sexta-feira, 21 de novembro de 2008

O BOTICÁRIO FERREIRA




Antonio Ferreira Rodrigues - O boticário Ferreira – assim tratado por todos que o conheciam, nasceu no ano de 1804, na cidade de Vila Real da Praia Grande, hoje cidade de Niterói – Rio de Janeiro. Filho de Antônio Rodrigues Ferreira e Marcolina Rosa de Jesus.
“Em 1824, recrutado para servir na Cisplatina, desertou e conseguiu embarcar para o Recife, onde o acolheu e protegeu, o negociante português Manuel Gonçalves da Silva. Conheceu em casa deste um comerciante rico e importante de Fortaleza, - Antônio Caetano de Gouveia, cônsul de Portugal, que o trouxe para o Ceará, como seu caixeiro, por volta de 1825 – ano terrível de seca no Ceará e da luta política da República do Equador”.
Com 21 anos de idade, ainda em sua terra natal, obtivera muita prática em farmacologia, cujas receitas salvaram de difícil parto, a mulher do seu protetor, que o ajudou a obter da Junta Médica de Pernambuco, licença para instalar botica no trecho da antiga Rua da Palma, hoje Rua Major Facundo – onde funcionou a Farmácia Boticário Ferreira, Farmácia Galeno, do farmacêutico Joaquim (Yoyô) Studart da Fonseca, filho de Leonísia Studart da Fonseca, irmã do Barão de Studart, casada com João da Fonseca Barbosa, tesoureiro do Banco Cearense, em cujo local mais tarde se instalou a Loja de Variedades, hoje Loja Milano.
Em 1902, o cel. Guilherme Rocha, Intendente à época, deu nova feição à praça arborizando-a, cercando o centro com grades de ferro – construindo o Jardim 7 de Setembro.
Existiam ainda na praça quatro quiosques que se denominava “café do Comércio”, “café Iracema”, “café Elegante” e “café Java” – o mais antigo, pois data de 1886 e se tornara o principal ponto de reunião da fina flor da cidade, e dos famosos intelectuais da inovadora Padaria Espiritual.
Em 1914 – na gestão do prefeito Rdo. de Alencar Araripe, a praça foi inteiramente reformada, recebendo iluminação moderníssima com cabos condutores subterrâneos.
Nova reforma se deu em 1920, o prefeito Godofredo Maciel mandou demolir os quiosques e retirar as grades centrais que constituía o Jardim 7 de Setembro, e, construir um pouco deslocado para o lado Sul, o coreto para os músicos das bandas das Polícias do Estado e do Município, levando efeito semanalmente às tradicionais e concorridas retretas que eram do agrado público.
Dentre outros melhoramentos, o prefeito Raimundo Girão, em 1932, autorizou demolir o coreto, e em substituição erigir a “Coluna da Hora”, com relógio de quatro faces que servia de orientação para toda a cidade, cuja inauguração ocorreu no dia 31 de dezembro de 1933.
Hoje, no mesmo local, relógio com estrutura de ferro aos moldes do antigo relógio (montado sobre alvenaria) ao lado de antigo cacimbão, existente desde o início do logradouro.
A praça foi e será sempre a sala de visita da cidade para nós fortalezense e, para todos que aqui chegam. Sua posição geográfica, lembranças históricas e conhecida como cidade hospitaleira e agradável aos visitantes e adventícios que por aqui aportavam sob intenso calor, mas recebem, à noite, a aragem que vem do “Aracati”, amenizando o calor do dia, tornando suave as noites e aprazíveis os momentos de descanso para aqueles, sentados nos bancos da praça.
Ainda gravada na lembrança, a chegada à praça, no quarteirão da Rua Major Facundo, em frente a Farmácia Pasteur, dos bondes que faziam diversas linhas, onde eram vistas pessoas que se despediam para subir ou descer do transporte, que rodeando a praça, seguiam itinerários diversos, carregando o lirismo de um adeus ou até logo... à exceção dos que faziam as linhas da Praia de Iracema e Prainha, porque seguiam percurso pela Rua Floriano Peixoto.
As casas comerciais à época e as lojas de hoje
O comércio centralizado na praça se diversificava na proporção da escolha dos produtos procurados e predominava o comércio varejista. Ainda hoje permanece o comércio diverso em toda a sua extensão.
Começando pela quadra do lado Oeste, na rua Major Facundo, esquina com a rua Guilherme Rocha, o edifício do Excelsior Hotel, considerado o primeiro arranha-céu do Ceará. Entrou para história como primeiro hotel de nível internacional da Região Nordeste. Construído em 1927, à base de argamassa e cal, com oito andares, pelo arquiteto Emilio Hinko, casado com Sra. Pierina Rossi Hinko, viúva do milionário Plácido Carvalho; inaugurado em 31 de dezembro de 1931; o hotel foi edificado no lugar de um sobrado de três andares que pertencia ao comendador José Antônio Machado.
