressão que se alastrou pelo mundo há um ano já está sumindo. As Bolsas voltaram a subir – sem razão aparente alguma. É o mesmo processo. Ninguém pode detê-lo. O mesmo se dá com a pandemia. Não se pode contê-la. Essa é a conexão entre dois eventos muito diferentes, um na esfera econômica, o outro na esfera da saúde. A humanidade sofre de síndrome bipolar global.

"A humanidade começa a manifestar claramente momentos
de alternância emocional entre a euforia e a depressão"

ÉPOCA – Síndrome bipolar global (SBG)?!?
Sperling – A síndrome bipolar é a alternância brusca entre dois sentimentos muito diferentes que causam ansiedade. De um lado, temos as emoções ligadas ao estado de depressão. De outro, aquelas ligadas ao estado de euforia, o que chamamos de manias. Para mim, a humanidade começa a manifestar claramente momentos de alternância emocional entre a euforia e a depressão.

ÉPOCA – A humanidade está doente?
Sperling – A psicose bipolar é uma forma de doença psiquiátrica. Se olharmos os acontecimentos dos últimos anos, veremos que a SBG é o fator definidor de tudo o que vem acontecendo no mundo – não só na órbita da economia. Esse fenômeno faz parte das transformações causadas na sociedade pelo advento dos novos meios de comunicação.

ÉPOCA – Quais são os sintomas da SBG?
Sperling – Os principais sintomas são uma ansiedade incontrolável e a dificuldade de reagir de modo adequado aos problemas. No limite, os sintomas se assemelham aos de um paciente com síndrome do pânico. Quem sofre de pânico escolhe fugir dos problemas, deixar tudo para trás. Jamais enfrenta a situação que causa o pânico para buscar uma solução. Na SBG acontece o mesmo. Quando um banco quebra, todos saem correndo.

ÉPOCA – Então, a SBG seria a conexão entre a crise global e a pandemia?
Sperling – Sim, mas de forma indireta. O sentimento global de depressão age como um facilitador para o advento da pandemia. Há uma relação clara entre os humores da economia e a saúde pública. Vivemos numa sociedade de consumo, materialista. Todos sabemos como a falta de dinheiro pode fazer mal à saúde. Ela atrapalha nossos relacionamentos, causa tensão, ansiedade e insônia. Está provado que o aumento dos níveis de estresse está relacionado a uma redução na capacidade de defesa do sistema imune. Logo, é razoável supor que uma crise econômica mundial afete o sistema imune de centenas de milhões de pessoas. E é quando a humanidade está com a saúde fragilizada que eclodem as pandemias.

ÉPOCA – Há cura para a SBG?
Sperling – Precisamos criar alguma forma de terapia global. Por analogia, há vários meios para tratar um paciente com pânico. Usam-se remédios com a função de acalmá-lo. Não por acaso, acalmar os mercados é a prescrição usada pelas autoridades para deter o efeito manada nos momentos de pânico. O mesmo se aplica aos meios de comunicação. Acalmar a mídia significa dizer: “Não reajam tão rápido, alardeando o mundo de que há uma nova crise. Esperem!”.

ÉPOCA – Isso é censura.
Sperling – Se quisermos interromper esse comportamento irracional coletivo, será preciso agir com despotismo. Esse é o problema que devemos enfrentar.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Este blog foi Eleito Top 100 na Categoria Comunicação Profissional do Prêmio Top Blog, o maior Prêmio da Internet Brasileira.Obrigado!

Ele explica?!




No próximo dia 23, faz 70 anos da morte de Freud, o Pai da Psicanálise, e suas teorias continuam presentes na área clínica, nas universidades e no meio cultural


Ele recebeu o nome de Sigismund Schlomo Freud, mas em 1877 fez questão de abreviar para Sigmund Freud. Com esse nome, tornou-se conhecido, respeitado e reverenciado pelas contribuições que deu à humanidade. A interpretação dos sonhos, a existência de uma sexualidade na infância, o reconhecimento de desejos infantis dos filhos em relação aos pais se tornaram foco das discussões de estudiosos das teorias de Freud. Em seus 83 anos de vida, trabalhou muito, mas enfrentou sérios problemas financeiros e morreu em consequência de um câncer, no dia 23 de setembro de 1939, em Londres.

Freud nasceu em 1856, na região da Morávia, que fazia parte do Império Austro-Húngaro, hoje denominado de República Checa. Em 1860, a família mudou-se para Viena, onde ele ingressou aos 17 anos na Faculdade de Medicina. Quando se formou em 1882, trabalhou com o neurologista francês Jean-Martin Charcot, com o qual conheceu a hipnose. Mas foi com o médico Joseph Breuer, considerado seu principal colaborador, que Freud publicou o Estudo sobre Histeria. Nesse livro é descrita a teoria de que as emoções reprimidas levam aos sintomas da histeria, que poderiam desaparecer se o paciente conseguisse se expressar.

O psicanalista Orlando Cruxên, professor do curso de Psicologia da UFC, lembra que Freud teve uma trajetória interessante como criador da psicanálise. Esse método de investigação utiliza a fala e visa resgatar o significado do inconsciente, das palavras, dos sonhos, delírios de uma pessoa. "Freud revolucionou em vários aspectos, mostrou que o ser humano não é dono nem de sua própria casa porque o inconsciente o atravessa e o desloca."

A Psicanálise foi o método desenvolvido pelo médico neurologista Sigmund Freud para tratar de distúrbios psíquicos a partir da investigação do inconsciente. Laéria Fontenele, diretora do Corpo Freudiano, observa que Freud mostrou que o inconsciente existe, tem lógica e funciona a partir de leis próprias. Essa lógica, segundo ele, demonstra sua inserção na vida psíquica por meio de sonhos, lapsos de memória.

Foi no livro A Interpretação dos Sonhos, sua obra mais conhecida, que Freud demonstrou o argumento para explicar o inconsciente e desenvolver um método para conseguir chegar até ele. Para isso, usou elementos de suas experiências anteriores com as técnicas de hipnose. Laéria ressalta que a psicanálise tomou outro rumo quando Sigmund Freud criou o método psicanalítico da associação livre para tratar os pacientes neuróticos. "Freud era muito corajoso, nunca abriu mão de suas convicções, mesmo quando foi criticado por mostrar a existência da sexualidade infantil."

Conhecida como a "Cura pela Fala", a técnica consiste em deixar a pessoa falar o que vem na mente. "Quando os sinais do inconsciente aparecem, o analista interpreta." Freud acreditava que as memórias "reprimidas" eram sempre de natureza sexual. Setenta anos após sua morte, as descobertas continuam atuais.

