sexta-feira, 10 de julho de 2009

A teoria do caos


Caos é uma palavra subjetiva. Um quarto de uma adolescente pode ser caótico para a empregada doméstica que tenta arrumá-lo, mas certamente não é para o jovem. Se perguntarmos por qualquer item ele certamente saberá onde se encontra. Uma estante organizada por autor é caótica para quem está acostumado a organizar seus livros por assunto.

Embora muitos autores considerem que toda ciência é uma tentativa de colocar ordem na natureza, a primeira corrente científica a se preocupar com o caos foi a cibernética. Autores cibernéticos, como Norbert Weiner, chamaram caos de entropia e estudaram suas características.

Filha da cibernética e da teoria da informação, a teoria do caos surgiu na década de 60 com as elaborações do matemático Benoit Mandelbrot a respeito do tempo metereológico, mas ganhou destaque no início dos anos 80 com um grupo de alunos da Universidade de Santa Helena (EUA) que se auto-denominaram coletivo de Sistemas Dinâmicos.

Os trabalhos de Mandelbrolt e dos jovens estudantes começava nos limites da ciência clássica, que era extremamente influenciada pela invenção do relógio. O relógio simbolizou, para muitos autores, a ordem do universo. Seus movimentos são totalmente previsíveis. Para saber como funciona um relógio, basta desmonta-lo e compreender como suas peças se encaixam. Da mesma forma, para compreender a natureza, bastava desmontá-la, descobrir como funcionam suas partes e tudo se revelaria com espantoso determinismo.

Essa visão de mundo ganhou uma metáfora no Demônio de Laplace. O cientista francês propôs que, se uma consciência soubesse todos os dados de todas as partículas do universo e fosse capaz de fazer os cálculos necessários, teria condições de prever o seu funcionamento com perfeição. O Demônio Laplaciano teria diante de si o passado, o presente e o futuro.

No campo das ciências humanas, essa forma de pensamento foi a base da sociologia. Se alguém entendesse como funciona a sociedade, com as pessoas se relacionam entre si para formar uma comunidade, seria perfeitamente possível prever o andamento dessa sociedade.

Para demonstrar a crença na determinação, característica da ciência clássica, podemos imaginar o transito de uma cidade. Imaginemos que o departamento de transito saiba todas as informações sobre o transito: o mapa da cidade, o tempo de todos os semáforos, a média de velocidade de cada carro, a origem e o destino de todos os carro, o tempo de partida... Diante de todos esses dados e, com um computador potente o bastante, seria possível prever todas as situações possíveis e manter o transito perfeitamente ordenado, sem engarrafamentos.

A situação pode funcionar na teoria, mas na prática isso não ocorre. Um único motorista que se distrai olhando para uma garota na calçada pode provocar uma acidente, que provocará outro acidente, que provocará outro acidente... e no final teremos um engarrafamento monstruoso.

A maioria dos sistemas não pode ser determinado em decorrência da chamada dependência sensível das condições iniciais, ou efeito borboleta.

A expressão efeito borboleta é usada para denominar um fenômeno no qual uma borboleta, batendo suas asas na muralha da China, pode provocar uma tempestade em Nova York. Parece brincadeira, mas não é. Fenômenos em que um pequeno fator provoca grandes transformações são mais comuns do que se pensa.

No campo da economia, por exemplo, teóricos do caos têm estudado a importância de boatos nas bolsas de valores.

Os jornais têm anunciado casos de pessoas que, em decorrência de um pequeno atraso na hora de sair de casa, perderam o ônibus, o que levou a um atraso no metrô e, no final não conseguiram pegar o avião, e o avião caiu. Um segundo de atraso foi a diferença entre a vida e a morte para essas pessoas.

Em termos filosóficos, a Teoria do Caos nos dá uma interessante perspectiva a respeito do destino. O destino existe? Essa questão tem inquietado pensadores desde a origem da humanidade. A ciência clássica, com seu determinismo, dava abertura para a aceitação do destino. O demônio de Laplace podia prever o futuro, mas não podia intervir nele, pois todos os acontecimentos já estavam previstos. “A inteligência suposta por Laplace seria onisciente, mas impotente para provocar qualquer modificação no curso dos eventos. Restaria a ela um olhar entediado sobre o porvir, pois nada poderia acontecer que não tivesse já previsto”, diz Isaac Epstein, no livro Teoria da Informação.

