quarta-feira, 8 de abril de 2009

ESPECIAL ANIVERSÁRIO DE FORTALEZA: ARTIGOS DE PERSONALIDADES


Preservar o existente, recuperar o possível: O Centro Antigo de Fortaleza


A urbanização acelerada do chamado "Terceiro Mundo" tem sido, ao longo deste século, um fenômeno extremamente deletério. Já em 1929, em sua viajem a Argentina, Le Corbisier, refletindo sobre o assunto, sentenciou, em famosa conferência "Não existe nada em Buenos Aires, exceto o erro". É bem verdade que a capital portenha soube reagir ao protesto do arquiteto e, atualmente, conserva rico e belo patrimônio urbanístico para desfrute das atuais e futuras gerações. No entanto, o mesmo não ocorreu em outros lugares. Ainda hoje parece pesar sobre a maioria das metrópoles do mundo subdesenvolvido esta maldição: só há perdurabilidade do erro. Em Fortaleza tem sido assim. Os riachos de nossa história, como o Pajeú, foram transformados em esgotos. Os rios são aprisionados em pequenas calhas, cercadas de favelas e poluídos pelos esgotos. As lagoas são aterradas pela especulação imobiliária ou transformadas em reservatórios de lixo e dejetos, com o consentimento ou silêncio do poder público.A devastação de nossa cidade não se limita aos crimes contra o meio ambiente. A destruição do seu pequeno mas bonito patrimônio arquitetônico, já denunciada na década de sessenta por Liberal Castro, fica dramaticamente exposta nessa mostra seletiva sobre o centro antigo*. A maioria das edificações mostradas nas fotos foi derrubada para dar lugar a prédios comerciais, e outras tantas, como registra Blanchard Girão, em sua elegante crônica aqui publicada, permanecem encobertas por "grotescos tapumes ou biombos modernosos" das lojas. Uma pequena parte ainda permanece em pé, graças à resistência dos materiais, mas abandonada pela incúria pública ou privada.Nossa intenção maior é convocar a cidadania para reagir a esse deplorável estado das coisas, na esperança de reverter a tendência dessa urbanização destrutiva em marcha, produto da anárquica lógica da acumulação capitalista. A esperança não é vã, já que em outras metrópoles do mundo, inclusive do Brasil, os movimentos citadinos têm conseguido resultados animadores, seja na esfera da preservação, seja na esfera da recuperação dos patrimônios naturais e construídos, pondo-os à disposição da coletividade como bens voltados para a melhoria da qualidade de vida presente e futura das cidades.Se a lógica do capital tem mantido a hegemonia na condução da política urbana de Fortaleza, também é verdade que uma contra-lógica, que tenho denominado pedagogicamente de lógica da cidadania, começa a ganhar expressão pública, influenciando algumas ações do governo (como mostra Blanchard Girão) e da própria corporação empresarial (Como é o caso do Projeto de Revitalização da CDL).A formulação desse projeto de intervenção para o Centro de Fortaleza exige, como pré-condição inarredável, a mais ampla e democrática participação de todos os interessados numa efetiva prática cidadã no terreno da política urbana. Combina a militância ativa dos sindicalistas e o conhecimento científico-técnico da intelectualidade independente, hoje abrigada nas universidades, institutos de pesquisa e na imprensa. Envolve necessariamente uma inteligente política de parceria entre todos os agentes do processo sócio-urbano, do parlamento e do executivo.A melhor política de intervenção urbana para o Centro de Fortaleza é uma combinatória de políticas urbanas. É preciso preservar o patrimônio existente, proporcionando-lhe as condições indispensáveis para a retomada de sua função tradicional ou desfrute estético por todos. Em alguns casos, redefinindo seu uso, noutros, intensificando a ocupação lúdico-cultural ou dotando-os de condições para funcionar como espaços de celebração pública. É preciso recuperar, e recuperar dentro de um plano que considere a totalidade da cidade, muitos dos equipamentos e edificações semi-destruídos, redesenhando sa geografia do centro com ousadia e criatividade, sempre com base no interesse público, no respeito ao meio ambiente e na preservação da memória.Nesse sentido, algumas ações se destacam como prioritárias e imediatas: a preservação do Cine São Luiz**, do Excelsior Hotel (como hotel residência), do Museu das Secas *** (com sua abertura à visitação pública), do prédio da Secretaria de Segurança (com nova finalidade), do prédio da 10ª Região Militar (Como Museu da Cidade); a recuperação do Prédio da Sociedade Artística Cearense (e sua entrega a outra entidade operária), do Teatro da antiga Emcetur (hoje fechado), do Prédio da Santa Casa e do próprio Forte de Nossa Senhora da Assunção (voltando ao seu desenho original); a construção da Avenida Parque Pajeú (com retirada da central atacadista do centro); a ligação do centro ao mar, com a transformação da Estação João Felipe e seus galpões num sistema de equipamentos culturais; a ligação entre as praças José de Alencar e Lagoinha (com a reordenação e dignificação do atual comércio ambulante ali mal instalado); a criação de um programa de moradia com a adaptação dos muitos prédios e sobrados hoje abandonados. Nunca é demais enfatizar: isso só será possível se a cidadania resolver tomar em suas mãos o destino da própria cidade. O ponto de partida é criar uma consciência preservacionista. Esperamos que esta exposição de fotografias sobre o Centro antigo* funcione como um grito de alerta e ajude a sensibilizar mentes e corações para a necessidade e a urgência desse desiderato.


Auto Filho
Secretário de Cultura do Estado do Ceará


* Exposição "O Centro Antigo de Fortaleza: Álbum de fotografias" realizada em 1997 por Nirez.
** O Cine são Luiz foi adquirido pelo SESC (agora SESC Luiz Severiano Ribeiro), e atualmente mantém a programação de cinema.*** O Museu das Secas foi tombado pelo IPHAN e encontra-se em reformas.

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