Fátima Guimarães especial para O POVO direto para o Mensageiro da Realidade.
fatima.guimar@gmail.com

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Este blog foi Eleito Top 100 na Categoria Comunicação Profissional do Prêmio Top Blog, o maior Prêmio da Internet Brasileira.Obrigado!

O Salmo da Prosperidade

Salmo 23

O Senhor é o meu pastor;
- Isto é relacionamento!
nada me faltará.
-Isto é suprimento!
Deitar-me faz em verdes pastos,
- Isto é descanso!
guia-me mansamente a águas tranqüilas.
-Isto é refrigério!
Refrigera a minha alma;
- Isto é cura!
guia-me pelas veredas da justiça,
- Isto é direção!
por amor do Seu nome.
-Isto é propósito!
Ainda que eu andasse pelo vale da
sombra da morte,
- Isto é provação!
não temeria mal algum,
- Isto é proteção!
porque Tu estás comigo,
- Isto é fidelidade!
a Tua vara e o Teu cajado me consolam.
- Isto é disciplina!
Preparas uma mesa perante mim
na presença dos meus inimigos,
- Isto é esperança!
unges a minha cabeça com óleo,
- Isto é consagração!
o meu cálice transborda.
-Isto é abundância!
Certamente que a bondade e a misericórdia
me seguirão todos os dias da minha vida,
- Isto é benção!
e eu habitarei a casa do Senhor
- Isto é segurança!
por longos dias.
- Isto é eternidade!

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

70 Anos da Grande Guerra


A 1 de Setembro de 1939 os exércitos de Hitler invadiam a Polónia e dois dias depois Reino Unido e França declaravam guerra à Alemanha nazi. Começava assim a II Guerra Mundial, o conflito militar mais generalizado da História global.
A Alemanha, a sofrer as consequências do Tratado de Versalhes, que se seguiu à I Grande Guerra, iniciara um processo de rearmamento e lançara-se numa vaga de anexação de territórios vizinhos, que culminou com a ocupação da Áustria.

Os Estados europeus aliados, nomeadamente o Reino Unido e a França, foram seguindo uma política de apaziguamento - ou de capitulação, para alguns historiadores -, até que os exércitos nazis invadiram a Polónia.

Londres e Paris declararam guerra à Alemanha, mas nada parecia capaz de travar o avanço das forças armadas alemãs. Depois da Polónia, foi a vez da Dinamarca e Noruega se renderem. E seguiram-se a Bélgica, o Luxemburgo e a Holanda.

Estava criada a base para a invasão da França, que se entregou em 1940.

Em Portugal, apesar de manifestas simpatias pela Alemanha, o Estado Novo de Salazar conseguiu manter a neutralidade, evocando até a Aliança velha de séculos com a Grã Bretanha, e o território português ficou conhecido como um "ninho" de espiões de todos os países envolvidos, que se aproveitavam da neutralidade lusa para tecer as suas teias.

Por outro lado, Lisboa foi também ponto de acolhimento e de passagem para refugiados de todas as etnias e de todos os países envolvidos no conflito, que queriam seguir para um mundo melhor.

Ao longo de todo o ano de 1941, o Reino Unido, alvo de bombardeamentos consecutivos dos aviões alemães, resistiu praticamente sozinho, apenas com ajuda material dos Estados Unidos, que resistiam a envolver-se numa guerra na Europa.

E Estaline, acatando o pacto nazi-soviético Molotov-Ribbentrop, que previa o não-envolvimento de qualquer dos países num confronto externo, não tencionava imiscuir-se.

Depois, foi o alastrar da guerra ao norte de África e Mediterrâneo, com Hitler a ter que apoiar os seus aliados italianos de Mussolini.

E, finalmente, a primeira grande derrota das forças alemãs nas estepes soviéticas, de que é retrato exemplar a batalha de Estalinegrado.

Entretanto, estavam abertos os grandes campos de concentração nazis, dedicados à purga de judeus, ciganos, homossexuais e outros cidadãos "indesejáveis" para a pureza da raça ariana. Eram os trabalhos forçados e as câmaras de gás. Era o Holocausto.

Os Estados Unidos entraram finalmente na guerra, depois do bombardeamento da sua base naval de Pearl Harbor, no Havai, em Dezembro de 1941 por forças japonesas. E o Japão, um outro elemento decisivo do "Eixo" de Hitler, controlava, já em 1942, uma vasta extensão de território, da Manchúria às Filipinas.

Os Estados Unidos empenharam-se profundamente na guerra do Pacífico, em batalhas ilha a ilha, até que, depois de assegurarem Iwo Jima, começaram a bombardear território japonês.

O exército britânico começou a recuperar as zonas asiáticas em poder das forças do "Eixo" e a União Soviética juntou-se à guerra.

A Alemanha rendeu-se em Maio de 1945, dias após o suicídio de Hitler, mas o Japão resistiu até Agosto desse ano, quando os Estados Unidos lançaram bombas atómicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki.

Dos cerca de 50 milhões de mortos na II Guerra Mundial, metade eram civis.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Disney compra MARVEL por US$ 4 bi




Prepara-se para um novo grupo de mutantes, os X-Mickey!
A Disney anunciou nesta segunda-feira (30), do nada, que está comprando a MARVEL pela bagatela de US$ 4 bilhões, cerca de R$ 7,5 bilhões de reais. O acordo vai adicionar os mais de 5.000 personagens da editora americana ao portfólio da empresa do Mickey.

A aquisição foi aprovada pelo conselho das duas companhias e ainda dará aos investidores um sobrevalor por ação de aproximadamente 29%.
Em nota divulgada à imprensa, o Presidente e CEO da Walt Disney Company, Robert A. Iger, afirmou que "a transação visa combinar a forte e mundialmente conhecida marca da Marvel, e seu renomado acervo de personagens como Homem de Ferro, Thor, Capitão América, Quarteto Fantástico, X-men e Homem Aranha, as técnicas criativas e incomparável portfólio global deentretenimentoda Disney, maximizando assim osnegóciose estendendo o valor dessas propriedades e aumentando seu território de ação."
Ike Permultter, CEO da MARVEL, completou dizendo que "a Disney é casa ideal para a imensa biblioteca de personagens da MARVEL e proverá oportunidades de expansão do conteúdo criativo e das licenças de negócios".