Ao lado da entrada e parte térrea do edifício Excelsior - Rua Guilherme Rocha - onde funcionou por muitos anos o hotel mais chic e equipado da cidade; esquina com a Major Facundo, existiu a Farmácia Francesa, hoje Ótica Hora Certa e Disco & Cia.
Em direção à rua Major Facundo para a Rua Liberato Barroso, bem na esquina ficava o café Riche, depois Loja Broadway, de Alberto Bardawil, hoje, loja Tok Discos; vizinho com uma porta estreita, onde funcionou um armarinho, para venda de gravatas, camisas, lenços, canetas e relógio, hoje Rei das Canetas; a seguir as Lojas Sloper (com matriz no Rio de Janeiro) – era loja freqüentada pela alta camada da sociedade; os dirigentes vinham do Sul, e, as vendedoras eram moças de gradas famílias, que elegantemente vestidas, portavam até chapéus e luvas; nesse mesmo local se instalou à Flama -símbolo de distinção - assim era o slogan da loja, hoje Banco Mercantil do Brasil; A seguir vinha o Cine Polytheama, dos irmãos Rola, hoje Cine São Luiz, geminado ao prédio que serviu de escritório à Empresa Ribeiro, de propriedade de Luís Severiano Ribeiro, hoje com rua lateral que dá acesso à Rua Barão do Rio Branco. Nesse local às tardes, era ponto de encontro de respeitáveis senhores “jovens há mais tempo”, que para ali se dirigiam para tirar “dois dedos de prosa” e botar olhar godê ou olho de mormaço para as moças em flor que ali passavam.
Poderiam ser vistos meu estimado primo, engenheiro de acabamento do Edifício São Luiz, José Euclydes Caracas, os senhores Vinícius Ribeiro, Edgar e Humberto Patrício, Dr. Belo da Mota, Gen. Eurípedes Ferreira Gomes e seu cunhado, meu compadre Thomaz Pompeu Gomes de Matos; Mais adiante a Pharmacia Pasteur – Estabelecimento Eduardo Bezerra, hoje Lojas Marisa e Farmácia Avenida.
O Cine Majestic e Bar com cadeiras de pés de ferro e pequenas mesas de mármore, com música a cargo do pianista e compositor Mozart Gondim Ribeiro, tio dos estimados amigos Humberto, Heitor Filho, Haroldo e Heloísa Diogo Ribeiro, freqüentado por expoentes da cidade, como Raimundo Gomes de Matos, Quintino Cunha, Dolor Barreira, Olinto Oliveira, Heribaldo Costa, Álvaro Costa, Des. Leite Albuquerque, Lauro Maia, Des. Ubirajara Caneiro, boêmio e poeta Cid Neto e outros. Imponente edifício de quatro pavimentos que pegou fogo na década de 1940, após a demolição, a Loja de Variedades, e, Lojas 4.400, hoje Lojas Riachuelo e Duda´s Burger; Farmácia Oswaldo Cruz – de propriedade de Edgar Rodrigues; no andar superior da Farmácia Oswaldo Cruz – o escritório por mais de 50 anos, de um dos mais brilhantes e atuantes advogados do Ceará, Olinto Oliveira (pai do meu amigo Olinto Filho). Com ele trabalhavam, os ilustres causídicos – Walmir Pontes, Álvaro Costa, e os advogados Oscar Pacheco Passos e Moacir Oliveira, no imóvel que pertencia à Pierina Hinko; vizinho casa térrea de duas portas – o Foto Sales, de Tertuliano Sales, mais tarde de seus sucessores; em imóvel de igual formato de rótula – a famosa Garapeira Mundico com refresco de pega pinto, aluá, e, refresco de erva quebra-pedra, côco-babão, refresco de erva vassourinha, muito procurado pelos visitantes da cidade por ser medicinal. Em tempos mais recuados, a mais famosa garapeira, Bem-Bem, especialista na excelente bebida conhecida por “jinjibirra” ou “gengibirra”, muito apreciada por todos, fermentada, feita de frutos, gengibre, açúcar, acido tartárico, fermento de pão e água, conhecido no Nordeste como champanhe-de-cordão, cerveja-de-barbante. Talvez fosse melhor escrita gengibirra, e que celebrizou o extrovertido Bem-Bem; vizinho ao Mundico, o Armarinho do Orion, com vendas de meias, gravatas, lenços e objetos masculinos. Ainda no mesmo quarteirão da rua Major Facundo – a mais célebre farmácia da cidade a antiga farmácia do Boticário Ferreir. Mais tarde – segundo familiares, nesse estabelecimento se instalara a Pharmacia Galeno, do farmacêutico Joaquim Studart da Fonseca, cuja sociedade em parceria com Silvino Silva Thé, hoje Lojas Milano; o Cine