quarta-feira, 1 de julho de 2009

A História do Cinema Mundial - O expressionismo alemão e o Cinema Noir

Chegamos à quarta parte da coletânea História do Cinema Mundial com a análise do expressionismo alemão no cinema, estilo que influenciou outros países e suas produções culturais. Atrelado ao expressionismo, temos o Cinema Noir, estilo de filme cultuado, considerado “diferencial”.

Para alguns historiadores, o cinema alemão da década de 20, onde o expressionismo encontra-se vinculado, era descrito como extremo, decadente e com doses cavalares de violência, uma apologia ao nazismo que viria logo depois. O êxito de algumas produções expressionistas alemãs ganharam fama em pontos distintos do planeta, com notoriedade para os Estados Unidos, que sofreram a influência direta destas produções, principalmente no que tange ao filme noir.

O filme O gabinete do dr. Caligari (de Robert Wiene, 1920) seria um dos principais exemplares do gênero. No filme, os cenários são bizarros e seu enredo tem tom de pesadelo, características típicas de filmes deste estilo, que também estava vinculado a outros campos da cultura, como a pintura, a literatura e o teatro.

O fim do século trouxe um período de conturbações: as culturas advindas da Europa, apesar de se orgulharem de seu imperialismo, sofriam pelas múltiplas manifestações de cunho anticapitalista. A título de exemplificação, basta lembrar das obras de Baudelaire e as idéias bem difusas de Friedrich Nietzsche.


O grito, de Edvard MunchNa pintura temos uma obra muito conhecida, assinada por Edvard Munch: "O grito", em exposição pela primeira vez em 1893. Na pintura expressionista estava exposta uma doutrina que envolvia o uso estático da cor e a distorção emotiva da forma, tratando também do aspecto profundo, divino e imperceptível das coisas. Na literatura, entre tantos, temos Franz Kafka como representante, apontados por alguns como expressionista. Tais características destas formas de artes estavam refletidas também no cinema.

Em primeiro lugar, havia uma iluminação bem especial, bastante insólita, que estava atrelada à maquiagem, que transformava o rosto dos atores em máscaras, cujo tratamento repleto de exageros podia levar à caricatura e ao grotesco. O que tornava prejudicial a pesquisa em torno do cinema alemão era a escassez de materiais sobre o tema, perdidos durante a fase bélica da Alemanha, grandemente envolvida nas duas grandes guerras mundiais. Segundo historiadores, o cinema alemão sofreu grande influência do cinema escandinavo, título futuro desta coletânea de artigos sobre a história do cinema mundial.

O primeiro representante do gênero foi "O outro" (1913), de Max Mack, considerado também o primeiro filme de cunho psicanalítico do cinema. O enredo gira em torno de um homem que desenvolve dupla personalidade após sofrer um acidente. Outro ótimo representante é O estudante de Praga (1913), que misturando Goethe e Edgar Allan Poe, narra a história trágica do estudante Baldwin, que vende seu reflexo no espelho ao demônio Scapinelli e passa a ser perseguido por seu duplo diabólico. O cinema expressionista alemão é diretamente ligado à temática fantástica.

Mais elementos caracterizaram o cinema expressionista: ligações com o gótico, efeitos de sombra e luz nas imagens e vilões sobrenaturais. Apesar do avanço tecnológico destas produções, que influenciaram na qualidade narrativa das mesmas, o cinema alemão enfrentou duro boicote internacional, por questões referentes a seu envolvimento nas guerras mundiais.

"O gabinete do dr. Caligari" ganhou notoriedade dentro deste estudos devido a criação de uma atmosfera de pesadelo que ganhou possibilidade pela produção em painéis pintados ao estilo expressionista, traçando um panorama com aspectos tortuosos e imprevisíveis. Somado a isso, estavam as interpretações dos atores, exageradas e de forte impacto visual, com maquiagem deformadora e enredo envolvendo personagens com sentimentos de destruição e revolta contra as autoridades.

