domingo, 11 de outubro de 2009

Da Revista Éoca: Herbert de Perto


"Herbert é obsessivo, é uma marca dele", diz Berliner
Roberto Berliner e Pedro Bronz dirigem o documentário "Herbert de Perto", sobre Herbert Vianna. Segundo eles, o acidente de ultraleve que deixou o músico paraplégico em 2001 serviu de aviso para os amigos, que "começaram a repensar um pouco a maneira como viviam, com uma responsabilidade maior". Confira a entrevista

LAURA LOPES

Roberto Berliner é amigo de Herbert Vianna desde os anos 80, quando começou a trabalhar com os Paralamas. Dirigiu clipes da banda e documentários. Tornou-se amigo e parceiro profissional do músico. Pedro Bronz, mais novo, era fã do grupo quando adolescente. Os dois dirigem Herbert de Perto, um documentário que estreia nesta sexta (9) e fala sobre a vida do ídolo antes e depois do acidente trágico de ultravele que o deixou paraplégico. Traz depoimentos de familiares, amigos e entrevistas com o próprio Herbert, além de imagens de arquivo. O filme é alegre, musical, e trata com cuidado minucioso o acidente, que ocorreu em 2001 e matou sua mulher, Lucy. As cenas derradeiras de Herbert de Perto são de um Herbert sentado na cabeceira de uma mesa de almoço, cantando para não se sabe quem, talvez provavelmente sobre seu amor por Lucy, à frente de uma toalha branca suja de vinho. Aquele é o mundo dele: o violão, o amor perdido no acidente, a música de tom pessoal. ÉPOCA entrevistou Roberto e Pedro em um hotel em São Paulo, sobre o passado e o presente de Herbert e as escolhas feitas na edição do documentário.

ÉPOCA – Em que momento vocês resolveram fazer o documentário?
Roberto Berliner – Eu acho que nós falamos (sobre isso) desde 1983. Eu achava que era possível usar esse material (gravado desde então). Eu trabalhei no arquivo da Globo durante três anos e meio e acho que ali eu entendi a importância que as imagens vão ganhando ao longo do tempo. O documentário que em fiz em 1987 (V – O Vídeo, que foi ao ar no SBT) gerou várias imagens. E depois, de novo, em 1995, eu achei que a gente precisava rever as imagens. Ao longo do tempo fui fazendo clipes, e documentários que fiz nos anos 80, 09 e 2000, mais as coisas pessoais, que gravei como amigo na casa dele, com uma camerazinha. A ideia ficou clara logo depois do acidente, quando o Herbert começou a se recuperar. Pensei: "A melhor coisa que eu posso fazer agora é um documentário. Talvez possa ajudá-lo nessa coisa da memória". Mas não era a hora certa. A gente esperou e, em 2005, sentou e conversou, o Herbert, a família, a mãe dele... Foi muito legal porque eles achavam que se alguém tinha que fazer era eu. E foi muito bacana para mim ouvir isso.
Arquivo
Cartaz do filme, que estreia nesta sexta (9) nos cinemas
ÉPOCA – E quando vocês pararam de gravar?
Pedro Bronz – Em novembro de 2007 foram as últimas imagens. Lá no Maracanã, na abertura do show do The Police. Antes, a gente começou a filmar com esse olhar de "estamos fazendo um documentário", e gravou o processo de execução do disco (Hoje), desde a primeira fita demo até as gravações independentes. A gente filmou alguns eventos que achou relevantes nesse período, como a inauguração da Lona Herbet Vianna na Favela da Maré. E filmou o que é central do nosso documentário que é a entrevista com ele, ele se deparando com imagens de sua vida. E comentando, e revivendo. E as entrevistas com todas as pessoas.

ÉPOCA – E ele viu todas aquelas imagens? E até mais do que as aparecem no filme?
Pedro – Sim, até mais. A gente primeiro assistiu ao material e depois preparou para o Herbert assistir.

ÉPOCA – Como é essa amizade com o Herbert?
Pedro – Para mim, foi incrível. Você estar aí perto de um ídolo de sua adolescência, conviver com ele, foi uma experiência incrível. Ele foi muito carinhoso, super receptivo, super aberto. Eu acho que tudo isso por causa da chancela do Roberto. As portas se abriram para mim com muita tranquilidade. Quando você faz um filme, normalmente tem todo um processo de conquista dos personagens, você precisa conhecer, ele precisa confiar em você.