A notícia pegou todos os fãs desprevenidos, e ninguém sabe o que esperar desse imbróglio. Embora, seja possível que aconteçam, em um curto período de tempo, alguns crossovers rídiculos, como os X-Mickey ou Marvel vs. Disney, o mais provavél é que a transação turbine os negócios de ambas empresas, de mais fôlego para a Marvel (que andava meio mal das pernas) e aumente a extensão dos tentáculos da Disney. É torcer apenas para Mickey e sua turma não cortarem a liberdade criativa dos editores e roteiristas da editora.
Eu já consigo prever parques temáticos do Spider e muitas, mas muitas bugigangas com os personagens da Marvel. E vocês? Façam suas profecias, porque, pelo visto, o fim está próximo, e só custou alguns bilhões de dólares.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

MENSAGEIRO DA REALIDADE CLASSIFICADO PARA O TOP 100 CATEGORIA COMUNICAÇÃO!

Vida de clichê


Quando nos resignamos a uma existência lugar-comum

Nesta terça-feira (25), Humberto Werneck lança seu O Pai dos Burros – dicionário de lugares-comuns e frases feitas (Arquipélago Editorial, 2009). Dono de um dos grandes textos da imprensa brasileira, ele passou quase 40 anos colecionando os clichês que sujam as páginas de jornais, revistas, livros. Aquelas palavras que, de tanto ouvi-las, são as primeiras a aparecer na nossa cabeça, na ponta dos nossos dedos. É automático. Chegam antes do pensamento. De certo modo, são as palavras que nos libertam para não pensar. Foram ditas muitas vezes antes, não causarão nenhuma reação inesperada. Não provocarão nada, nem de bom, nem de ruim. Tanto faz dizer que "a vida imita a arte" ou que "o futebol é uma caixinha de surpresas". É um dizer que nada muda, é um imenso nada.

Por que então os clichês são tão populares? Porque são seguros, é o que disseram gente brilhante como H.L. Mencken e Hannah Arendt. Ao repetir uma ideia velha, o que foi dito e redito por tantos antes de nós, nada sai do nosso controle. Também nada acontece. Uma nova ideia é sempre um risco, não sabemos aonde ela vai nos levar. E, na falta de ousadia, o que nos sobra é medo.

Escrevi uma pequena matéria sobre o dicionário de clichês na edição impressa desta semana. E li todas as 208 páginas, os 4.640 clichês, para conhecer as palavras das quais deveria fugir. Desde então, adquiri um incômodo que não sai de mim. Ao colecionar lugares-comuns, Werneck espera nos instigar a pensar antes de sair escrevendo – ou falando. Se o jogo de palavras vier muito fácil, é porque já foi dito tantas vezes que abriu um escaninho no nosso cérebro. Basta apertar uma tecla invisível e sai de lá pronto. Não custa nada, nem mesmo um esforço mínimo. "O tempo é o senhor da razão", "a esperança é a última que morre", "nunca antes na história deste país"... os clichês estão sempre sendo produzidos, até mesmo como estratégia de marketing.

Há os clichês coletivos, que estão no dicionário do Werneck, e acredito que cada um de nós tem um repertório próprio. Expressões que repetimos nos nossos textos, nos nossos discursos, na nossa autodefesa permanente – não apenas diante de outros, mas também no banco dos réus do nosso tribunal pessoal. Ideias que já testamos e sabemos que tipo de reação provocam, um repertório confiável de velhos truques.

Criamos nosso próprio mundo de palavras e de pensamentos. Na busca de um lugar seguro, não copiamos apenas os outros, mas a nós mesmos, infinitas vezes. Se é fácil rir das frases feitas a que a maioria se agarra para não mergulhar no desconhecido, também é fácil observar que muitos dos que riem não ousam ir além dos comportamentos clichês em sua própria vida.

Foi seguindo o fio deste raciocício que fui me tornando incomodada e um pouco melancólica. Tento policiar-me para escrever sem usar fórmulas, ainda que minhas. Forçar-me a buscar jeitos novos, ser uma parte diferente de mim em cada texto. Nem sempre consigo. Mas tento me obrigar a tentar. Depois de 21 anos escrevendo na imprensa, é fácil ser uma cópia de mim mesma.

Sei disso e tento manter-me inquieta. Quando vou me tornando um bichinho, enrodilhada em mim mesma, sou também eu que me cutuco com um pedaço de pau para sair da toca. Conforto é bom, mas é também uma não-ação. Sei que apenas chegando cada vez mais perto de mim mesma é que posso alcançar a possibilidade de ser outra. E de fazer do velho em mim algo novo.

Numa entrevista a Clarice Lispector, o psicanalista Hélio Pellegrino disse algo que me cutucou com delicadeza, mas bem fundo. Sempre que leio uma entrevista ou um texto dele, fico pensando como alguém pode dizer algo tão elaborado com tanta simplicidade, numa resposta oral a uma pergunta que não esperava. E com tanta generosidade para aquele que o escuta. Suas palavras não machucam porque não foram pensadas para ferir. Com a ponta dos dedos, elas acariciam. Foram pronunciadas para dar uma chance ao interlocutor, leitor. São como uma mão que alcança – e não um pé que esmaga. Vivemos num mundo em que as pessoas se sentem mais seguras quando se tornam pés que esmagam. A mão que alcança exige mais coragem, porque alcançar é sempre um risco – e esmagar tem um final previsível.

O Hélio disse, lá pelas tantas: "Escrever e criar constituem, para mim, uma experiência radical de nascimento. A gente, no fundo, tem medo de nascer, pois nascer é saber-se vivo – e, como tal, exposto à morte". Lembrei da frase e fui reler essa entrevista por causa dos clichês. Pareceu-me, então, que o esforço do Werneck ganhou um sentido mais amplo. Ele tenta, com seu pequeno dicionário, seu "burrinho", como ele diz, nos chamar a atenção para as inúmeras possibilidades de nascimentos que perdemos quando repetimos um lugar-comum em vez de uma combinação de palavras que só nós podemos fazer.

Não porque somos melhores que os outros, mas porque a singularidade do nosso olhar é só nossa. Como diz o poeta, "se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver". Ou, na frase genial do menino de 8 anos que li na seção "Quem diria" da Revista da Folha do último domingo (23): "Pai, tô em extinção. Só tem um Guilherme Ribeiro Kierpel no mundo". Ele descobria ali, depois de uma aula de ciências, a singularidade do que era. Um dia pode descobrir que, para alcançá-la em sua integridade, precisará de muita coragem. Terá de resistir ao conforto de uma vida de lugar-comum.