No que tange o quesito composição, o cinema expressionista prendeu-se em muitos aspectos ao gótico medieval, como maquiagem (já citado) reforçada e o figurino estilizado. Uma outra característica foram as cenas repletas de alucinações. Um título que ajudará no entendimento da estética expressionista é a película entitulada "Fantasma" (1922). Numa determinada cena, o protagonista é dominado por uma vertigem e as escadas do caminho que segue começam a subir e descer sem que ele precise se mexer.

No quesito temática, o cinema expressionista alemão estava ligado ao universo da literatura romântico-fantástica. Na estrutura narrativa, uma das experiências mais marcantes era a de evitar o uso de letreiros narrativos e/ou explicativos: era um cinema interessado em mostrar, e cada um que entendesse da sua forma a mensagem transmitida. A descontinuidade era parte do processo narrativo, sendo o espectador o responsável pela construção da narrativa.

FW Murnau, Fritz Lang e Paul Leni foram os três maiores representantes do movimento, que de tão marcante, influenciou em quesitos estéticos o estilo hollywoodiano noir.

CINEMA NOIR

Quando um cinéfilo é perguntado sobre as características do cinema noir, gênero considerado como diferencial/intelectual, ele trata logo de responder: são filmes com luz expressionista, narrados em off, trazendo um detetive durão e uma loira linda e fatal, apimentado com altas doses de erotismo.

Resposta incorreta? Certamente não. A grande confusão na definição do gênero está ligada às suas origens, equivocadas para muitos estudiosos, que não sabiam que na verdade, o gênero não é essencialmente norte-americano. Ele se difundiu e ampliou-se por lá, mas é oriundo da França, país que se encontrava privado de cinema hollywoodiano, vendo-se diante de uma leva de filmes franceses, entre eles os clássicos Alma torturada (1942) e Assassinos (1946). Esses diretores empregavam nas suas obras os tons escurecidos, na temática e na fotografia, além da representação critica da sociedade americana e subversão a unidade hollywoodiana.

Com o passar dos tempos, o cinema noir tornou-se objeto de culto. Filmes atuais como Los Angeles – Cidade Proibida (1997), Estrada perdida (1997) e O homem que não estava lá (2001) seriam versões modernas do gênero. O elemento central do gênero é o crime e simbolizava o mal-estar pós-guerra dos americanos.

Nos filmes do gênero, há predominância do tom pessimista e fatalista, atmosfera repleta de crueldade, clima claustrofóbico e herança estilística da literatura policial. A complexidade das tramas e o uso intenso de flashbacks são marcantes, somados a ruas desertas, paisagens noturnas. Nota-se inclusive os títulos de filmes noirs, sua maioria trazendo palavras de cunho iconográfico como city, dark, street, windown, lonely, mirror, e as de cunho temático, como fear, cry, panic, death.

O homem do Noir, diferente do caubói do western traz na sua personalidade o derrotismo, ambigüidade, narcisismo, isolamento e egocentrismo. A mulher do Noir, mítica, metaforiza a independência que as mesmas alcançaram no pós-guerra.

A LITERATURA EM 2008

Em 2008, a literatura que se produziu no imaginário das heranças e memórias culturais privilegiou os que se debruçaram sobre a temática da “literatura menor”. Digo “menor” apenas para fazer lembrar um pouco de Deleuze em seu artigo sobre Kafka. Não muito longe dos holofotes já consagrados, uma lista de nomes amplia o horizonte para se repensar a questão do homem no mundo contemporâneo. O traço fincado no sinal de menos serve para se repensar um mundo que se absurda pelo que há de excessos. Tudo isso somado é diminuto. Pensar o minimalismo cotidiano já é de grande largueza filosófica, mas alguns substratos da Literatura contemporânea é mergulho raso em uma profundidade oca. Nada de novo. Baudelaire por volta de 1857 já anuncia: “O mundo vai acabar”.