Moderno, da Empresa Severiano Ribeiro, com sua rica e esplendorosa marquise variegada, com cristais coloridos das mais vivas cores, no formato de meia concha ou cauda de pavão, dava toque de elegância e imponência à entrada do cinema; depois lojas Samasa, de Sebastião Arrais, hoje Sapataria Nova e Clínica de Olhos Rosangela Francesco. Esquina da Rua Major Facundo com a Liberato Barroso, de um lado, existiu nas décadas de 1940/60, o café Sporte, dos irmãos gêmeos José e Estevam Emygdio de Castro, muito estimados por todos, foram meus patrões na firma Emygdio & Irmãos, hoje Lojas Esquisita, de Pio Rodrigues, pai da querida amiga Edir Rolim; do outro lado, na Rua Liberato Barroso com Major Facundo, foi Farmácia Modelo, depois Casa Veneza, hoje o local está desocupado.
No quadrilátero da Praça do Ferreira, lado Sul, lado que correspondia antes ao Beco do Cotovelo, que além das denominações oficiais, a praça, na época, era também popularmente conhecida por “Praça da Municipalidade”, por situar-se defronte do prédio da Intendência Municipal, onde também funcionava a sala do júri. No local, onde existiu o Abrigo Central, construído na gestão do prefeito Acrísio Moreira da Rocha.
A Rua Dr. Pedro Borges, situada na ala Sul da praça, esquina com Major Facundo – onde hoje se ergue o Edifício Torres, existiu a Casa Maranhense, depois a Loja Rainha da Moda, Pastelaria Chinesa, hoje Casa Amazônia – ao lado da escada que dava entrada para o Foto Ribeiro; vizinho à Loja Ceará Chic – de Irajá Vasconcelos; A Miscelânea, mercearia de primeira ordem, do Sr. Frota; Farmácia Belém, hoje Casa Pio; Posto Mazine, do Sr. Falcão – primeiro revendedor do fogão a gás, depois Grupo Edson Queiroz, hoje Farmácia Pague Menos, do meu amigo Deusmar Queirós, proprietário da maior rede de farmácia do Brasil, homem generoso e de convicta religiosidade, pai do genro Mário Queirós, também avô de Pedro Henrique.
A Sapataria Clark, depois Salão Lord, hoje Roscel Jeans; Sorveteria Odeon, hoje Óticas Itamaraty, de Pantaleão Cavalcante; Leão do Sul, de Dimas de Castro e Silva, pai do meu amigo, Marçal Pinto de Castro; e na esquina da Rua Floriano Peixoto a Casa Maranguape, depois Lojas de Artigos Masculinos, de Agenor Costa, hoje Farmácia Avenida.
Do lado Leste, esquina com a Rua Dr. Pedro Borges, existiu a Casa Blanca, de J. Ary – Jean e Emilio Ary (irmãos), hoje ainda armazém de tecidos de C. Rolim; vizinho à antiga Padaria Lisbonense, de Pelágio Oliveira, hoje Shopping Lisbonense.
Inicio com o outro lado o Armazém de tecidos Leblon, hoje Lojas Leblon; seguia-se da Loja Oriano – engraxataria e polimento de calçados, hoje Lojas Otoch; assim como os demais, o prédio com pavimento superior do italiano Salvador Cunto – com alfaiataria; Loja Central, de Pedro Lazar e seu primo Adir Lazar o Bar e Sorveteria dos Jangadeiros, de Luis Frota Passos; a Farmácia Faladroga, todas hoje, onde estão as Lojas Otoch; Livraria Alaor, hoje Óticas Mariz; Bar da Brahma – dos irmãos Coelho, onde serviam as deliciosas unhas e patas de caranguejo e o queijo flamengo com fatias de pão, local de encontro dos senhores de meia-idade que todas as tardes se reuniam para saborear a cerveja Boock Alen, depois Armazém do Povo, hoje Mundial Video Bingo; Farmácia Globo, hoje C. Rolim; Farmácia Santo Antônio, de Dalmário Cavalcante Albuquerque, hoje Bingo Cidade; Farmácia Humanitária, hoje café L’Escale; Sorveteria El Dourado, do estimado amigo e festejado homem de negócios – Figueiredão – Antônio Montenegro Figueiredo, hoje Farmácia Avenida; Caldo de Cana “O Merendinha”, Quezado, da Dona Zenaide Quezado de Aurora, hoje Lojas Helga; e Palacete Ceará, o Clube Iracema, mais tarde Rotisserie, casa de jogo de bilhar, do árabe Sr. Abraão, hoje agência da Caixa Econômica Federal. Ainda do lado Leste, na Rua Floriano Peixoto, numa diagonal, foi plantado uma muda de cajueiro, na administração Juraci Magalhães, simbolizando o lendário “cajueiro da mentira”, hoje com placa assentado ao lado com os seguintes dizeres: “Neste local existiu um frondoso cajueiro que, por frutificar o ano todo, era apelidado de “cajueiro botador” ou, por se realizarem, sob sua copa, cada 1º de abril, as eleições para o maior “potoqueiro” do Ceará, era também chamado de “cajueiro da mentira.