Roberto – Primeiro foi lá em 87, durante esse primeiro documentário, eu fiz o clipe de "Alagados", a gente começou a se aproximar, e depois o clipe de "A Novidade". Ali a gente já estava bem amigo e vivendo coisas parecidas. Teve uma época em que todo mundo namorava todo mundo então saía para beber, falava bobagens (risos). E logo depois em 90 ele conheceu a Lucy e eu conheci minha mulher. E era isso, a amizade misturada com o profissional. A Lucy falava que que "o que vai ficar na história são os seus clipes". Trabalhar com amigo é bom até dar errado. Não vai deixar de ser amigo, mas vai deixar de trabalhar junto.

ÉPOCA – Por que você escolheu agora para lançar o filme, uma vez que o acidente e a recuperação do Herbert ainda são uma lembrança recente para as pessoas?
Roberto – Desde o acidente eu pensava naquilo, em fazer. E não pensava em encerrar um ciclo, ao contrário, eu pensava em fazer um corte quando ele tivesse no meio – até o primeiro CD que ele faz depois do acidente é um longo caminho. Acho que a gente está no meio do caminho.

Pedro – E que bom que isso aconteceu, o cara estar na ativa. Não se tornou um estigma, de esperar morrer para ser homenageado ou estar decadente. O cara, porra, é do caralho, o cara ta aí, tá vivo...

ÉPOCA – O documentário é bem isso, é bem para cima...
Pedro – É o que ele é. É para cima porque ele é para cima, a história é para cima. O cara está ali, na batalha, compondo, neste último disco as letras são lindas, as músicas maravilhosas... E o show, esse último show do Brasil Afora, é incrível.

Roberto – Você está falando de um amigo, e também está falando um pouco de você. Neste caso, é uma relação, é mais delicado, né?

ÉPOCA – Por que vocês não falaram sobre como o acidente afetou a vida pessoal de Herbert? Fala-se muito sobre os filhos, mas eles não aparecem. Não focar o olhar no lado pessoal foi uma escolha de vocês ou dele?
Pedro – Foi uma escolha totalmente nossa. A questão das adaptações (depois do acidente) acho que está um pouco claro.

Roberto – Em nenhum momento eu quis mostrar as cranças dele. Nem pensei em tirar também. Não me ocorreu que eles devessem não ser vistos ou mostrar mais a casa deles do que a gente já mostrou. A casa dele está ali, a vida dele está mais ou menos ali. A mãe, também está claro. A gente mostrou o Herbert como ele é, mas a gente não pensou em "não vamos mostrar isso", ou imagens que a gente fez e imaginou que deveria censurar.

Pedro – As coisas estão, como no cinema, no campo da percepção e a imagem. E isso tem muito no filme. A gente tem um tipo de informação que é o que as pessoas falam, que é a entrevista. Mas há outra informação diluída ao longo do filme que está no campo visual. Ou seja, eu não preciso falar que a casa dele foi adaptada, porque ele tem um elevador no meio da casa dele.

Arquivo
Herbert, antes do acidente. Hoje ele diz que não prestava verdadeira atenção à plateia
ÉPOCA – Mas isso eu vi no filme. E as outras coisas pessoais?
Pedro – Então, vamos mostrar a casa dele, mas isso está dentro do contexto do perscurso dele ir buscar a guitarra (cena em que ele vai do quintal ao elevador para descer ao estúdio e pegar a guitarra). Mas nesse pequeno percurso tinha muitas coisas, como o elevador, a rampa na sala... Por exemplo, a condição de vida dele, como é que o cara está? Como o cara é? Tem uma música no filme que é "Ponto de Vista": "você não deve saber como é o mundo aos olhos de quem sofre ao se mover"...

Roberto – E a música é como se fosse uma entrevista.

Pedro – A condição da memória, por exemplo, não temos uma pergunta para ele no depoimento, mas isso está no momento em que estamos com ele dentro do banheiro, que ele fala um pouco da memória. Ou na entrevista no hospital Sarah (Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília), as coisas estão ali. Mas como aquilo requer um cuidado, a gente tentou de outras formas.