O que a literatura de 2008 fez de importante foi dar um toque de leveza ao peso do mundo. O escritor apenas empresta suas cores ao vazio, diria Camus. Em verdade, a literatura é guardiã da esperança, lembramos aqui de um livro fabuloso de 2008 que é O caçador de pipas. Este livro é guardião da esperança no mundo árabe palestino. Um olhar mais atento sobre este livrinho encontrará algo precioso na arte de contar. Nessa obra, só há um luxo: o das relações humanas. “O caçador de Pipas”, de Khaled Hosseini está entre um dos melhores livros de 2008. Um livro que fala de beleza no trato com as misérias humanas e traz o desenho de uma cultura onde soltar pipas era mais do que um simples passatempo, ma um viajar de asas no vento de uma liberdade amarelada. Durante o campeonato de soltar pipas, Hassan é brutalmente violentado por três rapazes. Com a invasão soviética, Amir ao migrar para os Estados Unidos se torna escritor, até que um dia Amir volta a sua terra e se depara com uma realidade revoltante.



Também pelo lado oriental, em 2008, o escritor israelense Amós Oz reaparece com um romance novo cujo título é maravilhoso: “Rimas da vida e da morte”. Esta história é contada de forma mágica por Amós Oz que ao refletir o ato de escrever de um personagem escritor vai costurando imagens repletas de intenções sobre os holofotes do mundo literário. Um livro que traz sérios questionamentos ao mercado editorial, ao que está por trás de um lançamento de um livro. A história “Rimas da vida e da morte” se locomove entre-lugares dos caminhos da imaginação. Se começa dentro de uma lanchonete, o autor aproveita para acentuar o submundo literário, os acordos com as vaidades intelectuais, as noites de autógrafos; termina analisando as relações humanas com a escritura: o que está por trás das críticas literárias, de como se processa a inspiração laboriosa, ou mesmo, o desabafo de escrever e as conseqüências de tudo isso dentro da “persona” de um escritor, de um personagem leitor.

Um outro livro laborioso de 2008 chama-se “A viagem do Elefante, do escritor português José Saramago”, este livro está entre as obras raras deste século. Um livro cuja epigrafe é convidativa ao leitor viajante: “sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam”. Se em matéria de ser, não se pode chegar antes, Saramago com seu estilo barroco de contar, usa as palavras como se fossem labirintos ao fazer a travessia do personagem Salomão de Portugal a Áustria. O Salomão de Saramago lembra muito “O Elefante”, poema de Carlos Drummond de Andrade. O Elefante de Drummond é desses famintos de seres e de situações patéticas; o de Saramago anda à procura de sítios históricos, segredos de “mil e uma noites”, episódios não contados em livros, revelados pelo indiano Subhro, um personagem sensível que traduz a linguagem do Elefante como se transcreve uma escritura budista.

Se a literatura é diálogo constante com a diferença, e diálogo cortante com a repetição, a tradução cultural do mundo ainda continua sendo o homem e sua hora. Questões relacionadas às migração e africanidades estiveram em debate por todo o ano de 2008. Do centenário de Machado de Assis à eleição de Barack Obama, nunca se discutiu tanto sobre as cores e cotas afro-descendentes. Não à toa que tivemos, em 2008, no Ceará, a VIII Bienal Internacional do Livro enfocando a temática da mestiçagem. Em Pernambuco, a FLIPORTO [Festa Literária de Porto de Galinhas] rendeu homenagens à África.

Em travessia pela cultura africana, o livro fabuloso de 2008 é sem dúvida “O africano”, do escritor franco- africano J. M. G. Le Clézio. Nesse livro, o autor narra a história em tom informal que muito nos lembra uma saga curta com pequenas palavras em síntese quase embrionária. Um livrinho que amplia o conceito de memória ao confundir o olhar da ficção pela invenção autobiográfica. Uma linguagem escrita à moda de um francês crioulo. Conta o imaginário infante de uma criança assombrada com o horizonte africano em Ogoja. Um livro que fala do olhar pelo que há de sensações. Um olhar corpóreo: olho vivo do espírito. Uma espécie de dobras de falas que se desdobram no “entre-lugar” do corpo da mãe África, das savanas e do mar de capim. Como diz Le Clézio nas entrelinhas do livro: “A África era mais corpo que o rosto. Era a violência das sensações, a violência dos apetites, a violência das estações”. Um livro que recebeu em 2008 o “Prêmio Nobel de Literatura”.