Clichês são letra morta. Palavras que nasceram luminosas e morreram pela repetição, já que a morte de uma palavra é o seu esvaziamento de sentido. Agarrar-se aos lugares-comuns para não ousar arriscar-se ao novo é matar a possibilidade antes de ela existir. É matar-se um pouco a cada dia, ao matar nossa expressão no mundo. De homens, nos reduzimos a papagaios. Como naquelas reuniões de empresa em que as pessoas se digladiam numa guerra de jargões coorporativos que nada dizem delas, mas fingem dizer. Acreditam que assim mantêm o emprego, seu diminuto lugar no mundo. Se os clichês forem pronunciados em inglês, mais seguras se sentem.

O mundo das frases feitas serve também para isso, para não deixar o novo entrar. Quem não conhece o manual – e é preciso um certo tempo para descobrir que os jargões só são cascas de palavras e não palavras –, é colocado do lado de fora da linguagem. Exilado, não ameaça ninguém – nem o funcionamento do todo – com as palavras mais subversivas e ameaçadoras para este mundo: as próprias.

Quando nos expressamos por palavras, temos sempre a possibilidade de nascer. E se renunciamos ao nascimento, ao trocar a possibilidade do novo pelos chavões, aceitamos a morte antes de viver? Fiquei pensando nisso. Parece-me que os lugares-comuns vão muito além das palavras. A gente pode transformar nossa vida inteira num clichê. Não basta apenas pensar antes de escrever, na tentativa de criar algo nosso. É preciso pensar para viver algo nosso – antes de repetir a vida de outros.

Do mesmo modo que é mais fácil botar no mundo o primeiro chavão que nos vem à cabeça, também é mais fácil – e mais aceito – viver segundo os clichês da nossa família, sociedade, época. Penso que a maioria de nós vai vivendo e repetindo velhas vidas que aparentemente já deram certo e não incomodam ninguém. O que seria o clichê de uma vida de classe média de um brasileiro de hoje?

Vou arriscar. Estudar num colégio privado desde a creche. Começar a falar inglês ainda bebê. Alguma coisa tipo ballet ou artes marciais ou aulas de circo. Em algum momento do ensino médio ir para a Disney com a turma ou até fazer um intercâmbio para melhorar o inglês. Ingressar na universidade. Antes ou depois da faculdade morar um tempo em Londres. Em algum momento tocar saxofone ou algum outro instrumento que lembra bares boêmios, com atmosfera noir, de uma vida que leu nos livros e/ou viu nos filmes. Produzir alguma coisa de cinema de documentário e/ou criar um blog onde finalmente pode expressar seu verdadeiro eu. Rebelar-se um pouco e enfim trabalhar, reclamar do trabalho e fazer umas baladas com os colegas de trabalho e os velhos amigos da faculdade. Descobrir que ser adulto é aceitar a vida como ela é. Casar, comprar apartamento, ter um ou dois filhos, entender de vinhos e fazer viagens de férias bacanas para a Europa, Estados Unidos ou países exóticos da Ásia e mais recentemente também da África. Não sei bem como continua.

Não é ruim ou errado, não se trata disso. Pode até ser muito rico, se for vivido como algo próprio, segundo a singularidade de quem vive, não segundo a ditadura do clichê do que deve ser uma vida de uma pessoa de classe média do início do terceiro milênio. Parece-me, porém, que não pensamos muito antes de vivermos uma vida lugar-comum. Não pensamos nada quando acordamos pela manhã e seguimos até a noite uma rotina instituída por quem? Ah, sim, por nós.

Não pensamos nem mesmo que nada impede que façamos tudo diferente. Apesar da pilha de empecilhos-clichês que temos na ponta da língua para ocultar nosso medo de arriscar, se formos pensar com a necessária honestidade, a vida está mesmo nas nossas mãos.

Podemos viver um lugar-comum, que nos carrega para a zona de conforto e não ofende nem a família, nem o patrão, nem o Estado. E podemos tentar viver a nossa vida, a vida que só nós podemos viver. A vida que nos transforma desde sempre, como descobriu o menino de 8 anos, em alguém em extinção.

E com isso não falo de uma vida povoada de aventuras grandiosas, falo de pequenas aventuras que podem ser vividas até mesmo no sofá da sala, sem acompanhamento de violinos, sem testemunhas, sem reconhecimento público. A vida que só nós podemos viver, aquela que busca a singularidade do que é nosso, é aquela que passamos a vida buscando.

É também a vida sujeita ao erro, ao imprevisto, ao descontrole. De novo, a entrevista de Hélio Pellegrino a Clarice Lispector. Ela, ainda bem, não tenta arrancar nada de ninguém. Apenas pergunta, suavemente: "Hélio, é bom viver, não é?". Ele responde, um vento avançando pelas nossas crenças: "Viver, essa difícil alegria. Viver é jogo, é risco. Quem joga pode ganhar ou perder. O começo da sabedoria consiste em aceitarmos que perder também faz parte do jogo. Quando isso acontece, ganhamos algo extremamente precioso: ganhamos nossa possibilidade de ganhar. Se sei perder, sei ganhar. Se não sei perder, não ganho nada, e terei sempre as mãos vazias. Quem não sabe perder, acumula ferrugem nos olhos, e se torna cego – cego de rancor. Quando a gente chega a aceitar, com verdadeira e profunda humildade, as regras do jogo existencial, viver se torna mais do que bom – se torna fascinante. Viver bem é consumir-se, é queimar os carvões do tempo que nos constitui. Somos feitos de tempo, e isso significa: somos passagem, somos movimento sem trégua, finitude. A cota de eternidade que nos cabe está encravada no tempo. É preciso garimpá-la, com incessante coragem, para que o gosto do seu ouro possa fulgir em nosso lábio. Se assim acontece, somos alegres e bons, e a nossa vida tem sentido".

A vida que se vive para longe dos clichês não tem garantias. Tem vida. Tudo o que a vida que se vive para longe dos clichês nos oferece é isso, vida apenas.

Quando eu tinha 13 anos, de repente percebi que a vida que me esperava era um interminável lugar-comum. Terminar o colégio, fazer faculdade etc etc. A revelação teve um enorme impacto sobre mim. Me fechei no quarto, passei um tempo sem falar com minhas amigas, com ninguém. A falta de sentido do sentido da minha vida me esmagava. Decidi então que deixaria o colégio. Pararia tudo. Não pela convicção de que não deveria estudar, mas porque eu precisava fazer algo para interromper o fluxo inexorável rumo a uma vida feita de uma sucessão de frases feitas.