A Teoria do Caos, por outro lado, propõe que o sistema é determinista, mas não sabemos o que ele fará a seguir. Ou seja, há uma determinação, até o ponto em que um efeito borboleta incida sobre o sistema. Em termos filosóficos, podemos dizer que o destino existe, mas nós o modificamos toda vez que fazemos determinadas escolhas que vão influenciar o futuro. Visualmente, isso pode ser imaginado como uma estrada com diversas bifurcações. A cada bifurcação, a escolha daquele que caminha, muda o caminho e, portanto, o seu destino.

Para compreender os fenômenos dinâmicos (não deterministas), os teóricos do caos foram buscar na teoria da informação a base científica. Eles chegaram à conclusão de que não existe caos, mas padrões de diferente níveis de complexidade. Um padrão mais complexo é mais caótico, um padrão mais simples é ordenado. Um exemplo. Imagine a seqüência abaixo:

1,2,3,4

É um padrão simples. É fácil perceber que o número seguinte será o 5.

Um padrão um pouco mais complexo pode ser visualizado na seqüência seguinte:

2,4,6,8

Embora seja um pouco mais imprevisível, não há grande dificuldade em perceber que o padrão é pular os números ímpares. Assim, o próximo número seria o 10.

Um padrão bem mais complexo poderia ser visualizado na seqüência abaixo:

2,4,8,10, 14

Qual seria o número seguinte? Uma análise detalhada da seqüência demonstraria que a regra é pular dois números e, em seguida, pular quatro. Assim, o número seguinte seria 16.

Um padrão totalmente complexo, ou caótico, seria demonstrado pela seqüência abaixo:

1, 7,10, 49,579,3400, 2, 5013

Eu a construí digitando números aleatórios no teclado. Embora a seqüência seja aleatória, ela provavelmente tem um padrão determinado pelo meu inconsciente, ou pela limitações de meus dedos. É possível que sejam necessários 500 ou mais números, mas em um determinado momento o padrão vai se repetir.

Para a Teoria da Informação, a primeira seqüência (1,2,3,4) é totalmente redundante, tanto que é muito fácil prever o número seguinte. Já a última seqüência seria a mais informativa, pois traz mais variedade.

Os teóricos do caos concluíram, portanto, que a ordem é redundante, enquanto o caos é informativo.

Fenômenos como a vida humana e o trânsito de uma cidade são essencialmente caóticos. Isso influenciou Edgar Morin a construir a teoria do pensamento complexo. Em uma frase autobiográfica, ele demonstra como o caos (ou complexidade) envolve nossas vidas: “Quando penso na minha vida, vejo que sou fruto de um encontro muito improvável entre meus progenitores. Vejo que sou produto de um espermatozóide salvo entre cento e oitenta milhões que, não sei por sorte ou infortúnio, se introduziu no óvulo de minha mãe. Soube que fui vítima de manobras abortivas, que deram resultado com meu predecessor, mas ninguém saberá dizer porque escapei à arrastadeira (...) E cada vida é tecida dessa forma, sempre com um fio de acaso misturado com o fio da necessidade. Sendo assim, não são fórmulas matemáticas que vão dizer-nos o que é uma vida humana, não são aspectos exteriores sociológicos que a vão encerrar no seu determinismo”.




Uma parte importante da Teoria do Caos é a chamada geometria fractal. Enquanto a geometria clássica, euclidiana, se preocupava com as formas perfeitas (círculos, quadrados, retas, cones), que são altamente redundantes, a Geometria Fractal vai se preocupar com as imperfeições das formas que encontramos na natureza. Enquanto a geometria clássica, ao estudar uma montanha, a transformava em um cone, para a nova geometria, o que interessa são justamente as irregularidades da montanha. Um raio não é definido como uma reta, mas em suas sinuosidades.