VULTOS DA FORTALEZA ANTIGA


João Cordeiro


Dentre os cearenses notáveis do passado, poucos vieram intensamente quanto João Cordeiro. Após infância e adolescência empobrecidas, venceu na vida e já em 1877 foi eleito presidente da Associação Comercial do Ceará. Em função que foi convocado pelo presidente da província o conselheiro Estelita, para comissariar a luta contra a Cólera que então, virulentamente, se alastrava no Ceará, em plena seca de 1877/88/89. A partir de 1880, liderou o movimento abolicionista. Depois foi industrial em Baturité. Onde envolveu-se ativamente na luta pela instauração da República. Proclamada esta, recebe telegrama do Rio de Janeiro nomeando-o presidente da Província. Não aceitou porém honrosa incumbência, em respeito e fidelidade ao cel. Ferraz, que havia aclamado para as funções e as assumido. Limitou-se aceita ser vice de Ferraz , assumindo o governo por duas vezes. A seguir, vai residir no Rio de Janeiro voltando a atividade industrial. É eleito senador pelo Ceará. Foi ajudante de ordens do marechal Floriano Peixoto. Esteve preso em Fernando de Noronha, sendo solto 45 dias depois, graças a habeas-corpos requerido por Rui Barbosa. Ao regressar ao Rio, volta aos negócios de sua fábrica, mas, falindo, entregou aos credores tudo o que possuía. Após Senador, se elege deputado federal, quando vai nomeado, por Nilo Peçanha seu amigo, Governador do Acre. Aos 87 anos, quase cego, voltou a ser caixeiro da Casa Boris...

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A SAGA DE ORSON WELLS EM FORTALEZA