Parar tudo era um ato desesperado. E de uma lucidez assustadora para alguém de 13 anos. Anunciei a decisão aos meus pais. E disse que iria a Campinas falar com o meu irmão sobre o que sentia. Sempre fui enormemente ligada a esse irmão, que foi quem me ensinou a escrever – graças a isso escrevo como canhota, embora seja destra. Na época, ele estudava Física na Unicamp.

Peguei um ônibus em Ijuí, na minha primeira viagem sozinha, e desembarquei em São Paulo. O Zé estava lá, me esperando – e disfarçando bastante bem a enorme encrenca que representava o advento da irmã caçula em sua rotina de estudante pobre. Embarcamos num ônibus para Campinas e eu vivi a sua vida por uns dias. Ele morava numa garagem de carro, nos fundos de uma casa. Em vez do carro, tinha ele. O chão era de terra, sua cama, que passou a ser a minha cama, era um colchão em cima de uns tijolos, suas poucas roupas eram guardadas num caixote de madeira, o único móvel era uma escrivaninha onde ele estudava das 5h de uma madrugada até à 1h da seguinte, com interrupção para as aulas que ele achava que valiam a pena e para eventuais reuniões de política estudantil. A mesma rotina que ele havia iniciado com apenas 15 anos. Naquele tempo, sem saber por onde começar, começou lendo enciclopédias. Mas esta é uma outra história.

Na primeira madrugada que passei na sua garagem-casa, acordei e o vi ali, debruçado sobre os livros, os pés na terra, tudo muito pobre e muito frio. Além do almoço no restaurante universitário, sua dieta se limitava a bananas, pão e leite. Meu coração se apertou de amor pela grandeza daquele pouco mais que um menino, solitário diante do parapeito do mundo. Descobri ali, assistindo àquela cena enquanto fingia dormir, que o Zé estava obcecado em se tornar não apenas o melhor físico que podia ser, mas o melhor homem que podia ser. Estava em busca da vida que só ele poderia criar para si mesmo.

Voltei para casa. E muito aconteceu desde então. Semanas atrás, quando escrevi uma coluna sobre nosso afastamento do universo (O céu nos espera), o Zé me mandou um email sobre sua "visão cosmológica". Escreveu na linguagem informal de um irmão escrevendo um email para a irmã: "Somos um acidente evolutivo, ou melhor, apenas um dos inúmeros (sub-) produtos. A consciência não tem nada de especial (a não ser para nós, é claro). Nossa posição temporal e geográfica no universo é totalmente irrelevante. A contrapartida é que somos capazes de perceber nossa existência (acredito que, em outros níveis, outros animais complexos também conseguem). A partir daí, o mundo, tal qual percebemos, é TUDO o que temos (e teremos!). Portanto, estamos no centro do NOSSO universo. E isso coincide com as nossas adaptações evolutivas. Assim, nossa cosmologia é encontrar um ponto de contato entre essas duas realidades: a externa, de total irrelevância, e a interna, onde somos centrais (tanto que nosso universo desaparece com a nossa morte). Por isso a religião (que resolve esse problema) é – a meu ver – uma evolução natural da nossa cultura, consequência natural da nossa evolução biológica (esse é o pensamento, mais ou menos, entre outros, do Daniel Dennett, em Breaking the Spell). Somos "believers" (crentes). O que eu acho mais interessante no ponto de vista agnóstico (ou ateu) é que, diante dessas percepções, sabemos que somos tudo o que temos (como indivíduo ou como espécie) e, portanto, temos a liberdade e a responsabilidade de definirmos o que queremos ser (como indivíduo e como espécie). A construção do nosso mundo e para onde vamos é nossa responsabilidade. Acho que não pode haver maior riqueza em uma vida do que essa liberdade".

Era um convite para tomarmos um vinho e falarmos sobre a vida. Como conversamos lá atrás, comendo banana com leite. Agora, nós dois podemos pagar por um vinho que não dê dor de cabeça no dia seguinte. E temos um tapete para pisar. Mas nossa inquietação segue latejando, às vezes doendo muito – e nos carregando para vários lugares. Sempre em busca. E sempre usando qualquer pretexto para buscar: uma palavra, um livro, um filme, uma pessoa, uma traição, um esquecimento, uma solidão. Qualquer pedaço de madeira em que possamos nos agarrar para não sermos afogados pelo oceano de comportamentos clichês, para que nossa ânsia de vida nos leve sempre a viver. Com todas as dores, as fomes, as perdas e também os ganhos que fazem parte de uma vida não escrita. Nenhum de nós quer ser reduzido a um personagem de si mesmo, ainda que seja um bom personagem.

Foi até aqui que o dicionário de clichês do Humberto Werneck me levou. Não sei se faz sentido para mais alguém além de mim, mas no fundo sempre escrevemos para nós mesmos. Para, como disse Hélio Pellegrino, poder nascer. E descobrir-se vivo, radicalmente vivo.

ELIANE BRUM
ebrum@edglobo.com.br

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O último petardo e Raul Seixas já podia partir




SÃO PAULO - Quando velhos sucessos de Raul Seixas começaram a tocar repetidamente nas rádios na tarde daquela segunda-feira, 21 de agosto de 1989, não foram poucos os que se surpreenderam. Com Raul ausente das paradas desde Cowboy Fora da Lei, dois anos antes, escutar antigos hits como Ouro de Tolo, Gita, Metamorfose Ambulante e Maluco Beleza no meio da programação regular - que então ia da revelação Marisa Monte a Chitãozinho e Xororó e Milli Vanilli, passando por Legião Urbana - deveria significar alguma coisa. E a notícia não demorou a chegar.

Se para muitos foi uma surpresa, para os que acompanhavam o artista de perto era mais que esperado. Suas últimas aparições públicas causavam um misto de choque e comoção. Mesmo com a saúde bastante debilitada, a lenda do rock brasileiro arrastava multidões em seus shows. Apoiado pelo amigo e discípulo Marcelo Nova, acabara de realizar uma extensa e bem-sucedida excursão por todo o País.

A derradeira apresentação foi em Brasília, poucos dias antes de ser encontrado morto no modesto apartamento onde morava sozinho em São Paulo. A semana que se seguiu ao show no Planalto Central seria de descanso e de preparação para as atividades programadas para o lançamento do disco gravado nos intervalos das apresentações pelo Brasil.