A geometria fractal, criada pelo matemático Benoit Mandelbrot, ficou famosa pelos gráficos criados para representar fenômenos caóticos: os fractais. Esses gráficos, na maioria muito belos, têm uma característica curiosa: quando ampliamos uma parte do desenho, ele se revela muito parecido com a imagem maior, mas com mais detalhes, mais informação. Uma outra característica dos fractais é que a mudança de um único número muda todo o desenho. É a Dependência Sensível das Condições iniciais, também chamada de Efeito Borboleta.

A Teoria do Caos tem influenciado os mais diversos campos do conhecimento. Na área da comunicação, essa teoria tem sido usada para descrever filmes, programas televisivos e até histórias em quadrinhos que apresentam características caóticas.

Um exemplo recente é o filme Cidade de Deus. Nele podemos encontrar todas as características da comunicação caótica: fatos fragmentados, muita informação em pouco tempo, padrões estéticos complexos, dependência sensível das condições iniciais, padrões mais complexos à medida em que nos aprofundamos nos fenômenos e na vida dos personagens...

A Dependência sensível das condições iniciais pode ser percebida, no filme Cidade de Deus, por exemplo, no momento em que o personagem Busca-pé tenta praticar um assalto. O fato do assalto dar errado vai evitar que ele entre no mundo do crime e, portanto, molda o seu destino. Como esse, há vários outros Efeitos Borboletas no filme.

Como num fractal, à medida em que nos aprofundamos nos personagens, percebemos uma maior complexidade. Para quem observa apenas superficialmente, o Trio Ternura é apenas um grupo de bandidos. À medida em que os conhecemos melhor, percebemos toda a complexidade que envolve cada um dos personagens, inclusive em termos de contradições.

A teoria do caos também tem sido usada para explicar porque as novas gerações têm uma capacidade maior de captação de informação. À medida em que o mundo e as comunicações se tornam complexos, caóticos, nossa mente se expande para acompanhar esse desenvolvimento. Por outro lado, o aumento da capacidade de captar informação faz com que surjam cada vez mais obras caóticas, tais como Cidade de Deus, Matrix e, nos quadrinhos, Watchmen.

Cultura pop

O termo cultura pop tem sido usado indiscriminadamente para designar diversos produtos da Indústria Cultural. Fala-se em música pop, pop rock, quadrinhos pop e, finalmente, cultura pop. Mas o que é cultura pop? O que caracteriza algo como pop? Que tipo de cultura é essa, denominada pop?

Uma resposta interessante para a pergunta está no ponto de vista daqueles que colocam a cultura pop como uma alternativa para a cultura oficial.

Em um virulento editorial da revista General Visão, número zero, Rogério de Campos ataca o imobilismo cultural daqueles que criticam a Indústria Cultural por comodidade:

"Essa revista surge para, entre outras coisas, chatear essa gente. Nosso objetivo é mergulhar nas imagens criadas pela tal cultura pop e provocar mais imagens. Desenhos de shapes de skate, games, ilustrações, brinquedos estranhos, capas de discos, roupas, flyers, cartazes, filmes, tatuagens, fanzines, desenhos de sites, desenhos animados, fotografias, histórias em quadrinhos e até pinturas e esculturas. Criadores que vivem além das fronteiras das imaculadas galerias ou apenas inconvenientes, fora do lugar "correto", fora do tempo, contraditórias, infinitas imagens elétricas para ofuscar as imagens oficiais. Não siginifica ficar deslumbrado pela Indústria Cultural, mas, ao contrário, enfrentá-la com ações e visões críticas".

Daí percebe-se o conceito de cultura pop como algo que nasce da Indústria Cultural, mas não se limita às regras suas acríticas e homogenizantes. Ao contrário, a cultura pop está muito mais próxima da subversão que da ideologia. Ela, constantemente, quer incomodar o receptor, ao invés de acomodá-lo.

O trabalho do autor britânico de histórias em quadrinhos) Alan Moore se encaixa perfeitamente nesse padrão. Sua produção de quadrinhos tem sido subversiva e inquietante: do "herói" anarquista em "V de Vingança" à denúncia da moral vitoriana, na história incrivelmente detalhada de Jack, o Estripador, "Do Inferno", recentemente transformada em filme.

Quando achou que os leitores estavam acomodados à sua produção mais intelectual, Moore, para provocá-los, dedicou-se a fazer histórias de super-heróis para a editora Image.