E por falar em África, o livro “Venenos de Deus, remédios do diabo”, do escritor Mia Couto, também consideramos estar entre as melhores safras da literatura de 2008. Venenos de Deus, remédios do diabo é um romance em dezoito capítulos e cada um desses capítulos lembra pequenos contos encadeados à rotina de Moçambique. Uma prosa de “inventança” cheia de variantes dialetais orais com pinceladas de uma escritura com os dois pés atolados na memória africana. A história acontece em Vila Cacimba e tem como personagens centrais o médico Sidônio Rosa, Dona Munda, o mecânico Bartolomeu Sozinho. A trama se passa entre epidemias e a paixão do médico pela desaparecida Deolinda. Entre amores e traições, a história mapeia verdades e mentiras destilando venenos e remédios para curar dores humanas. Em um momento da trama, Bartolomeu, em diálogo com o médico, vem com uma indagação pra lá de existencial: “Cure-me de sonhar, doutor”.

No Brasil, o livro “O filho eterno”, de Cristovão Tezza, é um livro áspero e enxuto, rico de indagações sobre o ambiente familiar e a limitações de uma criança com “síndrome de down”. Um livro em que o narrador confunde o personagem, para revelar o que está por trás das lacunas silenciosas das dores, desenho nomeado de silencio e palavras. Deste livro guardamos esta imagem densa: “Ali está o pai com o filho idiota diante da fonoaudióloga. Quase esquece que também tem uma filha normal – mas crianças normais não precisam de água, que elas vão crescendo como couves. (...). A criança não se concentra muito, diz a fonoaudióloga, e ele se afasta dali quase arrastando o filho, e no corredor sente o olhar agudo dos outros, para o pai que leva aos trancos uma pequena vergonha nas mãos, incapaz de repetir duas ou três palavras numa sentença simples. E, no entanto, a criança abraça-o com uma entrega física quase absoluta, como quem se larga nas mãos da natureza e fecha os olhos”.

Também temos na mesa de cabeceira alguns livros que marcaram o ano de 2008, um deles bastante historiográfico e perspicaz: “Uma escritora na periferia do império: vida e obra de Emília Freitas”, fruto da pesquisa de doutorado de Alcilene Cavalcante [UFMG]. Este livro de Alcilene, publicado pela Editora Mulheres, conta a travessia da escritora Emília Freitas [1855-1908] em Fortaleza, Belém e Pará. Um trabalho biográfico no qual se discorre sobre a vida de uma escritora cearense que se despendeu, entre poemas e ficção, sobre questões envolvendo gênero e violência contra as mulheres e questões abolicionistas. Também, neste final de conversa, ainda dá tempo correr à livraria e dá uma última conferida na estante de Socorro Acioli, trata-se do livro “Vende-se uma família”. O livro de Acioli vem publicado com o selo das edições Demócrito Rocha. Um livro que recebeu no quesito capa o prêmio Jabuti de 2008. Um livro para encher os olhos do imaginário infanto-juvenil, conta a historinha de Álvaro e Benício em diálogo com a questão abolicionista. Uma historinha recheada de emoção que faz a cabeça do leitor virar pelo avesso.

Por fim, resta entrar o ano de 2009, ano do sol, lendo (dentro de alguma rede) o livro “Caderno do Estudante Luz”, de Eduardo Jorge, editado com recursos do Edital de Fotografia da Funcet em 2008. Um livro experimental no trato com a linguagem em estado de luz e sombra. Livro pequeno de silencio e música: partitura de água e sol. “Aula de atenção sobre renegada ruína”, como diz Rui Vasconcelos na contracapa. Um livro que se “anda assim de/ bicicleta, o que mais úmido, eis: as listas da pista de pouso, / algodão até as avessas,/ enquanto segura o que é/ portátil também a casa vazia,/ comigo e duas mudas de trevo,/ na valise, a troca de assunto:/ um livro permanece fechado”.