A Panela do Diabo, batizado pela dupla por inspiração de evangélicos que distribuíam panfletos comparando Raul ao Belzebu na porta de um show no interior de São Paulo, era o resultado da parceria que uniu os dois irrequietos baianos no momento em que o País vivia uma de suas mais importantes transições.


Panfletagem evangélica

As primeiras apresentações conjuntas de Raul e Marcelo foram na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador, a apenas duas semanas da promulgação da Constituição de 1988. Mais que um marco histórico, a nova Carta tinha um efeito prático para o roqueiro. Após quase 20 anos de carreira, pela primeira vez ele estaria legalmente livre para dizer o que quisesse, como pregava a sua constituição, o manifesto da Sociedade Alternativa. Junto com a volta das garantias coletivas e individuais, a Constituição Cidadã - como Ulysses Guimarães a batizara - acabava de vez a censura às obras artísticas, mantida no governo civil de Sarney mesmo após a saída dos militares do poder e que ainda naquele 1988 havia proibido a execução pública de Não Quero Mais Andar na Contramão, do fraco disco A Pedra do Gênesis que antecedeu o encontro de Raul com Marcelo.

Se os novos tempos traziam liberdade total de expressão, o que faltava agora a Raul era motivação. Diabético, com uma pancreatite crônica decorrente do alcoolismo e recém-separado da última das cinco mulheres com quem foi casado, estava depressivo e amargurado. O sarcasmo, a ironia e a índole zombeteira e verborrágica que por anos marcaram suas aparições e músicas deram lugar a uma figura calada.


O convite do ex-líder do Camisa de Vênus para os shows - junto a um necessário acompanhamento médico - deu uma injeção de ânimo em Raul. Já na chegada a Salvador para as primeiras apresentações, a dupla chegou zombando de Gilberto Gil, que dava na capital baiana os primeiros passos da carreira política que culminaria anos depois com o cargo de ministro da Cultura no governo Lula. O atual presidente, na época disputando a sua primeira eleição presidencial, também foi alvo da dupla. Com a inédita campanha eleitoral para a escolha do novo presidente a pleno vapor em meados de 1989, o magro barbudo e Marcelo declaravam que não acreditavam em alguém que não ria, referindo-se à sisudez do petista, considerada um dos principais fatores de rejeição a ele.



Bandido casa com mocinho

Apesar do calor da disputa eleitoral enquanto corria a turnê, a sucessão política especificamente não serviu de inspiração para as composições da nova dupla. Mas outros temas que estavam nas páginas de jornais e nos noticiários da TV não passaram despercebidos. Em meio às celebrações ao "rockão antigo" e canções autobiográficas, a panela preparada por Raul e Marcelo misturava Salman Rushdie, Sting e cacique Raoni em Best Seller e ainda davam uma espinafrada em Edir Macedo na divertida Pastor João e a Igreja Invisível : "Pois eu transformo água em vinho, chão em céu, pão em pedra, cuspe em mel/Para mim não existe impossível/pastor João e a Igreja Invisível." 20 anos depois, com os mesmos personagens ainda protagonizando os noticiários não deixa de ser premonitória a sentença da já citada Best Seller , que dizia que no final bandido casa com o mocinho.

Mas os pontos altos eram mesmo as que olhavam para dentro, para trás, ou para o futuro, como a mistura de balanço de vida com testamento de Banquete de Lixo : "Meu amigo Marceleza/já me disse com certeza/ não sou nenhuma ficção/ e assim torto de verdade/com amor e com maldade/ um abraço e até outra vez."

Raul não viveria para ver o relativo sucesso do disco. Morreu aos 44 anos no dia em que o LP chegava às lojas. Também não viu o resultado daquelas eleições, a iminente queda do Muro de Berlim, a chegada da MTV, os anos 90, a internet... que talvez poderão ser cantadas por alguém daqui dez mil anos.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A Implacável Noite dos Longos Punhais


A Noite dos Longos Punhais foi um episódio de conspiração, traição e morte nas entranhas do poder da Alemanha nazista. Numa mal sucedida resistência à liderança de Adolf Hitler, o capitão Ernst Röhm, seu antigo colaborador e comandante da Seção de Assalto - SA Sturmabteilung, braço militar do Partido Nazista, passou a defender publicamente a transformação da mesma em uma milícia independente, e com poderes para controlar o exército alemão. Seu discurso foi repelido pela classe média e inquietou as bases militares e industriais, indispensáveis para os planos de longo prazo do Führer. A reivindicação de Röhm alarmou os generais, que passaram a cobrar de Hitler uma resposta enérgica. O ex-colaborador não imaginava o seu destino, após cair em desgraça com o Chanceler.

Alegando reação a uma rebelião no seio da SA, então com dois milhões e meio de soldados, Hitler livrou-se de maneira brutal dos seus traidores. Durante a madrugada, elementos da sua guarda pessoal, a SS - Schutzstaffel, invadiram o hotel em que Röhm se encontrava na companhia de outros líderes da SA. Surpreendidos, todos foram detidos e rapidamente fuzilados. A inquietação pública na capital foi evidente e deu margens aos mais aterradores boatos. Para conter a agitação, o governo reforçou a segurança nas ruas com a SS, e deu ordens extremas à imprensa que não noticiasse os fatos, sob risco de severa punição aos desobedientes.

O triunfo e a hegemonia de Hitler

Oficialmente, o governo alegou que a SA preparara um golpe contra o Reich. Na realidade, porém, Hitler concretizava mais uma de suas estratégias de poder. Como um ano antes ele tinha liquidado a esquerda alemã, o massacre significou a eliminação dos seus últimos rivais. Sem contestação, era o líder supremo. A SS, força de elite ideológica e racial, passou a ter grande relevância na estrutura do poder, encarregada da segurança interna da Alemanha e, na guerra, dos países ocupados. O banho de sangue custou dezenas de vidas, muitas sem qualquer ligação com Röhm.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Miles Davis, intenso até o fim



"Carros de luxo,
mulheres bonitas,
drogas e bebidas,
doenças e operações,
frases polêmicas
e dezenas de discos
de inovadora
e excelente música.
Esta pode ser
a síntese da vida
- repleta de excesso,
na trajetória pessoal
e no talento artístico
- de Miles Dewey Davis III,
o grande trompetista..."
Jornal do Brasil


A música, o jazz em particular, perdeu um de seus mais consagrados expoentes. O artista americano Miles Davis, 65 anos, não resistiu às complicações decorrentes de apoplexia, pneumonia e insuficiência respiratória, e morreu em Santa Mônica, Califórnia. Ele foi enterrado no Bronx, Nova Iorque.