Fortaleza em 1942 apresentava um pouco mais de 150 mil habitantes. Dormia-se cedo, por volta das 21 horas. A beira-mar era vazia, não havia edifícios, somente casas de pescadores. O Mucuripe era de difícil acesso.No início dos anos 40, quatro pescadores brasileiros se lançaram ao mar para uma viagem que entrou para a história dos jangadeiros cearenses, da navegação, do Estado Novo e do cinema. Tão arriscada foi ela, que até na imprensa americana ganhou espaço nobre. Num artigo intitulado Four Men on a Raft (Quatro Homens numa Jangada), a revista Time (8/12/1941) reproduziu toda a odisséia de Manoel Olímpio Meira (Jacaré), Raimundo Correia Lima (Tatá), Manuel Pereira da Silva (Mané Preto) e Jerônimo André de Souza (Mestre Jerônimo), que a bordo de uma jangada singraram os 2.381 km que separam Fortaleza do Rio de Janeiro, sem bússola ou carta náutica.Foram mais de 61 dias de viagem pelo mar...Os jangadeiros queriam chamar a atenção do País e do governo para o estado de abandono em que viviam os 35 mil pescadores do Ceará.Até que....então...Na primeira semana de dezembro de 1941, folheando a Time, Orson Welles tomou conhecimento da proeza de Jacaré & cia., e teve um estalo: ali estava o segundo episódio brasileiro de It's All True, o filme pan-americano que o governo Roosevelt há pouco lhe encomendara.Welles chegou ao Brasil em 8 de fevereiro de 1942, filmou o carnaval carioca, e em 8 de março fez uma viagem de reconhecimento a Fortaleza. Lá chegou num vôo especial da NAB (Navegação Aérea Brasileira) e foi recebido como "um Napoleão do cinema". Hospedada no Excelsior Hotel, no centro da cidade, a entourage It's All True (Welles levou seis acompanhantes, entre os quais Morel, seu fiel assistente Richard Wilson e a tradutora Matilde Kastrup). Dois meses mais tarde, Jacaré e seus três companheiros foram trazidos de avião até o Rio e hospedados no hotel Copacabana Palace. Por 500 mil réis semanais, participariam de algumas cenas do episódio carnavalesco, ao lado de Grande Otelo, rodariam no aeroporto a despedida do Rio e reconstituiriam, numa praia da Barra da Tijuca, a triunfal chegada da jangada ‘São Pedro’ à Baía de Guanabara. Nessa ordem. Várias tomadas da chegada ao Rio chegaram a ser feitas, no dia 19, mas uma manobra infeliz da lancha que rebocava a jangada a teria virado na praia de São Conrado, jogando ao mar agitado os seus quatro tripulantes. Três se salvaram. O corpo de Jacaré desapareceu e nunca foi encontrado. Ainda assim, Welles foi em frente. As coações, quase sempre veladas, da ditadura getulista o perturbavam bem menos que o assédio crescente da RKO e do governo americano, que o acusavam de gastar dinheiro a rodo.Do Rio, novamente Welles desembarcara na Base Aérea de Fortaleza às 15h30 do dia 13 de junho. Apesar do que ocorrera com Jacaré, foram acolhidos com enorme simpatia. Para assegurar maior tranqüilidade aos trabalhos, estabeleceram-se nas areias do Mucuripe e ali rodaram a história de amor do jovem pescador (José Sobrinho) com uma bela morena (Francisca Moreira da Silva, então com 13 anos), o casamento dos dois, a morte do jangadeiro e seu enterro nas dunas, a conseqüente revolta dos pescadores pelas suas precárias condições de vida e a decisão política do reide até o Rio de Janeiro. No papel de Jacaré, puseram seu irmão Isidro. Em Fortaleza, Welles revelou-se um homem radicalmente diferente do garotão farrista e mulherengo que os cariocas conheceram. Não deixou de ir a festas (chegou a marcar quadrilha num folguedo junino), nem de freqüentar o Jangada Clube, mas parou de beber e deu um duro danado nas seis semanas que lá passou, correndo contra o relógio e fazendo malabarismos com o orçamento. Sempre alegre, passou a viver com os pescadores, que o tratavam de "galegão legal" e admiravam o seu desprendimento de confortos materiais e sofisticações culinárias. Dormia numa cabana rústica, mal protegida dos raios solares, e à noite, depois de encarar um portentoso prato de feijão com arroz e peixe, recolhia-se para escrever madrugada adentro.