ÉPOCA – Como vocês trataram essa questão pessoal sem parecer revista de fofoca?
Roberto – Eu acho que isso está um pouco... Ele tem alguma autonomia, ele tem um carro que é todo adaptado, mas ele é cercado de gente. Ele tem o luxo de ter gente em volta dele. Agora, recentemente, ele disse "eu sou um sortudo. Não tenho os problemas que os cadeirantes têm". Porque ele vai e tem um staff que resolve tudo.

ÉPOCA – A mãe dele está morando com ele, né?
Roberto – Está, é ela quem está organizando a casa.

ÉPOCA – E os filhos moram lá?
Roberto – Moram lá.

Pedro – Há várias formas de se olhar a intimidade.

ÉPOCA – Você quiseram falar mais sobre a vida artística dele, em vez da pessoal?
Roberto – A gente quis fazer uma mistura das duas coisas. Essa mudança, esse baque, como a família reagiu, como os amigos reagiram...

Pedro – As coisas se misturam quando fala de Herbert, a vida artística e a vida pessoal. As músicas dele são fruto de uma experiência pessoal dele. Pouca gente se expõe assim como ele. Por isso que toca fundo as pessoas, porque fala do coração.
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ÉPOCA – Por isso a música dele é tão importante para ele, ele é tão viciado...
Pedro – Exatamente. Se ele está dando uma entrevista, estará com uma guitarrinha aqui, vai te responder em música, ou cantar alguma música que lembrou. É algo que não é dissociado. Talvez soe meio "poxa, o cara só toca, só faz música". Mas é isso um pouco.

Roberto – Ele é obsessivo, é uma marca dele. Ele fala lá atrás no filme que sua capacidade de trabalho é maior que o talento. Por exemplo, antes ele não cantava bem. Era um puta compositor, de uma puta banda... Era como o Chico Buarque, que tem um estilo e tal. Mas hoje em dia ele canta melhor, ele pratica um pouco mais do que ele praticava.

ÉPOCA – Talvez ele preste mais atenção agora. Ele mesmo disse que nunca tinha prestado atenção à plateia de tão ativo que era no palco...
Roberto – É, ele não parava quieto.

ÉPOCA – De modo geral, como você vê o Herbert hoje em relação ao passado? Qual as diferenças?
Roberto – As diferenças são grandes, não só dele, mas de todo mundo que está em volta, até fãs. Porque esse acidente foi emblemático. Vários amigos, e amigos de amigos, começaram a repensar um pouco a maneira como viviam, com uma responsabilidade maior. Ele ganhou um monte de coisas e perdeu um monte de coisas. O Herbert é mais aberto hoje em dia, talvez, mais direto do coração. Acho que ele perdeu um pouco da proteção que ele tinha. Hoje em dia ele vai mais de coração aberto. É outro Herbert. Ele perdeu um pedaço da memória. Dizem, no documentário, que antigamente ele não gostava (da expressão) "fazer amor" (em letra de música), e agora ele usa. Está mais próximo de ele ser ele mesmo. O Herbert tinha uma censura maior, pensava... e agora ele vai de coração aberto. E após o acidente ele não sabia quem era, o tamanho que ele tinha. E teve a noção do personagem que era de uma maneira mais distanciada. Ele começou a ser ele e ficar um pouco mais em casa, com as crianças, e ter o personagem Herbert.

ÉPOCA – Viver as duas coisas de uma maneira mais saudável?
Roberto – Exatamente, se preservando mais.

ÉPOCA – E, você, Pedro, como foi trabalhar com um ídolo da infância e adolescência?
Pedro – Foi incrível, foi uma descoberta de um grande ser humano. Foi muito legal, sem querer adjetivar, mas foi muito enriquecedor para mim, para a minha história como pessoa. Descobrir também a incrível musicalidade que eu não sabia que ele tinha. Ele é um grande compositor e tem uma relação tão visceral que você percebe que nada é à toa. Tantas músicas boas, tanta coisa que ele produziu. E ver como a obstinação e um foco e a força, a força de viver. E isso está não só depois do acidente, como na década de 90, está nas primeiras imagens e nos primeiros depoimentos, está impregnado em todo lugar, e no material bruto. E ainda mais na edição final. Isso também foi uma grande descoberta. Eu fui, eu deixei e voltei a ser fã de novo. Voltei a acompanhar os seus trabalhos.

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