Sempre consciente de que não era como os outros, Miles nasceu diferente dos tantos outros que habitariam seu mesmo universo. Não teve a infância difícil, nem o início de carreira miserável, tal como outros gênios do trompete. Foi criado num seio familiar burguês, com o conforto de frequentar boas escolas e a oportunidade de aprimorar com estudos seu talento ao trompete. Esta base, que muito contribuiu com o seu ingresso na prestigiada e seleta Juilliard School of Music de Nova Iorque, também favoreceu ao seu estigma de rebelde. Se por um lado as portas se abriam por sua performance musical, por outro, as regalias a que se acostumou, possibilitaram um comportamento desregrado, que acabaria por levá-lo ao submundo. Essa complexidade se notabilizaria a partir do final dos anos 40, quando já consagrado como a grande revelação do jazz, sairia de cena pela primeira vez, por quatro anos, em função do consumo de drogas. Neste ritmo, desfilou toda sorte de suas experiências: os músicos geniais que conheceu, os sons que criou, as fusões musicais que promoveu, as mulheres que amou, as violências em que se envolveu, as perdas que sofreu. Uma vida frenética, até o fim.

Um artista atraído pelas experimentações

Indiossincrático. Miles Davis foi um furacão, de pensamento a mil, inquieto e alucinógeno, passional e contraditório, indecifrável. Um dos maiores trompetistas do século XX, redefiniu constantemente sua música. Inventivo, permanentemente atraído pelas experimentações, revolucionou o jazz, inserindo outros estilos ao gênero, como o rock, criando o que passou a ser convencionado como 'fusion'. Criticado pelos jazzistas tradicionais, que condenavam seu poder inventivo, Miles manteve-se firme em suas convicções, para a sorte do grande público que sua produção musical arrebatou

17 de agosto de 1987 – O adeus ao poeta de coração gauche


Há 22 anos, morria Carlos Drummond de Andrade, um dos mais importantes e respeitados poetas brasileiros de seu tempo. Drummond morreu no Rio de Janeiro, de insuficiência respiratória, aos 84 anos, apenas 12 dias depois que um câncer ósseo levou Maria Julieta, sua filha, eterna musa e grande paixão. “E assim vai-se indo a família Drummond de Andrade” lamentou o poeta na época.

Carlos Drummond de Andrade nasceu em 31 de outubro de 1902, na cidade de Itabira, Minas Gerais. Estudou em Belo Horizonte e com jesuítas no Colégio Anchieta, em Nova Friburgo, no Rio, onde foi expulso por “insubordinação mental”. Por insistência dos pais, formou-se em farmácia em 1925. No mesmo ano, fundou com amigos A Revista, importante veículo de afirmação modernista em Minas. Ingressou no serviço público e, em 1934, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde permaneceu até o final de sua vida. Aqui, foi chefe do gabinete do ministro da educação Gustavo Capanema, trabalhou no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e colaborou como cronista no Correio da Manhã. Aposentou-se em 1962, mas, em 1969, tormou-se colaborador do JB.

Durante 15 anos, todas as terças, quintas e sábados, o poeta de coração gauche – deslocado, acanhado - publicou suas crônicas no Caderno B. De sua estreia, em 2 de outubro de 1969, falando sobre o leilão que liquidava a Panair do Brasil, até o ‘ciao’ de despedida em 29 de setembro de 1984, quando faz um balanço de sua atividade na imprensa, foram 780 semanas da história do país e do poeta refletidas com agudeza e lirismo em mais de 2 mil e 300 crônicas.

A obra de Drummond
Foram 84 anos de palpitações, registradas em 25 livros de poesia e 16 outros de crônicas, contos, memórias e cartas, que repercutiram em milhares de estudos analisando-lhe a obra como um marco da cultura brasileira. A obra de Carlos Drummond de Andrade narra a trajetória de um homem, de uma geração e de um país. Poeta do indivíduo desajustado, do cotidiano, da existência e do fazer poesia, foi um jornalista de seu tempo, tratando tanto de temas tipicamente brasileiros, como também de assuntos metafísicos, que dizem respeito à condição e à alma humana. Com a partida de Drummond, a festa acabou, a luz apagou, a povo chorou e a cultura brasileira esfriou. “E agora, José?”.

18 de agosto de 1969 – Termina o Festival de Woodstock


Já era manhã quando, há 40 anos, Jimi Hendrix subiu ao palco montado na fazenda de 600 acres de Max Yasgur, na pequena cidade rural de Bethel, estado de Nova Iorque, e, acompanhado de sua banda Gypsy Suan and Rainbows,entoou a canção Hey Joe, encerrando três dias de paz e música que reuniram cerca de meio milhão de pessoas e entraram para a história como o festival que exemplificou a cultura hippie e a contracultura do final da década de 60, início de 70.

O Woodstock, originalmente batizado de “An aquarian exposition: 3 days of peace and music”, foi organizado por Michael Lang, John P. Roberts, Joel Rosenman e Artie Kornfeld. A intenção inicial era criar um estúdio musical, mas a idéia evoluiu para o festival. Depois que a comunidade de Woodstock vetou a realização do festival no local, os organizadores fizeram um acordo com Max Yasgur e iniciaram as vendas de ingressos em lojas de discos da área metropolitana de Nova Iorque e pelos correios. No dia 15 de agosto, início do festival, os organizadores esperavam a presença de 200 mil pessoas, mas foram surpreendidos com cerca de 500 mil. Depois que as cercas do local foram derrubadas pela multidão, foi impossível controlar a entrada dos milhares de pessoas, o que tornou o evento gratuito para a maioria delas.

Nos três do festival, 32 bandas se apresentaram para uma multidão que, apesar da chuva, da lama e das instalações insuficientes do festival, contrariou as expectativas de confusão e sagrou-se pela pacificidade e harmonia com que acompanhou as apresentações.