Fonte: Estadão

AS LINHAS QUE TRAFEGAVAM NA ANTIGA IGREJA DA SÉ


Antiga Sé (Catedral) de Fortaleza. Segundo Nirez, "no dia 11/09/1938 foi rezada a última missa na velha Catedral e em seguida ela foi demolida juntamente com seu cruzeiro cujos santos que o enfeitavam estão hoje no Museu São José do Ribamar, no Aquiraz."Bondes que trafegavam no local. Adolpho Quixadá lembra que duas linhas passavam pela praça - Prainha e Praia de Iracema. Nirez confirma: "Existiam duas linhas que passavam por ali, uma era a "Prainha", que ia até o pé da subida da ladeirada Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Prainha, hojeem frente ao Centro Cultural Dragão do Mar, logo após aCapitania dos Portos; a outra linha era da Praia de Iracema,que seguia pela atual Avenida Pessoa Anta."
Um viajante inglês registrou a existência de bondes em Fortaleza na década de 1870, mas outras fontes afirmam que a primeira linha de bondes puxados por cavalos, entre a estação ferroviária e o centro de Fortaleza, foi inaugurada pela Companhia Ferro-Carril do Ceará (FCC) em 25/4/1880, usando bitola de 1.400 mm a mesma usada pela Trilhos Urbanos na linha de bondes a vapor em Recife. A Ferro Carril do Parangaba abriu uma linha para o lado Sul da cidade em 18/10/1894 e a Ferro Carril do Outeiro (FCO) iniciou sua linha no lado Leste de Fortaleza em 24/4/1896. A Ceará Tramway, Light & Power Co., Ltd., registrada em Londres em 11/12/1911, comprou os sistemas da FCC e da FCO e inaugurou a primeira linha de bondes elétricos da capital cearense em 9/10/1913, agora com bitola de 1.435 mm. A linha Parangaba foi fechada em 1918 e não chegou a ser eletrificada. Todos os veículos elétricos de Fortaleza tinham um padrão, com troles: a United Electric construiu 30 em 1912 e dez em 1924. A linha de bondes de Fortaleza foi fechada por problemas elétricos em 19/5/1947 - três semanas após o fechamento do sistema de bondes em Belém. Vinte anos depois, em 25/1/1967, a Companhia de Transportes Coletivos inaugurou duas linhas de trólebus entre o lado Oeste da cidade e o Largo do Carmo.

OS BONDES NA PAISAGEM DE FORTALEZA


Já a imagem abaixo, da mesma época, mostra o bonde elétrico, na Floriano Peixoto, aberto prefixo 76, na linha do Outeiro, passando ao lado de uma bomba de gasolina. Reparem na arquitetura dos prédios... Banco do Brasil, na época...(por volta dos primeiros cinco anos da década de 1930)

OS BONDES NA ANTIGA FORTALEZA


Na foto abaixo (da coleção do pesquisador Allen Morrison, de New York),um bonde elétrico no centro da capital cearense,em meados do século XX. Na altura do depósito, o bonde dobrava à esquerda e, depois de cerca de 50 metros,na rua 24 de Maio, parava na esquina da rua Castro e Silva.Virava a lança, voltava e parava de novo ao lado da Estação Central, para dar embarque (serviço inverso de quandovinha trazendo passageiros para os trens urbanos)aos passageiros que haviam chegado ou outros usuários que demandavam o centro da cidade.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Marmotas da Fortaleza Antiga


Tempos bons aqueles em que ...

Boneca era CALUNGA
A revista era FON-FON",
Calcinha era SUNGA
E soutien, CALIFON
Da circunspecta CEROULA
Da rapadura com feijão,
Da paçoca comcebola
E do sunga de cordão.
Tempos bons.
Dos velhos bondes da "light",
Da goiabada cascão,
Em que o ditado era "ALL-RIGHT"
Da anágua e da combinação.
Da velha praia de Iracema,
Das "soirés" do São Luís
Do canto da seriema
E das bolinhas de aniz.

Do gostoso doce gelado
De abacaxi, cajá e nata.
Do amendoim bem torrado
E do fino doce de lata.
Tempos bons em que...
O chic era usar gravata
Sapato de bom verniz,
O relógio era de prata
E o homem era feliz.

O pó de arroz era "DORLY",
Cafona era canelau.
A revista era o "GIBI"
E ladrão era LALAU...

Do velho abrigo central,
Dos pastéis do "MARECHAL",
Da Praça da Escola Normal,
Do Ginásio Municipal.

Da Igreja de São Benedito
Do Pastoril da Imperador,
Onde se cantava "BENDITO"...
Do Narcélio e do Bianor !
Do saudoso "MAJESTIC",
Cine Centro, cine Rex.
Do Moderno, um cine chic,
Do tropical "SUPER-PITEX.
Tempos saudosos aqueles em que...
Empregada era "PIRÃO FRIO",
Resfriado era defluxo,
Só se viajava de navio.
Pro pulmão era mastruço.
Tempos bons .
Das retretas da "Lagoinha",
Onde havia uma distinção:
No centro, as moças de linha,
Por fora, as "chofer de fogão".

Do pegapinto do Mundico,
Com pão doce ou tapioca
Do caldo de Cana caiana
Moída ali na engenhoca.
Tempos bons...
Em que não havia assalto,
Violência ou trombadinha,
E o único sobressalto
Era o ladrão de galinha.