Essa produção crítica e provocadora não se encaixa em absoluto no conceito de Indústria Cultural.

Muito antes de Alan Moore, a editora americana E.C. Comics já fazia quadrinhos que estavam mais próximos do conceito de obra aberta do que de Indústria Cultural.

São inúmeros os outros exemplos de produções que estão mais próximas da entropia que da redundância que, teoricamente, deveria caracterizar a Indústria Cultural.

No cinema, há diretores como os americanos QuentinTarantino (de "Cães de Aluguel" e "Tempo de Violência"), Terry Gillian e, mais recentemente, o indiano M. Night Shyamalan (de "O Sexto Sentido" e "Corpo Fechado"), que não se encaixam no jeito americano de fazer filmes.

Na música há bandas que rompem com os ditames do stablishment: Beatles e suas experimentações, o incorfomismo de Raul Seixas, Pato Fu e a crítica à TV (na música "Televisão de Cachorro")... Por outro lado, há toda uma leitura crítica por parte dos receptores que foi totalmente ignorada pelos frankfurtianos, assustados com a idéia de uma mídia toda-poderosa, derivada do conceito de agulha hipodérmica.

A leitura de uma história em quadrinhos, de um seriado de TV, de um filme, pode evoluir desde a fruição pura e simples até uma análise semiótica aprofundada, como demonstrou Umberto Eco no livro Apocalípticos e Integrados.

Embora os meios de comunicação de massa tenham como objetivo a leitura e a fruição rápidas, isso não significa que todos os leitores estejam "amaldiçoados" a fazerem sempre leituras superficiais.

Alguns leitores discutem os quadrinhos da mesma forma que um crítico de arte o faria com um quadro, ou um crítico literário com um romance.

Por conta dessa leitura, alguns produtos da indústria cultural acabam se tornando cultura pop. É o que acontece, por exemplo, com o seriado Jornada nas Estrelas ou com as histórias clássicas de Jack Kirby e Stan Lee para a Marvel.

Importante notar que, embora não tenham uma postura tão crítica ou provocadora quanto outros exemplos de cultura pop, tanto Jornada quanto as histórias clássicas da editora americana de quadrinhos Marvel (dona do Homem-Aranha, Capitão América e X-Men) têm duas características em comum:

A. Eles apresentam inovações significativas com relação ao modo de fazer as coisas dentro daquele gênero ou mídia (ou seja, são mais informativos que redundantes). A Marvel inovava, e muito, ao mostrar o lado humano dos heróis (o melhor exemplo talvez seja o Homem-aranha, sempre envolvido com gripes, perseguições da polícia e brigas com a namorada), sem falar na estética expressionista de Jack Kiby. Jornada nas Estrelas inovava ao introduzir nos seriados de ficção um vivo manifesto pacifista e ao dar um grande valor aos roteiros bem elaborados.

B. Eles se destacam por seu caráter mítico. Não são poucos os autores que admitem o caráter mítico de Jornada nas Estrelas e de personagens como o Surfista Prateado. A mídia estariam, nesse caso, resgatando algo que havia se perdido com a quase total extinção dos chamados contadores de histórias que, nas sociedades de desenvolvimento tecnológico menos desenvolvido, são os principais divulgadores dos mitos.

O conceito de cultura pop surge não para substituir o de indústria cultural, mas complementá-lo. Ele é aplicado onde justamente as teorias da escola de Frankfurt falham: nos produtos da indústria cultural que não conformam, mas provocam, não acomodam, mas incentivam uma leitura crítica da realidade. A cultura pop surgiria ou de uma vontade de se contrapor à indústria cultural num movimento "de dentro", ou daquelas peças que ganham uma nova dimensão em decorrência de sua carga arquetípica.

Assim, a cultura pop teria as seguintes características:

A. ser inovadora com relação aos seus congêneres, tanto em termos de forma quanto de conteúdo;

B. apresentar uma leitura crítica de mundo;

C. ter um conteúdo arquetípico;

D. ser provocadora.

Tais características fazem com que, embora passe pelos mesmos mecanismos de reprodutibilidade técnica, a cultura pop se diferencie da média do que chamamos de indústria cultural.

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