terça-feira, 23 de junho de 2009

O dia eterno do Violeta

Existem alguns artistas que só poderiam ter nascido em São Paulo. Pode ser o trânsito caótico, o clima sufocante, a falta de perspectiva, a distância da praia, o pensamento recorrente de estar perdendo tempo em um lugar quando coisas interessantes acontecem em outro ou o senso de incapacidade diante do gigantismo de tudo que existe na maior cidade do país. Talvez seja tudo isso que faz com que um grupo de amigos resolva se juntar para fazer um som. Uma música que os agrade, pouco importa público, mercado, break even, o escambau.

Somente em São Paulo nasceria uma banda como o Violeta de Outono. Um grupo que bebe aos gargalos no rock progressivo, mas suas canções são curtas. Gostam de improvisos e prezam a técnica, mas posam de power trio e capricham em distorções. Esse é o Violeta, que conquistou uma aura cult no circuito musical brasileiro e até hoje nenhum artista semelhante apareceu no país.

A grande esperteza do Violeta de Outono foi justamente filtrar todas essas influências da sua maneira - do jeito brasileiro. Os caras sempre ouviram música estrangeira, mas perceberam que não fazia sentido somente repetir o que era feito lá fora. Pegaram o prog, a new wave, o pós-punk, a psicodelia, o hard rock e o então emergente estilo dark (sedimentado em bandas como Cure e Echo & The Bunnymen) e moldaram tudo ao seu jeito, cantando sempre em português.

Claudio Souza, Fabio Golfetti e Angelo Pastorello escaparam da repetição e por isso colocaram no mercado, pelo menos, um disco clássico: o homônimo, de 1987.

A capa não diz muito sobre o grupo, mas explica o som. O clima etéreo, uma sensação de melancolia. Um friozinho de outono. "Outono" que abre o disco, com um refrão triste, que diz "Canto do extremo do mundo / Espero em silêncio profundo". Está em nossos corações o frio do outono.

O sucesso do álbum também era a melancolia. O contraponto que sempre caracterizou o Violeta. Sob um riff de guitarra poderoso ouve-se "Silêncio em mim / Espelhos planos / Saídas falsas, vôo, solidão / Só esperando / Vagando em seu olhar / Tudo é deserto, estranho lugar / Você sabe que não temos tempo / Dia eterno, noite escura adentro".

Tudo no disco é movido pela paixão e pelos delírios do vocalista, guitarrista, compositor e produtor Fabio Golfetti. Uma paixão que manteve sempre fiel um séquito respeitável de fãs no Brasil - com maior destaque para São Paulo. Talvez seja essa paixão (ou delírio) que fez com que eles recusassem colocar "Outono" na abertura de uma novela global e se arriscarem a passar pela prova das paradas de sucesso populares. Temiam não agradar o grande público e, ao mesmo tempo, trair as expectativas da sempre conservadora opinião do underground. Como não se sabe o amanhã, fincaram pé no mito, que também é totalmente merecido. Esse primeiro disco do Violeta é tão bom até hoje e mantém a sua sonoridade única de forma intacta. Intacta como a presença no rol de melhores covers dos Beatles já feita em qualquer língua. O disco fecha com "Tomorrow never knows", um resumo de tudo que o Violeta teve de melhor: ousadia, criatividade e paixão pela música.

Alexandre Petillo é jornalista. Acabou de editar o livro Noite passada um disco salvou minha vida (Geração Editorial), em que 65 músicos e jornalistas falam sobre seus discos favoritos. Trabalhou no Notícias Populares, no Agora SP e criou a revista Zero. É colunista do jornal Diário da Manhã (GO) e colaborador da Folha, do Estado de S. Paulo e de diversas publicações brasileiras, como a Bravo! e a Outracoisa.

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