Do penico de porcelana,
Da escarradeira na sala,
Em que cílio era pestana
E o guarda-roupa era a mala

Do jaquetão tipo saco,
Da calça boca de sino
Colarinho indeformável,
Sapato salto argentino.
Tempos bons aqueles...
Da cabeleira bem penteada
Oleada para brilhar,
Com óleo Glostora e perfumada
Com brilhantina "Royal Briar"
Em que...
Papo furado era lero-lero,
A gente brincava de pião,
A dança da moda era bolero
E não existia "sapatão"...

Moça fina usava pastinha,
Sáia godê, blusa rendada
E, quando caía a noitinha,
Se sentava na calçada.

Tempos saudosos em que...
Bromil era expectorante,
Asseptol, uma panacéia.
Capivarol, fortificante,
Chá de goma pra diarréia...
Tempos saudosos aqueles...
Do galo cantando no quintal
Em que se jogava bola de meia.
Das frutas do Mercado Central
E em que surra era peia...

Da velha Farmácia Teodorico
Do "papagaio" sineiro da SÉ.
Em que fofoca era fuxico
E charrete cabriolé.

Do terno de linho acetinado
Da Irlanda ou Inglaterra importado
Sempre impecavelmente engomado,
Botão do colarinho dourado.

Do sapato esporte "fanabor",
Da roupa do melhor rayon,
Do gostoso café de coador
E do sapato branco e marron.
Da esquina do pecado famosa,
Onde a rapaziada, às tardinhas,
Ficava pra ver o vento subir
A saia rodada das menininhas...

Recordação e muitas saudades
Do sortido "Bazar Alemão",
Da antiga "Loja de Variedades",
Da "Espingarda" do Damião.

Da Loja "O Gabriel", sortida,
Que vendia artigos sagrados,
Com a porta garantida
Por vinte e dois cadeados...

Da famosa "Casa Elefante",
Que vendia tudo barato,
Ao pobre ou ao mais pedante,
Penico, xícara ou prato.

"Casa Sloper, "Ceará Chic",
casa das jóias "Meziano",
do elegante carro "Buick",
do fino chocolate Gardano.

Do embarque na ponte metálica,
Aos vagalhões do mar azul,
Nos velhos navios da "Costeira",
Única via de acesso ao sul.
Tempos bons em que...
Murro chamava-se bofete,
O homem de posses ia a Roma
E, em vez do nocivo chiclete,
Mascava-se bombom de goma.

Tomava-se água de quartinha,
Merendava-se um bom chibé,
Na sobremesa, rapadurinha
E, pras visitas, era café.
Saudades...
Do rádio Philco muito afamado
Potente e todo valvulado,
Modelo moderno quadrado,
Com o dial todo iluminado.

Da famosa "Cama Patente",
Da legítima "Faixa Azul",
Que era luxo pra pouca gente,
Importada lá do sul...

Da coluna da hora imponente,
Testemunha de emoção do povo,
Com seu badalar estridente,
Anunciando a entrada do Ano Novo.

Do conhecido "Posto Mazine",
Da esquina do "Rotisserie",
Das finas calças de gabardine
E dos frondosos pés de oiti.
Da famosa bolacha "fogosa",
Do fino biscoito "Facão",
Em que a praia chic era a "Formosa"
E sáia rodada era balão...

Da "A Cearense" do Aprígio,
Loja Chic, em grande progresso,
Ditando a moda, com prestígio,
Ali, no Quarteirão Sucesso".
Do magazine "A Cruzeiro",
Líder de roupa masculina,
Que , durante o ano inteiro,
Ditava a moda mais grã-fina.

Do criado mudo em casa de rico,
Guardando, nas horas diurnas,
O sempre asseado penico,
Pras necessidades noturnas.

Da tabuada na palmatória,
Método reputado imperfeito
Crestomatia na compulsória
Mas, aprendia-se e havia respeito.

Lembranças dos tipos pitorescos...
A Teresa do "puxa-puxa",
Zé Tatá, Siri, Raimundão,
Casaca Preta, Bode Iôiô,
Jararaca, Chica Pilão.

Feijão Sem Banha, Chico Dudu,
Zé Guela, Chico da Mãe Isa,
O "Mamãe Dorme Só, o Napu,
O "Pedão da Bananada".
Na Fortaleza antiga...
Rádio Patrulha era "Madalena",
Avião era aeroplano,
Pobre só tinha rádio a galena,
E moça tocava piano.

Aparecia o "Cão da Itaoca",
Assombrando a população,
Tomava-se café com tapioca,
Como primeira refeição.
Saudades...
Da Rua Franco Rabelo,
Do velho "curral" da praia,
Do Matadouro Modelo,
Das brincadeiras de arraia...