Um festival inigualável
Apesar do prejuízo inicial, o retorno financeiro para os organizadores veio em 1970, com o lançamento de dois discos e de um documentário realizados a partir da gravação e das filmagens dos shows do festival. Duas outras versões do evento foram organizadas em 1994 e 1999, porém não tiveram a mesma repercussão do festival de 69 - a última edição do evento inclusive ficou marcada por altos índices de violência, contrastando com os ideais de paz e amor do festival original. Hoje, 40 anos após o Woodstock, os sons e os ideais de uma geração ainda reverberam, quando livros e dvds sobre o festival são lançados comemorando a data.

sábado, 15 de agosto de 2009

Woodstock completa 40 anos de paz, amor e rock



Ideário vive no som de butique de bandas como Magic Numbers, Kings of Leon e lendas como Janis Joplin

Janis Joplin e sua voz rouca embalaram o rock dos hippies em Woodstock
SÃO PAULO - A Feira de Música & Arte Woodstock faz 40 anos neste sábado. Em 15 de agosto de 1969, na fazendinha de 2,4 quilômetros quadrados de Max Yasgur, na cidadezinha rural de Bethel, Nova York, a grande mostra da Era de Aquarius exibiu ao mundo sua face libertária, provocadora, iconoclasta, naturista, enlameada e confusa.
A utopia hippie, ao tornar-se quarentona junto com Woodstock, celebra seu renascimento circular. Durante as décadas de 80 e 90, o "bicho-grilismo" encenado pelos hippies de Woodstock era uma coisa a se evitar. Nos anos 00, virou estilo e meta a ser perseguida. Hoje em dia, olhando algumas bandas de rock como Magic Numbers e Kings of Leon, com suas barbinhas e batinhas e roupinhas sujinhas, parece que não se passou nem um dia sequer.
Parece insano discutir hoje o mérito musical de Woodstock, quando na verdade o festival detonou principalmente uma revolução comportamental. Mas o fato é que algumas performances foram muito mais importantes do que outras - a Sony Music relançou esta semana no Brasil as performances integrais de Janis Joplin, Johnny Winter, Santana, Jefferson Airplane e Sly and the Family Stone. É material essencial para entender o que se passou do ponto de vista artístico naquele marco dos anos 60.
O cantor, violonista, guitarrista e compositor Richie Havens abriu o festival por conta da própria natureza improvisada da festa. Ele lembra que não estava escalado para ser o primeiro a subir naquele palco (seria o quinto, na verdade), mas foi içado pela organização para cantar porque os outros que cantariam estavam presos no imenso congestionamento que se formou na estrada - esperavam 70 mil pessoas, apareceram 400 mil, o que levou o município a pensar em decretar estado de calamidade pública.
"Eram 5 da tarde e nada ainda estava acontecendo", contou Havens anteontem. "Mas eles tiveram de me colocar em primeiro. Eu me senti tipo ‘eles vão me matar se eu subir ao palco primeiro, dá um tempo, preciso daquelas quatro atrações antes de mim para esquentar a plateia’. "Mas não teve jeito. As pessoas foram bacanas. Eu deveria cantar por 40 minutos, o que fiz, mas ali do lado do palco eles diziam: ‘Richie, mais quatro canções?’ Eu cantava e já ia sair e eles diziam: ‘Richie, mais quatro canções?’ E eu continuei tocando por duas horas e 45 minutos, depois que já tinha cantado todas as canções que sabiam." Entre essas canções, estava Freedom, que foi apresentada no documentário de 1970 sobre o festival, ganhador de um Oscar.
Havens, que está atualmente em turnê promovendo seu disco de 2008, Nobody Left to Crown, disse o seguinte esta semana, falando à Reuters: "Todos os tipos de música subiram ao palco naqueles três dias, e todos eles tinham o senso do que era necessário - e do que ainda é necessário em termos de informação para atravessar as barreiras e continuar em frente."
De fato, a música era diversificada, com uma predominância do blues rock e do folk, que eram os gêneros "jovens" da época. Mas houve também a novidade, começando com a fabulosa apresentação de um jovem guitarrista mexicano da Bay Area, Carlos Santana, que ganhou apenas US$ 1,5 mil para tocar e se apresentou no dia 16. As 8 músicas que Santana tocou estavam impregnadas de um latin rock fundido com blues, uma força instrumental turbinada por congas, bateria, baixo e percussão.
Quarenta anos depois, ainda é difícil entender o poder daquela versão que Santana apresentou de Soul Sacrifice. Ao contrário de Hendrix, a outra força motriz do festival, Santana esmerava-se na busca de um acento latino, polirítmico, específico e étnico para sua guitarra. Filho de um músico mariachi de Navarro, no México, o guitarrista inventava um novo léxico.
Outra notável performance foi a do fantástico grupo de black music Sly & The Family Stone, que tocou 9 canções na jornada. Formado por Sylvester ‘Sly Stone’ Stewart e seus brothers Vaetta, Freddie e Rose Stone, mais Gregg Errico (bateria), Jerry Martini (sax), Cynthia Robinson (trompete e vocais), Larry Graham (baixo), o grupo tinha lançado em maio daquele ano o disco Stand!, a mais bem acabada síntese de funk, soul, gospel, psicodelia e rock - e ativismo, com faixas como Don’t Call me Nigger, Whitey.



Janis Joplin, que morreria de forma trágica no dia 4 de outubro de 1970, estava se desvencilhando de sua banda Big Brother and The Holding Company e iniciando a mais curta (e impactante) carreira-solo do rock internacional. Que o digam Joss Stone e Cássia Eller, discípulas diretas da texana.



Dois anos antes, ela cantava folk e blues em bares de São Francisco e Venice Beach, na Califórnia. Em 1966, voltou a Austin para cantar numa banda de country, mas um empresário a convenceu a montar uma banda. Assim, juntou-se à mitológica Big Brother and the Holding Company, que tinha recém-abandonado nas vésperas de Woodstock.



Janis cantou 10 músicas no festival, no dia 17 de agosto de 1969. Quando ela empunhou Ball and Chain, de Big Mama Thornton, encerrando seu show, estava patente que ali não se apresentava uma artista comum, mas alguém destinada a reescrever a história da música popular, embora de forma tão precária.



Do mundo psicodélico, houve uma baixa importante - o Greateful Dead teve sua apresentação maculada por problemas técnicos. Mas o Jefferson Airplane fez bem sua parte, misturando peças viajandonas conhecidas, como White Rabbitt, com outras do disco que lançariam em seguida, como Volunteers, Eskimo Blue Day e Wooden Ships.



Um ano depois daquela loucura, banhos pelados debaixo da chuva, balés e meditação para Sol e Lua no mato, Jimi Hendrix morreria em Londres. Woodstock teve outras edições, como a violenta farra de 1999. Na época, o baixista do Red Hot Chili Peppers, Flea, disse ao Estado que chorou ao ter notícia, ainda nos bastidores, de ocorrências de abuso sexual e violência generalizada entre o público. Durante os momentos de mosh do show do Limp Bizkit, houve uma sessão de quebradeira e saques promovida por uma juventude vitaminada, cheia de sucrilhos e de classe média. Os tempos mudaram, definitivamente.