Dos "Prefect" do "Posto Cinco",
Dos automóveis "Citroen",
Dos prédios de teto de zinco
E dos cigarros Araken.

Piqueniques em Messejana
Cada qual levando farnel,
Frito de galinha, banana,
Farofa de carne e pastel.

Do beco do "rasga sunga",
Escuro que nem breu!
Onde se ouvia um funga-funga,
Ali, pertinho do Liceu.

Dos programas de rádio gostosos
"Divertimentos em Seqüência",
Novelas, cantores famosos,
"Bazar de Músicas"... Que audiência"

Do animado carnaval de rua,
Com muito confete e serpentinas,
Maracatus, "Bando da Lua",
O corso com muitas meninas.
Do cloretil, muito perfumado,
Infalível no "flirt" inocente,
Com seu jato muito gelado,
Deixando um odor envolvente...

Das retretas do Passeio Público,
Desfiles na praia ao luar,
"Sereno" no Cine Diogo,
Banhos na ponta do quebramar...
Tempos bons aqueles em que .
Morim era mandapulão,
Cachaça, "cascorobil",
Toda casa tinha oitão,
Pra lombriga, "Ferrovermil".

Presepada era marmota,
Confusão, inguirisia,
Em que mentira era lorota,
E perder missa era heresia.
Sabonete fino era de sândalo,
Pra dar sorte, pé de coelho,
E considerado grande escândalo
Moça mostrar o joelho.

Casamento era coisa séria,
Não havia separação,
Em que Quitéria era Quitéria,
Em que João era João...
Em que não havia fila,
Muito menos inflação,
Bola de gude era bila
E bermuda era calção.

Saudades...
Do carrossel, que era óla,
Da gostosa mariola,
Do sapato de crepe sola,
E da música de vitrola.

Do namoro na janela,
Singelo e sem nenhum sarro,
Sob as vistas da mãe dela,
Que, foi não foi, dava um pigarro...

Das serenatas românticas,
Músicas apaixonadas,
Violões e bandolins,
Nas noites enluaradas.

Do feijão com carne velha,
Cozido em panela de barro,
Do refresco de groselha,
Servido na mesa em jarro.

Do paletó de casimira,
Calça de fina flanela,
Camisa de seda palha,
Botão de rosa na lapela.

Da cambica de murici,
Do mocororó de caju,
Do aluá de abacaxi,
Das bolinhas de comaru.
Da Ladeira da Prainha,
Do velho Poço da Draga ,
Da Rua do Seminário,
Do Monsenhor Tabosa Braga.

Eu sou do tempo em que...
Rede se chamava fianga,
Havia fartura de manga,
Todo jardim tinha pitanga,
Usava-se ouro e não miçanga...

Da Cera do Doutor Lustosa,
Do Chá de Sena com maná,
Pílula de Matos famosa,
Do Lambedor de Jatobá...

Do Elixir de Inhame,
Do chá de folha de mamão,
Do depurador de velame,
Do gargarejo de agrião.

Do pote no pé da janela,
Da tina dágua no banheiro,
Do arroz doce com canela,
E da caneta de tinteiro.

Da braguilha de botão,
Calça de seis bolsos e bainha,
Suspensório e cinturão.
Da tinta de escrever "Sardinha".

Em que era uma tradição,
Cultivada por inteiro,
Na primeira comunhão,
Usar roupa de marinheiro.

Da rua da Conceição,
Outeiro, Praça de Pelotas,
Prado, Campo de Aviação,
Beco dos Pocinhos, Varjota.

Soares Moreno, Praínha,
Praça da Sé, Hotel Bitu,
Pajeú, Rua da Escadinha,
Alagadiço, Guajiru.
Em que era obra do Satanás,
O homem sério e de linha,
Usar paletó lascado atrás,
Capanga, brinco e pulseirinha.

Eu sinto saudades do tempo em que...
Havia muito mais recato,
Mais sinceridade e pudor,
Muito mais respeito no trato.
Mais fidelidade no amor.
Saudades imensas...
Da nossa Fortaleza Antiga,
Sem asfalto e poluição,
Muito mais humana e amiga
E com muito mais coração"

Tudo isso, "Coisas Que O Tempo Levou",
como diria o saudoso José Lima Verde,
um dos maiores cultores da memória da nossa querida cidade